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Exercício, alimentação equilibrada e meditação são maneiras de manter a saúde e não 'estilhaçar' o coração
Entre os médicos, não há dúvidas de que eventos muito estressantes — como eleições presidenciais polarizadas — representam um fator de risco a mais para o coração e podem aumentar os casos de infarto e acidente vascular cerebral (AVC).
Pesquisas publicadas nos últimos anos mostram como o estresse impacta diretamente o sistema cardiovascular — e como votações recentes aumentaram a frequência de queixas no peito e buscas pelo pronto-socorro.
A boa notícia é que dá para prevenir muitos desses casos: cardiologistas ouvidos pela BBC News Brasil contam que gerenciar o estresse, dormir bem, fazer atividade física, evitar exageros e ficar atento aos sinais de algo mais sério são alguns fatores que podem evitar um estrago maior.
Só em 2020, 357 mil brasileiros morreram em decorrência de doenças circulatórias. Essa é a maior causa de óbitos no país.
Prepare o seu coração
A médica Roberta Saretta, gerente do Centro de Cardiologia do Hospital Sírio-Libanês, na capital paulista, explica que uma das principais dificuldades em lidar com o estresse se deve ao fato de que não é possível medir objetivamente esse fator de risco.
"O estresse não é como a pressão arterial, o colesterol ou o tabagismo, que a gente consegue mensurar por meio de exames", compara.
"Mas é inegável que algumas pessoas vão ter um impacto cardiovascular dessa sobrecarga emocional relacionada a um momento tão complexo como esse que vivemos", diz.
A seguir, três cardiologistas consultados pela BBC News Brasil destacam cinco atitudes que podem fazer a diferença para o coração antes, durante e após as eleições.
1. Gerencie o estresse
"Antes de tudo, é preciso diferenciar as coisas sobre as quais temos controle e aquelas em que não dá para fazer algo. A partir daí, podemos focar naquilo que é possível modificar", diferencia o cardiologista Álvaro Avezum, diretor do Centro Internacional de Pesquisa do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo.
O médico conta que existem muitas formas de gerenciar o estresse, a começar por práticas como a meditação e a atenção plena. A meta delas é focar no presente, no aqui e no agora, e deixar de remoer problemas do passado ou do futuro.
"Temos evidências de que indivíduos que meditam liberam menos adrenalina, apresentam uma pressão arterial e uma frequência cardíaca mais baixas e lidam melhor com o estresse do dia a dia", enumera.
Estabelecer momentos para ver notícias ou entrar em redes sociais também pode ajudar bastante.
"Precisamos nos desligar um pouco. Ficar o tempo todo conectado, ainda mais em momentos de disputa tão acirrada, vai trazer danos à saúde", alerta Piscopo.
Em casos mais graves, quando o estresse já passou de todos os limites, pode ser necessário partir para tratamentos específicos, como a psicoterapia ou o uso de remédios que aliviam a carga emocional prescritos por um psiquiatra.
2. Durma bem
O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos aponta que noites de sono de má qualidade estão relacionadas a problemas como pressão alta, diabetes tipo 2 e obesidade — fatores que, por sua vez, afetam diretamente o coração.
No curto prazo, dormir mal também eleva o cansaço e a irritabilidade. Pode reparar: se você não descansa as horas necessárias na noite anterior, o dia não rende e tende a ser pouco proveitoso.
"Dormir bem nesses próximos dias é uma maneira de encontrar equilíbrio", constata Saretta.
Mas o que isso significa na prática? Aqui, é preciso pensar na quantidade e na qualidade.
No geral, adultos precisam de ao menos 7 horas de sono todos os dias. Esse período na cama é fundamental para organizar as memórias e os aprendizados, descansar e regular o metabolismo no corpo.
Sobre a qualidade, as recomendações dos especialistas envolvem sempre tentar adormecer e despertar nos mesmos horários, diminuir as luzes ao anoitecer e evitar o contato com as telas da televisão e do celular nas duas horas que antecedem o descanso.
