Neste domingo (25) Cuiabá silencia. Silencia não só por respeito, mas por reverência ao fim de um ciclo que parecia eterno. Partiu Seo Benedito Silvério Pereira, o Seo Dito benzedor, aos 99 anos de vida, às portas dos 100, como quem não teve pressa de ir embora, como quem sabia que ainda tinha muita gente para benzer, muita dor para aliviar, muito ramo para passar sobre os males do corpo e da alma.
Desde cedo, aprendeu a ler os sinais do mundo invisível com Doninha do Tanque Novo, aquela mulher que, aos 22 anos, teve visões da Santa Maria da Verdade — e, depois, da própria figura da santíssima trindade terrena: Jesus, Maria, José. Laurinda, a Doninha, com quem Seo Dito aprendeu que benzer não é escolha, é missão; e missão dada por Deus não se recusa, nem se questiona, nem se agradece demais. “Quem cura é Deus”, ele repetia, sempre, com aquela fé miúda e imensa, concreta e leve, que só os escolhidos carregam.
Seo Dito benzeu de tudo: arca caída, ventre virado, dor de dente, dor na alma, dor no amor, dor de viver. Com um ramo na mão e a voz mansa, com gestos que pareciam repetidos, mas nunca eram: cada bênção era única, cada pessoa acolhida como quem acolhe um irmão perdido, um filho sem rumo.
A fila era grande, sempre. Gente daqui, do bairro Novo Terceiro, onde morava desde que o Terceiro Velho foi engolido pela enchente de 1974. Gente de toda Cuiabá, do Brasil inteiro e até do mundo. Um dia, até um homem de Portugal se ajoelhou diante do benzedor cuiabano, buscando aquela cura que só as mãos simples sabem oferecer. E saía aliviado, como tantos outros: aflitos, deprimidos, perdidos, quebrados pelo mundo, todos encontravam na pequena casa de Seo Dito um abrigo, um respiro, uma esperança.
E ele sempre dizia: “Eu não faço nada, quem faz é Deus”. Era só instrumento, dizia, mas poucos instrumentos foram tão afinados na música silenciosa da fé como ele.
Neste domingo, Cuiabá se despede desse homem de coração poconéano, honesto, justo, generoso. Um homem que benzeu gerações, que cruzou quase um século inteiro sem nunca negar um pedido, sem nunca cobrar um obrigado. O dom era divino, mas a entrega foi humana, bela e completa.
Partiu às vésperas do seu centenário, como quem entende que o tempo, afinal, é só um fio que se rompe quando a missão já está cumprida.
Neste domingo, o rio Cuiabá corre mais devagar. As folhas dos ramos que ele usava estão quietas, sem o movimento de suas mãos. Mas na memória da cidade, na alma de quem foi benzido por ele ou por alguém que ele ensinou, Seo Dito permanece.
Benzer é uma arte que não morre. Assim como Doninha vive em Seo Dito, ele viverá em tantos outros que aprenderam, com ele, que fé se compartilha, que dor se acolhe e que cura é sempre um milagre que passa pelas mãos humanas, mas que vem do alto.
Vá em paz, Seo Dito. Sua última bênção agora é para nós, que ficamos.
*Francisco das Chagas Rocha é membro do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso (IHGMT).
*Os artigos são de responsabilidade seus autores e não representam a opinião do Mídia Hoje.
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Marijanr 25/05/2025
Tive a dádiva de levar meu neto Miguel para ser benzido por Seo Dito Os céus em bençãos o recebe hoje E nós seus filhos ficamos orfãos de suas mãos acolhedoras e que trazia a cura ... Vá em paz ...Deus o receba ????????
1 comentários