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Christopher Garman avalia que cresce a probabilidade de evento como a invasão do Capitólio no país. E acredita que eventual governo Lula deve ser de 'lua de mel' curta e baixas taxas de aprovação
O risco de ruptura democrática no Brasil está sendo exagerado, mas cresce a probabilidade de um evento como a invasão do Capitólio no país, avalia Christopher Garman, diretor executivo para as Américas da Eurasia, uma das principais consultorias de avaliação de riscos políticos do mundo.
A invasão do Capitólio aconteceu em 6 de janeiro de 2021, quando partidários do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, entraram à força no Congresso americano. Eles protestavam contra o resultado da eleição presidencial que deu a vitória ao democrata Joe Biden, a partir de falsas alegações de Trump de que teriam acontecido fraudes no processo de votação.
Garman, porém, observa com preocupação o que considera uma dispersão sem precedentes nas pesquisas eleitorais, com pesquisas como Datafolha mostrando Lula à frente com 23 pontos de vantagem num eventual segundo turno, enquanto pesquisa Modalmais dá apenas 7 pontos.
Como é esperado que Lula perca parte de sua vantagem com o início oficial da campanha eleitoral, o diretor da Eurasia avalia que isso pode resultar em algumas pesquisas mostrando Bolsonaro empatado ou até ligeiramente à frente nas intenções de voto para o segundo turno.
"A diferença entre algumas pesquisas e o resultado nas urnas pode validar a visão da base bolsonarista de que houve fraude. E então pode haver eventos como greve de caminhoneiros, algo como o 6 de janeiro americano e manifestações, mas que tendem a se dissipar", afirma.
"Não é um risco ao resultado das urnas, mas uma preocupação ao longo do tempo, porque nunca é saudável, em qualquer democracia, ter 25% da população achando que a eleição foi roubada. Estamos vendo isso nos Estados Unidos."
Garman destaca ainda que um eventual governo Lula deve ter "lua de mel" curta e baixas taxas de aprovação, a exemplo do que vem acontecendo em outros países da América Latina, como Chile, Peru e Colômbia.
"Veja o caso de Gabriel Boric, no Chile. Ele foi eleito recentemente e a taxa de aprovação dele está menor do que a do Bolsonaro agora", observa Garman.
Para o cientista político, isso significa que a atual "onda rosa" da América do Sul, com uma guinada à esquerda nos resultados de várias das eleições recentes, pode ter vida curta.
"No fundo, essa guinada à esquerda não é um desejo da população a favor da esquerda. É desejo de mudança", afirma.
"A direita e a centro-direita estavam mais no poder nesse ciclo eleitoral. Agora, a esquerda chegando ao poder, vai sofrer com os mesmos fatores que levaram à queda dos governos de direita e centro-direita. É um ambiente muito difícil de governabilidade, isso é estrutural."
Confira abaixo os principais trechos da entrevista.
BBC News Brasil - Na sua análise mais recente sobre as eleições brasileiras, o senhor reduziu a chance de vitória do ex-presidente Lula de 70% para 65% e elevou as chances de Bolsonaro a 30%. Por que o senhor avalia que Bolsonaro chega mais forte às eleições?
Cristopher Garman - Foi um acúmulo de fatores. Cada um deles, individualmente, nós não achávamos que eram suficientes para mudar nossas probabilidades.
Por exemplo, a "PEC das Bondades" [pacote aprovado pelo Congresso que inclui aumento do Auxílio Brasil, do Auxílio Gás e um voucher para caminhoneiros, entre outras medidas], olhando o tempo que demora entre criar um novo benefício e ele ter impacto na taxa de aprovação do presidente — o que demora uns 100 dias, olhando 2020 ou 2021 como referência —, nós achávamos que isso, por si só, não mudava as probabilidades.
Também não achávamos que um cenário econômico que está sendo revisado para cima, para melhor, repetidamente ao longo dos últimos quatro meses era suficiente. Tampouco o respiro na inflação com a redução de preços da gasolina, por si só, era suficiente.
Mas chegamos à conclusão de que é o acúmulo desses três fatores: uma economia performando melhor, com retomada do mercado de trabalho; um alívio da inflação nesse próximo mês com as medidas do governo; e também a PEC das Bondades.
Isso tudo sugere que o presidente tende a entrar nessa disputa um pouco mais forte. Já estamos vendo isso nas taxas de aprovação de Bolsonaro, que estão subindo um pouquinho olhando a média de todas as pesquisas, com a taxa de aprovação chegando a 37%, 38%.
As intenções de voto não estão mudando tanto, mas isso é um indicador prévio de que ele entra mais forte na campanha. É um ajuste modesto, a estrutura da campanha não muda, ainda achamos que Bolsonaro tem um déficit no grande tema dessa eleição, que é a economia.