3. Faça atividade física
Assim como acontece com o sono, o exercício traz efeitos imediatos e, ao mesmo tempo, ganhos para a vida toda.
Logo após as sessões de treino, o corpo libera uma série de substâncias que trazem a sensação de prazer e bem-estar — o que é particularmente bem-vindo num momento de tanto estresse.
Já a atividade física regular é uma das principais atitudes para controlar aquela série de fatores de risco que prejudicam o coração, como a hipertensão, o diabetes, o colesterol alto e a obesidade.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que adultos de 18 a 64 anos "façam entre 150 e 300 minutos de exercícios aeróbicos de intensidade moderada ou 75 a 150 minutos de treinos mais vigorosos'' por semana.
Vale lembrar que exercícios aeróbicos, como correr e andar de bicicleta, são aqueles que trabalham grandes grupos musculares e levam ao aumento da respiração e da frequência cardíaca.
A entidade também chama a atenção para a realização de atividades de fortalecimento muscular, como os treinos feitos com aparelhos da academia.
4. Cuide dos exageros
Saretta aponta que, em períodos de alta tensão, é natural que passemos do ponto em vários aspectos.
"Quando as pessoas estão com os nervos à flor da pele, elas tendem a ficar mais compulsivas e exagerar na comida, na bebida alcoólica, no cigarro…", lista a cardiologista.
Isso, somado às noites maldormidas e ao sedentarismo, representa uma carga extra ao coração, que pode falhar e sofrer com os entupimentos que caracterizam o infarto.
Portanto, ficar atento a esses exageros é o primeiro passo para evitá-los em prol da saúde.
"E isso também envolve o nosso comportamento", acrescenta Saretta.
"Nesse contexto, é importante avaliar a situação e não entrar em embates desnecessários, onde há o risco de agressões verbais e físicas", sugere.
5. Fique atento aos sinais de algo mais sério
Por fim, é importantíssimo que todo mundo reconheça os sintomas típicos de infarto ou AVC e saiba o que fazer se apresentar algum deles ou vir alguém numa situação dessas.
Nesses casos, o socorro veloz marca, literalmente, a diferença entre a vida e a morte.
"Infelizmente, 50% das pessoas que sofrem um ataque cardíaco não chegam vivas ao hospital", lamenta o médico Agnaldo Piscopo, diretor do Centro de Treinamento em Emergências Cardiovasculares da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp).
"No infarto, é comum sentir uma dor no lado esquerdo do peito, que irradia para o braço, além de suor frio, náuseas, tontura e mal-estar", lista o cardiologista da Socesp.
"Outros pacientes apresentam dor na boca do estômago e nas costas, ou não conseguem caracterizar muito bem de onde vem aquela sensação", complementa.
Já no AVC, as manifestações mais corriqueiras são dor forte na cabeça, paralisia da face ou de uma parte do corpo e dificuldade para raciocinar ou completar frases.
"Em hipótese alguma o indivíduo deve se trancar no banheiro para tomar banho ou no quarto para dormir. É preciso avisar alguém próximo e ligar na hora para o serviço de emergência no número 192", diz.
Se a ambulância demorar mais de 20 minutos para chegar e existir outra possibilidade de se deslocar mais rapidamente a um pronto-socorro (como uma carona de alguém que está se sentindo bem), o melhor é ir mesmo para o hospital.
"Costumamos dizer que tempo é coração: cada minuto perdido desde que a artéria coronária entupiu representa 11 dias a menos de vida para aquele paciente", compara o médico.
Saretta reforça que essas orientações se tornam ainda mais importantes neste período de pandemia, em que muitas pessoas deixaram de ir ao médico com medo da covid ou passaram por dificuldades financeiras e perderam acesso aos planos de saúde.
"Temos uma demanda represada de doenças cardiovasculares que pode estourar", observa a médica.
"Por isso, se você tiver uma percepção de que algo mudou na sua saúde, como não conseguir mais fazer uma atividade de rotina, sentir um cansaço exagerado ou uma dor no peito, vale buscar uma avaliação médica", orienta.
