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opinião Sexta-feira, 25 de Março de 2022, 09:00 - A | A

Sexta-feira, 25 de Março de 2022, 09h:00 - A | A

OPINIÃO

Fazendo o mal quando se quer fazer o bem

*ANDRÉ L. RIBEIRO-LACERDA

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Você já deve ter se deparado com esse tipo de situação social: com um objetivo em mente, você desenvolve uma ação e o resultado dela é diferente do que você pretendia. O indivíduo, com medo da inflação que acomete seu país, começa a estocar gênero de primeira necessidade, mas, como a lógica desta situação motiva muitas pessoas a agirem da mesma maneira, o resultado tem um efeito perverso, contribuindo para a perpetuação da inflação.

 

Efeitos perversos são comuns na vida social e têm sido descritos desde o século XVIII por Bernard Mandeville, Adam Smith e Rousseau.

 

O indivíduo promove uma ação que, conjugada com outras ações com a mesma finalidade, gera consequências indesejáveis. É possível pensar em uma tipologia de efeitos perversos, pois explicar os fenômenos sociais supõe sempre que se dê conta das ações individuais que o compõem. Uma das ações que provoca efeitos perversos é denominada altruísmo patológico.           

 

Os incêndios no pantanal em 2020 geraram prejuízos ambientais, econômicos e sociais sem precedentes que talvez possam ser explicados como efeitos perversos. As queimadas, promovidas por atividades agropastoris, a política de impedir que os pantaneiros manejem a terra para o gado como faziam tradicionalmente e a criação de áreas de conservação dentro do pantanal nas antigas áreas de criação de gado foram apontadas como prováveis causas.

 

O fazendeiro que realiza queimadas em seu pasto pode, sem almejar essas consequências, ter gerado um incêndio que consumiu parte de sua fazenda e de várias outras.

 

A política de impedir que os pantaneiros limpem suas fazendas e a criação de áreas de preservação teriam o objetivo de criar uma política de conservação, mas ao contrário disso, pode ter gerado uma destruição sem precedente. 

 

Pense nas pessoas que levam rações para os gatos que passam a viver em áreas de espaços públicos, como os da Universidade Federal de Mato Grosso, no campus de Cuiabá. Essas pessoas acham que estão fazendo boas ações. E, de certa forma, estão. Elas compram ração, e algumas vezes na semana se deslocam para alimentar os gatos. Arrumam vasilhames para colocar água. Elas têm toda uma preocupação com a sobrevivência dos gatos. E, podemos dizer que, de certa forma, esse objetivo é atingido. Mas, o crescimento da população parece incentivar envenenamentos de gatos na universidade, o que ocorre de vez em quando.

 

Arquivo pessoal

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Gatos vivem há anos na UFMT

 

Se não existe preocupação com a reprodução dos gatos, essas pessoas altruístas criam um grande problema para os outros e para elas mesmas, se elas e seus filhos frequentam a universidade.

 

Na UFMT, os corredores ficam cheios de cocôs de gato. É um trabalho a mais e muito dificil para o pessoal da limpeza. E certos espaços passam a não ser utilizados por causa do mal cheiro. O bloco em que eu trabalho tem cheiro de cocô de gato. A possibilidade de contrair doenças é real. Eis alguns de seus efeitos perversos.            

 

Denomina-se de altruísta um ato em que um indivíduo age para beneficiar alguém ou alguéns e que tem um custo para ele.

 

Os benefícios do altruísmo parecem tão óbvios, e uma grande consideração por ele está tão profundamente arraigada na cultura moderna, que parece quase uma heresia sugerir que o altruísmo possa ter um lado sombrio. Mas, é este lado que abordo aqui.            

 

Uma pessoa que se envolve sinceramente em atos que pretendem ser altruístas, mas que prejudica a própria pessoa ou grupo que está tentando ajudar, muitas vezes de forma imprevista; ou prejudica outros; ou irracionalmente se torna vítima de suas próprias ações altruístas. Isso seria altruísmo patológico.

 

O altruísmo patológico pode ser pensado como qualquer comportamento ou tendência pessoal em que o objetivo declarado ou a motivação implícita é promover o bem-estar de outro ou de outros, mas, em vez de resultados benéficos gerais, o "altruísmo" tem consequências negativas irracionais e substanciais para o outro ou mesmo para si mesmo.

 

Robert Burton dá o exemplo de médicos de pacientes terminais, de câncer, que têm certezas patológicas. Dizem agir em defesa do bem do paciente, mas, muitas vezes, administram medicações e técnicas que só promovem mais dores e sofrimento ao paciente.

 

Acreditar que você está agindo no melhor interesse do outro não é sinônimo de agir no melhor interesse de outra pessoa.

 

É uma crença, não um fato.

 

As pesquisas sobre altruísmo patológico ainda estão em seu início. Satoshi Kanazawa fala da situação das mulheres que são espancadas pelos seus maridos e mesmo assim permanecem em seus relacionamentos. Dado os enormes custos de saúde física e mental, a questão do porquê muitas mulheres espancadas permanecerem com seus maridos abusivos ou namorados é um quebra-cabeça. Embora muitas mulheres espancadas deixem seus abusadores, uma significativa minoria dela (estima-se em torno de um quarto a um terço) permanecem em seus relacionamentos abusivos.            

 

Somos animais super cooperativos. Mais cooperativos que a grande maioria dos outros animais. Nós nos sentimos bem quando ajudamos os outros. E sabemos que nossas boas ações não são apenas produtos das religiões ou de valores iluministas. Elas têm raízes em nosso passado evolutivo.     

 

O altruísmo é um traço que pode aumentar a probabilidade de que as "atividades de rotina" de alguém se cruzem com ofensores motivados, aumentando assim a probabilidade de ser vítima de um crime. Isso representaria um risco aumentado de vitimização aleatória ou baseada em características.

 

O comportamento altruísta pode ajudar a identificar alguém como útil e confiável e, portanto, como alvo adequado para certos tipos de vitimização, especialmente fraudes.

 

A ideia de que os atos altruistas podem ter consequências ruins para aqueles que os sustentam,  talvez esteja nos mostrando que uma ação não deve ser compreendida apenas em seu ponto de partida, mas em todo o seu desdobramento.

 

Assim sendo, não seria uma má ideia investigar melhor também as ações sociais que são categorizadas como egoístas em seus pontos de partida.

 

*André L. Ribeiro-Lacerda – Sociobiólogo e psicólogo, é professor titular de sociologia na UFMT, campus de Cuiabá.  

 *Os artigos são de responsabilidade seus autores e não representam a opinião do Mídia Hoje.

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Dulce Lábio 30/03/2022

Urge que se formulem tratamentos corretivos para o comportamento altruísta patológico, já que ações reais provocam esse tipo de agir. Particularmente, não suporto ver animais abandonados passando fome...qual a solução? Não basta identificar o problema, precisamos de soluções. Sozinha não acabarei com a fome nem castrarei todos os gatos do mundo. Creio que a sociedade estará eternamente dividida entre altruístas e não altruístas.

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