Mas devemos entrar num ciclo em que muitos analistas e também o mercado financeiro vão superestimar as chances do Bolsonaro nessa disputa.
BBC News Brasil - A imprensa reportou nesta semana que alguns aliados de Bolsonaro viram a reunião dele com diplomatas para atacar o sistema eleitoral brasileiro como um "tiro no pé" no momento em que ele deveria colher os frutos da ampliação dos benefícios sociais. Esse episódio muda em algo sua percepção de que Bolsonaro chega à corrida fortalecido?
Garman - Não muda nada, isso é ruído.
É claro que essa reunião não ajuda em nada a imagem brasileira no exterior. E é um sinal de que podemos ter um ruído pós eleição ou entre o primeiro e o segundo turno. Mas temos que lembrar que vivemos num ambiente de opinião pública de grande desconfiança contra o chamado "sistema".
A credibilidade do Judiciário, do Congresso, das lideranças políticas, da mídia está em baixa. Pelas mensurações, o grau de confiança é baixo no Brasil. Então, bater no voto eletrônico, perante a opinião pública, não é um tema que realmente gera um desagrado muito grande.
A grande preocupação da massa de eleitores, que vai decidir a eleição, é a economia. E se a economia está um pouco mais forte, isso acaba falando mais alto.
BBC News Brasil - Chama a atenção que, no modelo de predição de chances de reeleição da Ipsos, utilizado pela Eurasia, com uma aprovação de 35%, a chance de vitória do incumbente é de 36%. Mas com uma aprovação de 40%, essa chance de vitória salta para 58%. Você vê chance de a aprovação de Bolsonaro furar o teto dos 40% e ter essa virada na probabilidade dele de vitória?
Garman - A média de aprovação de Bolsonaro está hoje em 37%, 38%. Então, se você pegar esse modelo de chance de reeleição, que é um banco de dados compilado pela Ipsos Public Affairs, de 30 anos e que leva em conta mais de 300 eleições mundo afora, o Bolsonaro deveria ter chances de se eleger um pouco acima de 40%.
Eu acredito que essa aprovação dele vai subir mais nesse próximo mês com as medidas adotadas pelo governo.
Mas é preciso fazer duas ressalvas importantes. A primeira é que esse modelo pega a taxa de aprovação antes da campanha, não durante a campanha. Então não é um modelo que, a cada aumento de aprovação do governo até o até o dia da eleição, a probabilidade [de reeleição] dele aumenta. Em tese, você deveria pegar a taxa de aprovação hoje e fechar a lojinha.
O ponto número dois é que não utilizamos esse modelo de forma isolada. Pegamos modelos de previsão eleitorais distintos para chegar a uma probabilidade mais consolidada.
Então, se esse modelo daria uma chance de o presidente se reeleger de 40 e poucos por cento, outro modelo diz que o candidato mais forte no principal tema da campanha ganha em 85% dos casos. O grande tema dessa eleição é economia e nos parece que o presidente está fraco nesse tema.
Vou dar um exemplo: eleição americana. Donald Trump estava com uma taxa de aprovação de 42% e perdeu por 5 pontos percentuais contra Biden. Porque o grande tema da eleição era a covid-19 e Trump ia mal no principal tema. Então é preciso considerar a mescla dos dois modelos para chegar a um número [de probabilidade de reeleição].
BBC News Brasil - Quais são os desafios para as principais candidaturas?
Garman - Acredito que o Planalto está agindo corretamente, está focando no tema da economia, quase exclusivamente. Não está focando no tema da corrupção como um diferencial com Lula — embora seja claro que vai fazer isso ao longo da campanha, mas eles sabem que a preocupação com corrupção é muito menor hoje do que era há quatro anos atrás
Então o presidente está fazendo o que pode, mas nossa avaliação é que há um buraco grande, difícil de superar. Até porque, se a situação econômica deteriora ao longo dos últimos três anos, uma melhora na reta final da campanha dificilmente vira o jogo.
Então o desafio do Bolsonaro é fazer um marketing dessas melhoras e ter uma campanha negativa bem-sucedida contra o ex-presidente Lula.
Ele deve tentar minar a credibilidade do Lula no tema econômico, usando a questão da corrupção. Tentar associar que os escândalos de corrupção estão ligados ao desastre econômico no Brasil e por isso não se pode confiar em Lula para manejar a economia num momento difícil.
Então a combinação de vender o peixe do que o governo entregou na economia de um lado, e tentar desmontar o Lula do outro, esse é o desafio do Bolsonaro.
BBC News Brasil - E quanto ao desafio de Lula?
