– Foto: George Campos/USP Imagens

Supermercados são principais fornecedores de alimentos ultraprocessados no País
A oferta de alimentos ultraprocessados acompanha diversas pesquisas que associam o excesso do consumo a riscos de doenças cardiovasculares, de declínio cognitivo, e até de morte precoce. Para enfrentar seu consumo excessivo, Marcos Anderson Lucas da Silva, doutorando na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, propôs um novo sistema de classificação de locais de aquisição de alimentos com base no Guia Alimentar para a População Brasileira (GAPB), denominado Locais-Nova, em artigo publicado na Revista do SUS. Os dados mostram que os supermercados são os distribuidores mais acessados no Brasil (68%), seguidos por pequenos mercados, feiras livres e padarias.
Embora também sejam fontes de alimentos saudáveis, a busca pelo supermercado como abastecedor único de alimentos pode levar a uma competição dos in natura ou minimamente processados diante da abundância de ultraprocessados, como refrigerantes, biscoitos, entre outros. “Pensamos os ambientes alimentares desses locais no Brasil como uma parte fundamental também da promoção da saúde para a alimentação porque é neles que adquirimos alimentos. Entendemos que a baixa disponibilidade de alimentos saudáveis nesses espaços também pode influenciar nossas escolhas“, afirma o pesquisador ao Jornal da USP.
O estudo do mapeamento de desertos alimentares (áreas em que alimentos saudáveis e frescos são limitados ou inexistentes) produzido pela Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (CAISAN) em 2018, apresentou a primeira classificação dos locais de aquisição de alimentos no Brasil. No entanto, o pesquisador percebeu fragilidades na nomenclatura de alguns espaços; em especial, nos supermercados, mercearias e pradarias, que foram classificados como “mistos” (onde há predominância de aquisição de preparações culinárias ou alimentos processados, ou onde não há predominância de aquisição de alimentos in natura/ minimamente processados, nem de alimentos ultraprocessados). Os estabelecimentos dessa categoria acabavam sendo pouco utilizados nos estudos de ambiente alimentar, por ser um grupo muito abrangente, mas não muito compreensível.

A necessidade de melhorar essa avaliação no País o motivou. Baseado nos dados de aquisição domiciliar de alimentos da Pesquisa de Orçamentos Familiares, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e no GAPB, ele definiu, então, três categorias para o Locais-Nova: fontes de aquisição de alimentos in natura ou minimamente processados e de ingredientes culinários; fontes de aquisição de processados; e fontes de aquisição de ultraprocessados. As informações analisadas referiram-se às aquisições de alimentos para consumo familiar por domicílio durante sete dias consecutivos.
“Os locais anteriormente classificados como “mistos” — mercados, mercearias e padarias– foram reclassificados como fontes de alimentos processados e ultraprocessados. Isso é um grande avanço” – Anderson Lucas da Silva
Baseada nas recomendações do Guia Alimentar Brasileiro, a nova classificação com três categorias ajuda a promover a saúde por meio da análise crítica, considerando as influências conforme a disponibilidade de alimentos. Esse modo de organizar pode auxiliar gestores municipais e agentes de saúde a desenvolver estratégias para melhorar o acesso a alimentos saudáveis em suas regiões, com o fortalecimento de locais de venda exclusivos de produtos in natura, como as feiras livres de rua ou açougues.
Diferenças e semelhanças regionais
Em todas as regiões, as fontes de alimentos in natura ou minimamente processados e de ingredientes culinários foram: supermercados, hortifrutigranjeiros, açougues, ambulantes de alimentos, restaurantes e peixarias. Apesar disso, as particularidades econômicas e culturais de cada região influenciam nas dinâmicas de acesso aos alimentos. “As regiões Norte e Nordeste têm um maior consumo de alimentos in natura ou minimamente processados que as regiões Sul e Sudeste. Por exemplo, o Norte tem a maior diversidade de alimentos, e alguns que participam mais da dieta como o açaí e a farinha”, detalha Silva.
Essas características particulares podem ter relação com o poder aquisitivo, conforme o pesquisador: “Observamos que quanto maior a renda, maior a aquisição de ultraprocessados. A região Sul, Sudeste, que são regiões de alta renda, acabam também adquirindo mais ultraprocessados e um padrão menor de aquisição de alimentos saudáveis”, continua. As diferenças também são percebidas nas diversas fontes de alimentos processados de cada região.
No Sul, havia menos fontes desse grupo de alimentos processados; representadas por padarias e confeitarias e varejista de laticínios e frios. No Norte, havia bastante dessas mesmas fontes. No Nordeste, além dessas destacadas no Norte e Sul, também foram incluídas as cantinas. No Sudeste, além das anteriormente citadas, destacam-se ambulantes de alimentos, bares e lojas de conveniência. No Centro-Oeste, foram apenas padarias e confeitarias, ambulantes de alimentos, lojas de conveniência e varejistas de laticínios e frios.

