O desaparecimento do coronel britânico Percy Harrison Fawcett na selva brasileira, em 1925, permanece como um dos maiores mistérios da exploração mundial e inspira, até hoje, histórias, lendas e produções cinematográficas. Sua obsessão pela chamada “Cidade Perdida de Z”, uma mítica civilização escondida no interior do Brasil, o levou a uma jornada sem volta pelo coração da Amazônia.
Uma Vida de Aventuras
Nascido em 31 de agosto de 1867, na cidade de Torquay, Inglaterra, Fawcett seguiu a carreira militar e atuou como topógrafo em várias partes do mundo, incluindo o Ceilão (atual Sri Lanka), onde conheceu sua esposa, Nina. Ao longo da vida, conciliou o trabalho técnico com uma intensa busca espiritual, interessando-se profundamente pelo ocultismo e pela existência de civilizações avançadas ocultas.
Em 1906, Fawcett viajou pela primeira vez à América do Sul, a convite da Royal Geographical Society, realizando expedições pelo Brasil, Bolívia e Peru. Foi nesse período que teve contato com o “Documento 512”, um manuscrito do século XVIII preservado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. O texto relatava a existência de ruínas monumentais, alimentando as crenças do coronel sobre uma civilização perdida no Brasil.
O Rumo à Última Expedição
Ao longo de quase duas décadas, Fawcett empreendeu oito incursões pelo continente sul-americano. Em fevereiro de 1920, retornou ao Brasil e, no Rio de Janeiro, foi recebido pelo então presidente Epitácio Pessoa e pelo general Cândido Rondon. O encontro, segundo registros, foi tenso: Rondon sugeriu que a expedição fosse acompanhada por militares brasileiros, mas Fawcett preferiu manter uma equipe enxuta.
“Uma viagem com muita gente tem seus inconvenientes”, declarou à época.
Em outubro de 1920, a Comissão Rondon anunciou o encontro com o coronel Fawcett, que regressava do posto Bakairi, situado na margem direita do rio Paranatinga. O capitão Ramiro de Noronha, que seguia para concluir a montagem do posto, encontrou Fawcett e o americano Holt. Demonstrando cortesia, o capitão Noronha retornou ao posto Bakairi para atender Fawcett, prestando-lhe valiosas informações. Além disso, o oficial brasileiro cedeu um homem prático ao explorador inglês para acompanhá-lo sertão adentro.
O guia deixou Fawcett após uma marcha de cerca de quatro quilômetros ao norte, tendo antes atendido à solicitação do inglês, que pediu a indicação do divisor entre os rios Paranatinga e Xingu. Por ali penetraram os dois viajantes, a cavalo, conduzindo dois bois cargueiros e dois cães.
Um mês depois desses acontecimentos, chegou ao posto Bakairi, a pé, o senhor Holt, solicitando socorros para o coronel Fawcett, que havia ficado muito atrás, sem forças para prosseguir até aquele posto. Os socorros foram enviados, e Fawcett conseguiu, desta vez, voltar ao convívio dos civilizados. Nos primeiros dias de dezembro de 1920, os exploradores chegaram de volta a Cuiabá, de onde seguiram para o Rio de Janeiro.
Em março de 1921, Fawcett esteve brevemente em Cuiabá, depois retornando ao Rio de Janeiro. Porém, foi apenas em 1925 que organizou sua expedição mais ambiciosa e derradeira.
Em 4 de março de 1925, Fawcett voltou a Cuiabá, hospedando-se no tradicional Hotel Gama, na rua Pedro Celestino, administrado por José Gama, figura conhecida pela hospitalidade. Durante a estadia, produziu diversos desenhos e caricaturas, entre elas, uma famosa representação do próprio anfitrião. Segundo testemunhas, também realizava sessões espirituais, um dos aspectos menos conhecidos de sua personalidade.
A Travessia Final
Em 5 de abril de 1925, Fawcett partiu de Cuiabá com seu filho Jack Fawcett e o amigo Raleigh Rimell, após concluir os preparativos para a expedição. O grupo enfrentou condições extremas: calor escaldante, fome e os percalços típicos da floresta. A alimentação era básica — sopa, chá, leite condensado dissolvido em água, arroz e carne de charque. Fawcett fazia suas refeições em particular, preferindo legumes e frutas.
