No dia 13 de maio de 1888, a princesa Isabel assinava a Lei Áurea, extinguindo oficialmente a escravidão no Brasil. Mas em Cuiabá, devido às limitações de comunicação da época, essa notícia só chegou quase um mês depois — em 6 de junho de 1888 — provocando um impacto profundo e duradouro na memória da cidade e de seus habitantes.
As notícias chegavam por via fluvial, em embarcações conhecidas como vapores — os “WhatsApp da época”, por onde corriam os fatos mais importantes que vinham da Corte, com semanas de atraso.
A informação veio pelo rio, como tantas outras naquele tempo. O navio Coxipó, embandeirado, chegou ao porto da cidade ao entardecer do dia 6 de junho, trazendo a novidade libertadora. Os sinos da cidade repicaram festivos, surpreendendo os moradores, que saíram às ruas para entender o motivo da celebração. Assim registrou o professor Francisco Alexandre Ferreira Mendes, em tom poético e reflexivo:
“A cidade de Cuiabá, no silêncio dos dias taciturnos, permanecia na quietude costumeira dos velhos tempos, esquecida no verde valo da Prainha […] Espalhara-se por toda a cidade a notícia da libertação dos escravos no Brasil com a Lei Áurea de 13 de maio, e os sinos bimbalhavam festivos.”
Logo após a confirmação da notícia, as repartições públicas foram iluminadas e bandas civis e militares, inclusive a dos menores do Arsenal de Guerra, percorreram as ruas centrais da cidade acompanhadas de um povo entusiasmado. O jornal A Situação, na edição de 10 de junho de 1888, relatava que a população cuiabana participou com júbilo e fervor, saudando a Princesa Imperial e o gabinete do Conselheiro João Alfredo. Os próprios ex-escravizados se juntaram à festa, levantando vivas à Redentora.
No entanto, nem todos festejaram. Como lembrou José de Mesquita em Gente e Coisas de Antanho, na região da Serra Acima (atual Chapada dos Guimarães), a notícia caiu como uma “granada” sobre os engenhos decadentes, que viviam da mão-de-obra escravizada.
Em reunião da Câmara Municipal de Cuiabá, ocorrida no dia 9 de junho de 1888, o presidente Antonio Augusto Ramiro de Carvalho, com apoio do secretário Padre Aureliano Pinto Botelho, enviou um ofício ao então presidente da Província de Mato Grosso, Coronel Francisco Rafael de Melo Rego, solicitando bandas de música para participar das festividades em comemoração à Abolição:
E em Cuiabá, a liberdade chegou no dia 6 de junho — tarde, mas viva, vibrante e, para sempre, inesquecível.
“[…] desejando solemnisa-lo o mais possível, esse acto, vou rogar V.sa as suas ordens para que nessa festa popular, tomem parte as bandas de música militar que V.sa puder dispensar.”
Na capital mato-grossense, já havia antes da Abolição uma mobilização importante pela liberdade. Registra-se a atuação de três entidades: a Sociedade Emancipadora (1872), a Sociedade Abolicionista (1883) e a Sociedade Abolicionista Galdino Pimentel (1886), que reforçavam o movimento nacional que clamava pelo fim da escravidão.
O tenente Eulálio Guerra, em artigo escrito em 1943, destacou o atraso na chegada da notícia:
“[…] essa auspiciosa notícia só chegou aqui em 06 de junho de 1888, quando então foram feitas as festas […] outros, os que se locupletavam com o suor dos pobres escravos, se entristeciam pelo desaparecimento de sua indústria.”
Entre as figuras mais marcantes da memória cuiabana está Maria Murtinho, ex-escravizada do Dr. Manoel Murtinho. Ela celebrava, não o 13 de maio, mas o 6 de junho — data em que a notícia chegou à cidade. A cada ano, organizava uma grande festa, com missa em honra a São Benedito, comida farta, música e danças tradicionais, como cururu, siriri, valsa, polca, maxixe e a quadrilha. Seu convite publicado nos jornais de 1899 dizia:
“A abaixo-assinada […] vem respeitosamente convidar todos os devotos para assistirem a uma missa que em honra a Santa Isabel, manda celebrar na Catedral, no dia 6 de junho vindouro.”
— Maria Murtinho, Cuiabá, 30 de maio de 1899.
O sargento Bráulio de Cerqueira também relatou com detalhes esse evento popular. Segundo ele, a procissão que saía da Catedral era composta por imagens de santos como São Benedito, Nossa Senhora da Conceição e São Domingos, ladeadas por quadros de Dom Pedro II e da Princesa Isabel, ao som da banda de Maneco Liberato. Na chegada à casa de Maria Murtinho, havia girândolas, foguetório e distribuição de bolo, café com leite e, no almoço, pratos como leitão, galinha, carne de bola, talharim e feijão empamonado.
Por fim, como bem escreveu um autor sob o pseudônimo de Solange, na revista A Violeta:
“Deus escolhera esse dia para derramar sobre a terra Brasileira a chuva benéfica que havia de lavar por completo a nódoa infamante da escravatura.”
A Lei Áurea libertou os corpos, mas a alma e a memória dos que sofreram e dos que resistiram ainda ecoam nos rituais e nas celebrações como as promovidas por Maria Murtinho. E em Cuiabá, a liberdade chegou no dia 6 de junho — tarde, mas viva, vibrante e, para sempre, inesquecível.
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