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geral Quarta-feira, 07 de Maio de 2025, 18:21 - A | A

Quarta-feira, 07 de Maio de 2025, 18h:21 - A | A

APOIADORES E DETRATORES

As divisões nos bastidores do Vaticano que podem ditar rumo do conclave

Redação

  

Imagem: Reprodução / X / @VaticanNews

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A Casa Santa Marta tem 128 quartos. No dia 7 de maio, ela foi ocupada pelos cardeais que participam do conclave para eleger o próximo papa.

 

Mas um dos quartos da hospedaria do Vaticano segue lacrado com uma fita vermelha, desde que seu último morador – o papa Francisco – morreu ali, na segunda-feira após a Páscoa.

 

Aquela suíte só será reaberta quando o novo papa for escolhido.

 

A fita permanece como um lembrete tangível do homem que os cardeais estão tentando substituir. Mas a presença do papa Francisco emerge imponente neste conclave de formas muito mais profundas.

 

Ele passou 12 anos no cargo e nomeou cerca de 80% dos cardeais que irão eleger seu sucessor. 

 

Francisco também procurou alterar radicalmente o funcionamento da Igreja Católica, afastando seu centro de gravidade da hierarquia do Vaticano, em direção às bases de fiéis espalhadas pelo mundo. Ele se concentrou nos pobres e nos marginalizados.

 

Minhas conversas com os cardeais e as pessoas que avaliam as necessidades da Igreja Católica nos dias que antecederam esta eleição papal quase sempre terminavam observando o que é preciso fazer, segundo a óptica das ações tomadas por Francisco durante seu pontificado.

 

Nos últimos dias, parece ter havido uma integração crescente em torno da ideia de que o trabalho do papa Francisco precisa ter continuidade. Mas alguns dos seus críticos estão longe de se convencerem disso.

 

Será que pode haver opositores em quantidade suficiente para influenciar a votação, à medida que a Igreja tenta reconciliar as diferentes visões e realidades que ela enfrenta pelo mundo?

 

O conclave mais diversificado da história

 

Reprodução Vatican News

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Durante as duas semanas que se seguiram à morte do papa Francisco, os cardeais se reuniram no Vaticano quase que diariamente. Estas reuniões pré-conclave são conhecidas como congregações gerais.

 

O conclave na Capela Sistina é restrito aos cardeais que não tenham atingido 80 anos de idade (neste, são 133 participantes). Mas as reuniões preliminares são abertas para todos os 252 cardeais.

 

Cada um dos participantes recebe cinco minutos para divulgar suas ideias, mas sabemos que alguns deles levaram mais tempo para isso.

 

Foi durante uma destas reuniões realizadas antes do último conclave, em 2013, que o então cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio impressionou os demais participantes, em um discurso que durou menos de quatro minutos.

 

Bergoglio falou sobre a necessidade de conexão com as pessoas nos cantos mais distantes do mundo católico.

 

E, durante o conclave, ele seria eleito o novo pontífice – o papa Francisco. 

 

Durante seu pontificado, Francisco tomou a decisão consciente de nomear cardeais desses lugares distantes. Por isso, temos hoje o conclave mais diversificado da história.

 

Pela primeira vez, há no conclave representantes de Cabo Verde, Haiti, Sudão do Sul, Tonga, Mianmar, Papua-Nova Guiné e Ruanda.

 

Esta diversidade já deixou sua marca. Conta-se que as reuniões pré-conclave colocaram em evidência as diferentes necessidades que a Igreja Católica parece enfrentar em cada lugar do mundo.

 

Na Europa, por exemplo, uma consideração importante para algumas pessoas pode ser encontrar formas de revigorar e aumentar a relevância da missão da Igreja Católica, frente à redução das congregações locais.

 

Já em outros continentes, como a África e a Ásia, as preocupações podem girar em torno de questões sociais, pobreza e resolução de conflitos.

 

O candidato a papa, provavelmente, é aquele que tenha pelo menos demonstrado reconhecimento destas realidades regionais muito diferentes.

 

Líder espiritual, chefe de Estado e influenciador global

 

Os títulos oficiais a serem herdados pelo novo papa dão uma ideia da amplitude do seu cargo: Bispo de Roma, Vigário de Jesus Cristo, Sucessor do Príncipe dos Apóstolos, Supremo Pontífice da Igreja Universal e Soberano do Estado do Vaticano são alguns deles.

 

Alguns destes títulos são profundamente espirituais, mas o último mencionado indica que também é preciso ser um chefe de Estado. Afinal, o papa é o líder de um país, mesmo que seja o menor do mundo. 

 

Ao contrário de um Estado comum, a agenda do Vaticano é definida, até certo ponto, pela pauta enfatizada pelo papa no poder naquele momento", explica o Embaixador britânico na Santa Sé, Chris Trott. "Aparentemente, é um Estado minúsculo, [mas] sua força é muitas, muitas vezes maior do que o seu tamanho."

 

"E o papa Francisco tinha 50 milhões de seguidores no Twitter, de forma que [este é] um Estado muito, muito pequeno, mas um incrível influenciador global."

 

Francisco decidiu amplificar esta parte do seu cargo. Ele se tornou um poderoso porta-voz global dos marginalizados, incluindo os pobres e as vítimas da guerra.

 

O papa também tentou desempenhar o papel de pacificador, mas nem todos acreditam que ele tenha sido bem sucedido neste particular, principalmente em relação à China e à Rússia. 

