Na quietude das manhãs cuiabanas, quando o sol começa a dourar os telhados antigos dos bairros da cidade verde, uma história ainda paira no ar como um sussurro leve — história de menino, de fé e de um voo que ninguém esqueceu.
Francisco Augusto Falcão Filho, nasceu em 9 de setembro de 1964, mas seu nome verdadeiro virou quase segredo, guardado só nos documentos e nas lembranças de Conceição, sua mãe. Para todos os outros, era o Falcãozinho — não só pela leveza, mas por aquele espírito atento, os olhos vivos, o jeito de quem queria sempre estar por perto, colecionando chaveiros, sonhos e amigos.
Amava o Dom Bosco. Ia aos treinos como quem vai à missa. Os jogadores, tocados por sua presença miúda e insistente, adotaram-no como mascote, e ele, orgulhoso, tornou-se parte do time, mesmo sem chuteiras nem uniforme.
Mas num dia qualquer de 1969, no silêncio das árvores da fazenda do pai, apareceu uma coisa estranha em sua perna: um caroço. Inofensivo à primeira vista, como são sempre os inícios dos males que nos mudam a vida. Veio o diagnóstico, e com ele, o nome temido: sarcoma. Um nome grande demais para caber num corpo tão pequeno.
Os meses seguintes foram de peregrinação. Do calor de Cuiabá às esperanças remotas do Rio de Janeiro, Falcãozinho enfrentou médicos, agulhas, radiações e orações. Sua mãe, incansável, chorava só no escuro, escondida, para não quebrar o sorriso do menino que parecia não temer nada.
E ele melhorou. Por um tempo, melhorou. Corria de novo, ria, comeu um doce de leite com gosto de milagre. Falavam de um cientista de Taubaté, uma vacina, uma promessa. Os pulmões limparam, a dor cedeu. Talvez a infância tivesse voltado.
Mas não. Em dezembro de 1970, vieram as dores de cabeça. A febre. E, com elas, o veredito cruel: a metástase. A doença não queria partir.
A cidade o lembra não só como mascote, mas como milagre. Como sinal de que até um menino pode ensinar o que é força, fé e despedida serena.
E é aqui que a história de Falcãozinho muda de tom. Porque em vez de se apagar, ele brilhou mais. Pediu para fazer sua Primeira Comunhão. Tinha só seis anos. O arcebispo concedeu. Na manhã de 27 de maio de 1971, recebeu a Eucaristia como quem recebe um presente prometido. Às 8h40, partiu. Era uma quinta-feira.
Seu enterro foi cortejo de luz. Pediu para ir de branco, cercado de flores brancas. As pessoas queriam tocá-lo, como se aquele caixão guardasse uma santidade infantil. E talvez guardasse mesmo.
Hoje, a Creche Falcãozinho cuida de mais de 90 crianças carentes ali na Rua Feliciano Galdino. E o nome do menino ainda ecoa pelas salas, pelos corredores, pelas mãos que recebem o lanche ou abrem um caderno. Há um pequeno museu com seus chaveiros, sua bola, sua camisa do Dom Bosco. Há doces deixados sobre seu túmulo, como se um anjo os esperasse para repartir entre as crianças do céu.
A cidade o lembra não só como mascote, mas como milagre. Como sinal de que até um menino pode ensinar o que é força, fé e despedida serena.
E, todas as manhãs, quando o sol se ergue sobre Cuiabá, talvez seja ele quem o carrega — o pequeno Falcão, voando baixinho sobre as crianças que ainda têm o que ele não teve: tempo.
*Francisco das Chagas Rocha é membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso (IHGMT).
*Os artigos são de responsabilidade seus autores e não representam a opinião do Mídia Hoje.
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