Caminhar pela Rua 13 de Junho, no coração de Cuiabá, é atravessar mais de dois séculos de história viva. Das intrigas políticas e amorosas do século XVIII às glórias militares do século XIX, esta via testemunhou episódios que moldaram não apenas a cidade, mas a própria identidade mato-grossense. Poucas ruas carregam tantas memórias quanto essa, que liga a Praça da República ao bairro do Porto, margeando o curso do Rio Cuiabá.
Antes de se chamar Rua 13 de Junho, o logradouro era conhecido como Rua Bela do Juiz, nome derivado do episódio que escandalizou a sociedade cuiabana do século XVIII. O protagonista era o ouvidor João Vaz Morilhas, autoridade máxima da então Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá. Homem culto, elegante e poderoso, Vaz Morilhas caiu de amores por uma mulher chamada Benta Cardoso, cuja beleza e presença deixaram a vila em alvoroço.
Em 7 de janeiro de 1752, a paz do romance foi abalada com a chegada do primeiro delegado de El-Rei de Portugal, Dom Antônio Rolim de Moura Tavares, nomeado governador da recém-criada Capitania de Mato Grosso. Até então, o ouvidor era a principal autoridade na vila, mas com a nova estrutura administrativa, Rolim de Moura passou a ocupar o posto mais elevado. Ambos, porém, apaixonaram-se pela mesma mulher.
O ciúme do governador transformou-se em perseguição. Tentou de todas as formas afastar o rival, inclusive apelando à Coroa Portuguesa para retirar Vaz Morilhas do cargo. Como não obteve sucesso imediato, Dom Rolim mandou deportar Benta Cardoso para Vila Bela, sob a alegação de que ela causava desordem na vila. Desobedecendo à ordem, Benta retornou a Cuiabá. Indignado, o governador mandou prendê-la.
O que Dom Rolim não sabia era que a prisão da amada serviria aos propósitos do casal. A cadeia, situada ao lado da residência do ouvidor — no prédio onde hoje funcionam os Correios —, tinha a vigilância sob comando do próprio juiz. Todas as noites, por volta das 23h30, Benta saía discretamente da prisão e permanecia nos aposentos do ouvidor até as 4h da madrugada.
Inconformado com a ousadia, Rolim de Moura intensificou sua campanha contra Morilhas. Chamou-o publicamente de “mulherengo” e “juiz abusivo”, suspendeu-o do cargo e, em 1762, acusou-o formalmente de praticar comércio clandestino. O ouvidor foi preso e escoltado pelo sargento-mor João de Souza Azevedo até Belém do Pará, encerrando o mais rumoroso escândalo amoroso dos anais do Senado da Câmara da antiga Cuiabá.
A fama da história foi tamanha que a própria população passou a chamar o trecho de Rua Bela do Juiz, imortalizando o episódio na geografia urbana da cidade.
A vitória de 13 de junho e a mudança oficial de nome
Mas seria outro acontecimento, mais de um século depois, que mudaria oficialmente o nome da rua. Em 13 de junho de 1867, durante a Guerra do Paraguai, o então tenente-coronel Antônio Maria Coelho liderou uma tropa de 400 homens que partiu de Cuiabá rumo a Corumbá, então ocupada pelas tropas inimigas.
A expedição foi estratégica: os soldados embarcaram em canoas rebocadas pelos vapores Alfa, Antônio João, Jauru e Corumbá, desembarcaram em silêncio no local chamado Alegre, e surpreenderam o inimigo em luta de trincheiras e baionetas. A vitória foi decisiva para a retomada da cidade e garantiu o prestígio de Coelho, que viria a ser nomeado Barão de Amambaí e se tornaria o primeiro governador republicano de Mato Grosso.
Em 1871, por iniciativa do vereador Joaquim Alves Ferreira, a Câmara Municipal aprovou a mudança de nome do logradouro para Rua 13 de Junho, em homenagem ao feito histórico. Desde então, a via passou a carregar oficialmente a data da retomada de Corumbá como símbolo de bravura e identidade regional.
Um retrato urbano de uma Cuiabá em transformação
Até a década de 1960, a Rua 13 de Junho era o principal acesso da cidade ao Porto. Foi nela que surgiu, em 1891, a primeira linha de bondes de Cuiabá, implantada pela Companhia Progresso. No início do século XX, essa via já abrigava símbolos da modernidade cuiabana, como o primeiro cinema da cidade (1910), o Consulado da Alemanha, o Asilo Santa Catarina de Sena, a primeira agência aérea (Sindicato Condor) e a primeira empresa telefônica.
Diversas residências e comércios históricos marcaram o percurso da rua: o casarão do Barão de Aguapeí, que sediou um baile memorável na noite da proclamação da República; a Casa Haddad; a Farmácia Santa Terezinha; a Relojoaria Sebba; a Loja Ayoub; a Capri Modas; a Casa Granja; o Magazine São Luiz; a Galeria GG; e muitas outras.
A rua também foi morada de figuras políticas importantes, como o Capitão Manoel Alves Ribeiro, e abrigou instituições de relevância cultural, como o Liceu Cuiabano e a Igreja Presbiteriana.
Uma rua, muitas histórias
A Rua 13 de Junho é mais que uma simples via de trânsito. Ela é palco de paixões proibidas, de batalhas decisivas e de modernizações que moldaram Cuiabá ao longo dos séculos. É um fio condutor entre o passado e o presente, entre a lenda e a história. Seja nas lamparinas de outrora ou nas vitrines iluminadas de hoje, cada esquina dessa rua ainda ecoa os passos da bela Benta Cardoso e dos bravos soldados que, em 1867, selaram com sangue e coragem a retomada de Corumbá.
*Francisco das Chagas Rocha é membro do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso (IHGMT).
⸻
Fontes: Anais do Senado da Câmara da Vila Real do Bom Jesus de Cuiabá; crônicas históricas de Rubens de Mendonça; registros da Guerra do Paraguai; acervo de memória oral cuiabana.
Francisco Alexandre Ferreira Mendes
*Fotos acerto Francisco das Chagas Rocha
*Os artigos são de responsabilidade seus autores e não representam a opinião do Mídia Hoje.
Nossas notícias em primeira mão para você! Link do grupo MIDIA HOJE: WHATSAPP
Siga a pagina MÍDIA HOJE no facebook: (CLIQUE AQUI)