 

O cardeal Vincent Nichols é a principal figura católica da Inglaterra e do País de Gales. Para ele, esta expansão do cargo é uma das razões que levam muitas pessoas a se interessarem pelo resultado do conclave, mesmo fora da fé católica.

 

"Existe a sensação de que o papa, na pessoa do papa Francisco, se tornou uma figura que se dirigia a todas as pessoas do mundo", explica ele. "Pessoas religiosas e mesmo aquelas que não têm afiliação religiosa."

 

"Estou cada vez mais consciente de que não apenas os católicos estão interessados nisso."

 

Confusões sobre a visão do papa Francisco

 

Para muitos cardeais eleitores, as questões internas da Igreja Católica são as mais importantes.

 

Isso nos faz perguntar qual tipo de papa eles desejam como administrador — alguém que dirija o corpo administrativo da Igreja e seus departamentos.

 

O papa Francisco trabalhou para melhorar a forma em que a Igreja Católica lida com as enormes questões de abusos sexuais e corrupção financeira. Seu sucessor é quem precisará garantir que estas reformas sejam aplicadas igualmente em todo o mundo católico.

 

Os próprios apoiadores dos esforços do papa Francisco para mudar o relacionamento entre a Igreja e sua base de fiéis e para construir pontes com os não católicos, às vezes, não sabiam ao certo qual a forma exata em que ele imaginava que tudo deveria funcionar. 

 

O papa Francisco mudou o tom sobre questões sociais com seus comentários. Ele falou abertamente sobre diversos temas, desde as mudanças climáticas até a transparência financeira do Vaticano.

 

Mas, durante seu pontificado, algumas pessoas não tinham certeza sobre o que ele queria dizer ou como aqueles pontos seriam implementados.

 

Uma de suas missões foi retirar parte do poder e da tomada de decisões da hierarquia do Vaticano e colocá-la nas mãos da base de fiéis católicos.

 

Por cerca de quatro anos e com grandes esforços, ele encomendou o que foi, na verdade, uma pesquisa entre uma grande quantidade de católicos do mundo para descobrir o que era importante para eles.

 

Leigos foram convidados a participar da mais recente conferência de bispos, que discutiu os resultados da pesquisa. 

 

As maiores questões levantadas se referiam à maior participação das mulheres na gestão da Igreja e à abertura para os católicos da comunidade LGBTQIA+.

 

Mas a reunião terminou com uma certa confusão. Poucas medidas tangíveis foram tomadas e não ficou muito claro como os leigos irão ajudar a direcionar o futuro da Igreja Católica.

 

Por isso, existe um desejo geral de maior clareza, por parte do novo papa.

 

Reprodução Vatican News

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Apoiadores e detratores: uma divisão desagradável

 

Ao longo do pontificado, alguns tradicionalistas atuantes manifestaram sua oposição contra o que consideravam afastamento dos ensinamentos e da longa tradição da Igreja Católica por parte do papa Francisco.

 

Durante as reuniões de cardeais antes do conclave, diversos deles com mais de 80 anos de idade (que não participam da votação devido à idade) aproveitaram a oportunidade para deixar sua participação.

 

A maioria das contribuições permaneceu em sigilo. Mas uma que veio a público foi a do cardeal italiano Beniamino Stella, de 83 anos. Ele criticou o papa Francisco por "impor suas próprias ideias", tentando afastar do clero a administração da Igreja.

 

Ainda assim, durante a homilia do funeral de Francisco, o que pareceu ressoar com o público presente, a julgar pelo volume dos aplausos, foi a menção aos temas defendidos pelo papa: a dignidade dos migrantes, o fim das guerras e o meio ambiente.

 

Estes aplausos teriam sido ouvidos, em alto e bom som, também vindo das fileiras ocupadas pelos cardeais.

 

Em certo sentido, o papa Francisco realmente mostrou clareza ao se concentrar em fazer a Igreja Católica relevante para as pessoas no seu dia dia e, por fim, nas suas dificuldades. E ele também falou claramente sobre a conexão da Igreja com o mundo fora da sua fé.

 

"Existe a sensação de que, na voz do papa, existe a voz de algo que é necessário", afirma o cardeal Nichols.

 

"Para algumas pessoas, ela é uma bússola moral. Para outras, é a sensação de aceitação. Para outras, é a insistência de que precisamos observar as coisas do ponto de vista dos mais pobres. É uma voz que ficou em silêncio e nossa tarefa é encontrar alguém que possa levá-la adiante." 

 

Entre a morte do papa e a chegada dos cardeais à Casa Santa Marta para superlotar suas acomodações, parece ter surgido uma tendência favorável à continuidade das conquistas de Francisco.

 

Talvez esta visão de continuidade possa atrair alguns dos céticos, de forma pragmática.

 

A palavra "unidade" foi muito mencionada nos últimos dias, depois de um período em que a divisão entre os apoiadores e os detratores de Francisco e sua visão da Igreja, às vezes, atingia níveis desagradáveis.

 

Mas, no final, dentro da Capela Sistina – a mais sagrada das câmaras eleitorais –, mesmo com todo o pragmatismo que pode ter sido considerado anteriormente, os cardeais serão impelidos a deixar que Deus e o Espírito Santo os orientem, na hora de depositar seus votos. 

 

*Via Aleem Maqbool Role, editor de religião, BBC News

 

 

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