Garman - O desafio do Lula será explorar a vantagem que ele tem na economia. Eu brinco que quem vai copiar o Trump nessa eleição não é o Bolsonaro, é o Lula. A mensagem central da campanha é "Make Brasil great again" ["Vamos tornar o Brasil grande de novo", uma referência ao slogan da campanha de Trump em 2016, "Make America great again"].
Então ele vai dizer ao eleitor, "quando eu era presidente, você podia ir ao mercado comprar picanha, agora você só consegue comprar ovo". Vai lembrar que as condições de vida eram melhores lá atrás.
O mote da campanha de Lula vai ser aprofundar essa mensagem e tentar reduzir os danos com relação à corrupção, porque essa é uma vulnerabilidade pela qual ele vai ser atacado.
Por isso, a "gordura" que o Lula tem [nas intenções de voto], deve diminuir um pouco na campanha. A gente está esperando isso. Então ele deve usar um discurso de "união nacional" para tentar reduzir esse flanco e martelar no tema da economia.
O Bolsonaro talvez tente deslocar o tema central da campanha da economia para a pauta de costumes, corrupção e segurança, que é um território mais favorável para ele. Então parte da campanha será definir qual vai ser o debate central. Mas, olhando hoje, as vulnerabilidades do Bolsonaro são bem maiores do que as do Lula, na nossa visão.
Se errarmos, é porque estamos subestimando o ganho relativo econômico esse ano e as vulnerabilidades do Lula em termos da sua imagem eleitoral.
BBC News Brasil - Para a terceira via, quais são os desafios e por que ela não conseguiu se consolidar?
Garman - Sempre argumentamos que a grande maioria dos analistas estava colocando mal a pergunta sobre a terceira via. A terceira via não dependia da união em torno de um nome ou de um nome específico. O que a terceira via não tinha é espaço.
Construímos um banco de dados de 226 eleições, com sistemas de dois turnos e onde o Executivo concorre à reeleição. Consideramos eleições na Europa, América Latina, África, Ásia e também eleições estaduais e municipais no Brasil. E vimos que em só 7% dos casos um governante concorrendo à reeleição não chega no segundo turno.
Também vimos que, entre governantes que têm uma taxa de aprovação acima de 30%, é muito difícil não chegar. Quando tem um governante com taxa de aprovação ótimo/boa abaixo de 20%, aí corre grande risco. Em metade dos casos, esse governante não chega no segundo turno.
Então, no fundo, a grande variável para a terceira via não era o nome, era o grau de fragilidade do Bolsonaro. Na medida em que a aprovação do Bolsonaro foi subindo ao longo desse ano, fomos reduzindo a chance da terceira via chegar no segundo turno.
Iniciamos o ano com probabilidade de 20% de um candidato da terceira via chegar [ao segundo turno]. Mas essa probabilidade foi reduzida para 5%, à medida que a aprovação do presidente foi subindo.
Porque o Lula tem vaga quase garantida, dado os 30% de [eleitores que se dizem] petistas nessa eleição. Então a terceira via só teria chance se o Bolsonaro se enfraquecesse mais e o oposto ocorreu. Então se é [Simone] Tebet, Eduardo Leite, não importa.
BBC News Brasil - Por que o senhor avalia que a chance de uma ruptura democrática no Brasil segue baixa, mesmo após a reunião de Bolsonaro com os diplomatas e a escalada retórica dele em termos de ameaças à democracia?
Garman - Geralmente rupturas democráticas acontecem em dois contextos. Em sistemas políticos que têm uma centralização de poderes na mão do Executivo maior. E também em contextos em que o Executivo e a liderança estão mais fortes.
Creio que nenhuma dessas condições estão dadas no Brasil. O país tem um sistema político capilarizado, com múltiplos pontos de veto. Se você comparar com outros sistemas democráticos em mercados emergentes, é um sistema político que tem o poder do Executivo muito restrito.
O Congresso é independente e difícil de construir maioria. O Judiciário e o Ministério Público são independentes. Tem uma mídia muito atuante, um sistema federativo muito descentralizado.
No fundo, todo esse ruído é porque o presidente tem grandes restrições para sua atuação. E ele foi eleito numa plataforma contra vários desses atores, devido ao grau de desconfiança crônica que eles têm perante a opinião pública. O presidente atua nessa desconfiança. Então eu vejo o tensionamento atual até como um sinal de robustez institucional.
BBC News Brasil - E quanto a um eventual apoio dos militares?
Garman - Olhando especificamente para os militares, acredito que existem sim generais, principalmente os palacianos, que compraram as dores do presidente, acreditando que os tribunais não estão agindo de forma imparcial.
Mas isso não quer dizer que eles vão querer desrespeitar o resultado das urnas, sem evidência clara de fraude. Acredito que os militares vão estar muito reticentes de tomar uma posição que pode enfraquecer a instituição. O desejo de preservação da instituição vai falar mais alto. E toda a classe política também tende a dar apoio ao novo presidente que for eleito.