Aperto no coração
Um trabalho feito por médicos da Kaiser Permanente, um serviço privado de saúde que atua na Califórnia, nos Estados Unidos, em parceria com especialistas das universidades Columbia e Harvard, revelou que eleições presidenciais estão relacionadas a um aumento nas internações por infarto, AVC e insuficiência cardíaca.
O estudo, que levou em conta as informações de saúde de 6,3 milhões de pessoas, analisou o que aconteceu nos cinco dias depois das eleições presidenciais americanas de 2020, em que o democrata Joe Biden saiu vencedor da disputa contra o republicano Donald Trump, que buscava a reeleição.
Na comparação com um período antes das eleições, os pesquisadores observaram um aumento de 17% na taxa de hospitalizações por doenças cardiovasculares agudas logo após o pleito.
A investigação americana, publicada no final de abril de 2022 no Journal of the American Medical Association (Jama), um dos periódicos mais respeitados da área, é uma repetição de outra investigação feita pelo mesmo grupo nas eleições de 2016.
À época, os cientistas encontraram um risco ainda mais alto: a taxa de hospitalizações por doenças cardiovasculares na Califórnia nos dois dias após a eleição daquele ano foi 62% maior em comparação com os registros das semanas anteriores.
Embora esse artigo tenha limitações importantes, como o fato de ter observado um fenômeno que já havia acontecido no passado e incluir apenas um perfil de pessoas que têm plano de saúde, ele traz ensinamentos relevantes e engrossa o conhecimento de outras pesquisas anteriores, avaliam os médicos.
O principal ensinamento é que eventos muito estressantes, como uma grande definição política nacional ou até um jogo decisivo de Copa do Mundo, podem fazer mal ao coração e aos vasos sanguíneos — e existem estratégias validadas cientificamente para reduzir o risco de sofrer com um evento grave desses, como você conferiu nos parágrafos anteriores.
Como o estresse bate no peito
Piscopo explica que a decisão de quem será o novo presidente de um país faz com que todo mundo pense no futuro e o que pode mudar, para melhor ou para pior, do ponto de vista da economia, da segurança pública, da saúde, da educação.
"E toda essa expectativa causa mudanças no nosso organismo. Um dos efeitos imediatos disso é a liberação dos hormônios adrenalina e cortisol", ilustra.
Essas substâncias, por sua vez, promovem uma série de modificações no nosso sistema cardiovascular, responsável por bombear o sangue para todas as células. Os batimentos cardíacos aceleram, a pressão arterial sobe, o sangue fica mais viscoso…
Agora, imagine o que todas essas mudanças significam para a saúde de uma pessoa que já tem colesterol alto, hipertensão, diabetes ou obesidade. Nesse contexto, o estresse significa um fator de risco adicional para o surgimento de uma complicação mais séria — como o entupimento de uma artéria do coração (o infarto) ou o rompimento de uma veia no cérebro (o AVC hemorrágico).
E essa é apenas uma das explicações que ajudam a entender a relação entre estresse e os chamados eventos cardiovasculares. Em alguns casos, o nervosismo exacerbado, por si só, já é suficiente para desencadear uma grave crise.
"Em tantos anos de trabalho nos serviços de emergência, já vi muita gente infartar após um evento crítico, como uma separação conjugal, a notícia da morte de alguém querido, um assalto ou uma partilha de herança", lembra o cardiologista.
"Em alguns desses casos, não existia nenhum outro fator para explicar o ataque cardíaco. A própria exposição emocional foi tão grande que o paciente teve um espasmo da coronária [a artéria que irriga o músculo cardíaco] e o coração não aguentou", complementa.
Nas últimas duas décadas, dois grandes estudos internacionais conhecidos pelas siglas InterHeart e InterStroke confirmaram o papel do estado emocional nesses eventos críticos que abalam o sistema cardiovascular.
"Se conseguíssemos de alguma maneira acabar com o estresse, evitaríamos 33% dos casos de infarto e 17% dos episódios de AVC que acontecem em todo o mundo", conclui Avezum.
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