No dia 30 de abril, chegaram à Fazenda Rio Novo, onde foram recebidos pelo coronel Hermenegildo Galvão, que guardaria por anos um bilhete escrito por Fawcett, hoje considerado uma relíquia histórica. Na noite anterior à partida, o explorador realizou uma sessão cabalística, utilizando uma misteriosa boneca que carregava consigo, entrando em transe.
Acervo Museu Histórico Nacional

Bilhete escrito pelo Cel Fawcett foi entregue ao museu Dom José, 10 anos depois de escrito
Em 4 de maio, seguiram rumo ao Posto Indígena Simão Lopes, onde chegaram em 15 de maio. Lá, foram acolhidos pelo chefe indígena Waldomiro e interagiram com grupos do Xingu. Relatos apontam que receberam alertas sobre os riscos à frente. O chefe indígena Yamará advertiu Fawcett sobre os “índios morcegos”, descritos como hostis e canibais, mas o britânico ignorou:
“Posso me defender”, respondeu.
Do Posto Indígena, partiram em 21 de maio em direção ao Campo do Cavalo Morto. Nessa ocasião, dispensou os peões, pois queria estar sozinho quando encontrasse a Cidade Z.
A última comunicação oficial de Fawcett foi uma carta enviada à esposa, datada de 29 de maio de 1925, na qual ele escreveu:
“Você não precisa temer nenhum fracasso.”
A correspondência foi levada até o Posto Indígena e de lá enviada a Cuiabá por militares do general Rondon. Desde então, nunca mais se ouviu falar dele, nem de seus companheiros.
Cerca de três meses depois, um dos cães da expedição apareceu sozinho na Fazenda Rio Novo, alimentando ainda mais as especulações e o mistério.
No dia 29 de maio de 2025, completar-se-ão exatos 100 anos desde o envio dessa última correspondência e, consequentemente, do desaparecimento de Percy Fawcett na selva brasileira.
Teorias e Lendas
O sumiço de Fawcett gerou diversas teorias: desde ataque indígena até morte por doenças tropicais ou inanição. A historiadora Déborah Levorato Leme, da USP, considera a hipótese de ataque ou fome como as mais prováveis. Não há, contudo, qualquer prova definitiva.
Curiosamente, Fawcett havia instruído sua esposa a não enviar missões de resgate em caso de desaparecimento e tinha o hábito de despistar sobre suas localizações, dificultando futuras buscas. Apesar disso, várias expedições tentaram segui-lo — algumas delas com finais igualmente trágicos.
O Místico e o Explorador
Além da carreira militar e científica, Fawcett era profundamente envolvido com o esoterismo. Mantinha laços com Helena Petrovna Blavatsky, fundadora da Teosofia, e acreditava em civilizações espiritualmente evoluídas escondidas na selva.
Em Cuiabá, frequentava centros espíritas e realizava experiências místicas que chegaram a impressionar autoridades locais, como o então governador de Mato Grosso. Entre os círculos sociais cuiabanos, conviveu com intelectuais como Estevão de Mendonça e Eufrásio da Cunha Cavalcanti, fundador do Museu Dom José.
Um Legado Imortal
O desaparecimento de Fawcett virou lenda. Para alguns, como a Sociedade Brasileira de Eubiose, ele teria alcançado a Cidade Z e viveria secretamente como líder espiritual. Para outros, foi mais uma vítima da floresta.
Certo é que sua figura inspirou personagens célebres, como Ridgewell, da série Tintim, e especialmente Indiana Jones, criação do cineasta Steven Spielberg. O chapéu, o chicote e o espírito aventureiro do herói hollywoodiano são uma homenagem direta ao coronel britânico.
Mais de um século depois de sua primeira expedição ao Brasil, o mistério de Percy Fawcett continua vivo, estimulando a imaginação de exploradores, cineastas e amantes da aventura. Afinal, quem não gostaria de acreditar que, em algum canto inexplorado da selva, uma cidade perdida ainda aguarda para ser descoberta?
*Francisco das Chagas Rocha é membro do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso (IHGMT).
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Fontes:
* Arquivos históricos Hemeroteca Digital Brasileira
* Museu Dom José
* Museu Histórico Nacional
* O Enigma do Coronel Fawcett, de Hermes Leal
* E Fawcett não voltou, de Edmar Morel
* Artigo de Déborah Levorato Leme (USP)
* Francisco Alexandre Ferreira Mendes
Confira imagem do casarão onde se hospedou Percy Fawcett:
*Os artigos são de responsabilidade seus autores e não representam a opinião do Mídia Hoje.
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