Acredito ser muito difícil ter uma ruptura. Esse risco está sendo exagerado. O que nos preocupa é um evento como o 6 de janeiro [data da invasão do Capitólio por seguidores de Donald Trump inconformados com a derrota do ex-presidente americano por Biden].
BBC News Brasil - O senhor também tem expressado uma preocupação com as pesquisas eleitorais recentes. Por quê?
Garman - Nos preocupa que as pesquisas de opinião mostram um grau de dispersão inédito. O Datafolha, por exemplo, mostra Lula à frente com 23 pontos de vantagem [no cenário de segundo turno], enquanto a Modalmais dá apenas 7 pontos.
Se hoje a média das pesquisas dá a Lula uma vantagem de 15 pontos sobre Bolsonaro no segundo turno, e isso mais à frente cai a 7 ou 8 pontos, o que nos parece razoável, você pode ter pesquisas mostrando Bolsonaro empatado ou até ligeiramente à frente.
A diferença entre algumas pesquisas e o resultado nas urnas pode validar a visão da base bolsonarista de que houve fraude. Então pode haver eventos como greve de caminhoneiros, algo como o 6 de janeiro americano e manifestações, mas que tendem a se dissipar.
Não é um risco ao resultado das urnas, mas uma preocupação ao longo do tempo, porque nunca é saudável, em qualquer democracia, ter 25% da população achando que a eleição foi roubada. Estamos vendo isso nos Estados Unidos. Isso gera efeitos políticos lá na frente.
BBC News Brasil - Quais são os efeitos de ter uma parcela da população descrente do resultado das eleições?
Garman - Deixa a oposição mais virulenta. E a polarização da opinião pública tende a contaminar o Congresso. Vai ter alas bolsonaristas em vários partidos que não vão querer trabalhar com um governo Lula, então a capacidade de o Centrão entregar votos é menor.
Não acho que a democracia está em risco, mas quando você tem atores mais distantes, tem menos capacidade de diálogo e condições de governabilidade mais difíceis.
Isso é um fenômeno que estamos vendo na América Latina inteira. Essa desconfiança crônica não está só no Brasil, está no Chile, no Peru, na Colômbia. É um ambiente de "lua de mel" curta e taxas de aprovação mais baixas.
Veja o caso de Gabriel Boric, no Chile. Ele foi eleito recentemente e a taxa de aprovação dele está menor do que a do Bolsonaro agora.
BBC News Brasil - Isso pode significar que essa "onda rosa" da América do Sul, essa guinada à esquerda em diversos países, pode ter vida curta?
Garman - Sim. Acredito que estamos num ambiente onde a capacidade de um governante ir bem perante a opinião pública é estruturalmente baixa. No fundo, essa guinada à esquerda não é um desejo da população a favor da esquerda. É desejo de mudança.
A direita e a centro-direita estavam mais no poder nesse ciclo eleitoral. Agora, a esquerda chegando ao poder, vai sofrer com os mesmos fatores que levaram à queda dos governos de direita e centro-direita. É um ambiente muito difícil de governabilidade, isso é estrutural.
Já víamos isso antes da pandemia. Taxas de aprovação menores, desejo de mudança, desconfiança crônica. A pandemia, com o choque inflacionário, exacerbou essa revolta.
Muitos analistas dizem que a eleição de 2018 foi atípica e que os eleitores estão agora se voltando dos outsiders para candidatos com mais experiência. Mas esse diagnóstico não podia estar mais errado.
Todos os fatores de desconfiança que levaram à eleição do Bolsonaro foram aprofundados. O que nós temos são duas candidaturas com credenciais contra o establishment. Bolsonaro de um lado, e Lula dizendo que foi colocado na prisão por causa dos ricos e poderosos.
Então veja que a questão não é outsider ou insider, mas candidaturas com credenciais contra o establishment. O desejo contra o establishment só se aprofundou, não amenizou. 2018 é o novo normal, não é um ponto fora da curva.
BBC News Brasil - Por fim, como o senhor vê as chances de um ataque violento contra Lula ou Bolsonaro e o que isso poderia representar para a corrida eleitoral?
Garman - É muito difícil colocar probabilidades para isso, é um tipo de evento de risco de cauda [com probabilidade muito baixa de acontecer]. Mas quase aconteceu com Bolsonaro quatro anos atrás, então eu diria que esse risco está presente.
Se um desastre acontecer para qualquer um dos lados, a tendência é de reforçar a candidatura que substituir qualquer um dos dois. Então o jogo pode mudar mais se o Bolsonaro sofrer um atentado, porque ele está atrás.
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