Comércios locais de feiras livres são ambientes com mais alimentos in natura – Foto: Marcos Santos – USP Imagens
Em todas as regiões, supermercados, minimercados e mercearias, padarias e confeitarias, lanchonetes, bares, lojas de conveniência, bombonieres, vendas de alimentos congelados e prontos para consumo foram fontes de ultraprocessados. No Norte e no Centro-Oeste, varejistas de laticínios e frios também foram incluídos nessa categoria. O único dado padrão para todas as regiões é de que os supermercados são os locais de aquisição de alimentos mais acessados no País. Dentro desses, os alimentos são frequentemente promovidos por meio de propaganda agressiva e promoções atraentes, conforme Silva, o que pode prejudicar escolhas alimentares mais saudáveis.
Ambiente alimentar
Apesar do apontamento sobre o ambiente alimentar de supermercados, locais indicados positivamente no artigo, como as feiras livres, enfrentam embates históricos com esses compradores atacadistas em relação ao preço como estratégias de promoções em dias específicos das vendas ao ar livre. “As feiras são importantes por oferecer alimentos sazonais e regionais, além de serem espaços culturais. É necessário aumentar a disponibilidade e acessibilidade, especialmente em áreas periféricas, e oferecer horários alternativos. O poder público pode atuar nesse sentido”, continua Anderson Lucas Silva.
Nessa perspectiva, a atuação do Estado é reforçada como necessária para redução também dos preços nesses ambientes alimentares mais favoráveis. Silva destaca a proposta da nova cesta básica, por incluir uma variedade de alimentos com tarifa zero. O Plano Safra também é ressaltado por oferecer recursos e descontos para os produtores, especialmente aqueles que produzem alimentos regionais e da biodiversidade, o que pode reduzir os preços para a população em geral. “Esse estudo permite identificar áreas que precisam de intervenções específicas para melhorar o acesso a alimentos saudáveis”, afirma Maria Laura Louzada ao Jornal da USP, orientadora da pesquisa e professora na FSP.
“Antigamente, tínhamos um discurso individualizante de que nos alimentamos com base em nossas escolhas. Sabemos que isso não é totalmente verdade. O ambiente e as escolhas ao nosso redor têm um grande impacto” – Maria Laura Louzada.
Esse estudo, segundo ela, é também um caminho para a transformação das lógicas de abastecimento. “Tem uma série de políticas públicas que são baseadas em alimentação e em objetivos de transformar o abastecimento alimentar”, continua. A nova cesta básica é um exemplo, para ela, do impacto de pesquisas como essa com objetivo de transformar o abastecimento alimentar. Baseada no Guia Alimentar para a População Brasileira do Ministério da Saúde, esse mesmo é um exemplo do esforço acadêmico para impactar políticas amplas de acesso à alimentação, baseado em diversas pesquisas, revisões sistemáticas e uma revisão narrativa.

Das pesquisas às políticas
A versão mais recente do guia foi elaborada em parceria com o Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) da USP, com o apoio da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/Brasil). O impacto dessas pesquisas pode ser visto em algumas políticas públicas de alimentação popular, como nas cozinhas solidárias do Estado. Nessas, só são permitidos itens da nova cesta desde a sua adoção, conforme destaca. ”Agora a gestão municipal é a principal responsável para desempenhar um papel fundamental de subsidiar feiras e promover a alimentação saudável”, diz.
Segundo a professora, para que o poder público valorize locais que oferecem alimentos exclusivamente saudáveis, como feiras, é necessário esse prévio diagnóstico dos locais de aquisição da população. “Identificar em que grau as diferentes pessoas brasileiras estão expostas a comida ‘boa’ e comida ‘ruim’ foi o principal”, destaca. A partir disso, políticas mais ambiciosas podem ser cogitadas em compromisso com a saúde pública, como um sistema de abastecimento alimentício popular, assim como ocorre com o programa farmácia popular – subsídio público que oferece preço acessível em remédios para doenças crônicas, mas voltado para alimentação com foco nos saudáveis.
O artigo Sistema de classificação dos locais de aquisição de alimentos com base no Guia Alimentar para a População Brasileira: Locais-Nova pode ser acessado clicando aqui.
*Via Jornal da Usp
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