Ricardo Stuckert/PR
Lula aguarda divulgação das atas das seções eleitorais e/ou eventual recontagem de votos
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está numa saia justa e tenta ganhar tempo para uma tomada de posição em relação à reeleição do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, diante dos indícios de que as eleições foram fraudadas. Sem divulgação das atas das seções eleitorais e/ou eventual recontagem de votos, a tendência do governo brasileiro será aguardar a evolução do processo e somente reconhecer a vitória de Maduro quando isso for inevitável para manter as relações comerciais do Brasil com o país vizinho.
Na segunda-feira, a nota divulgada pelo Itamaraty sinalizou nessa direção. As reportagens publicadas pela Agência Brasil sobre as eleições venezuelanas, também. O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela proclamou um resultado oficial — sem nenhuma comprovação documental até agora —, segundo o qual Maduro teria recebido 51% dos votos, contra 44% de Edmundo Gonzáles. A oposição contesta esse resultado com base em cópias das atas obtidas por seus fiscais. Gonzáles teria recebido 70% dos votos.
Na sua nota oficial, o Itamaraty destacou o "caráter pacífico" das eleições de domingo e anunciou que "acompanha com atenção" o processo de apuração. "Reafirma ainda o princípio fundamental da soberania popular, a ser observado por meio da verificação imparcial dos resultados". O assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência, embaixador Celso Amorim, permanece em Caracas e dialoga com o governo e a oposição.
A posição do governo brasileiro, até agora, coincide com a dos Estados Unidos, do México, da Colômbia e do Chile. É a mesma da Inglaterra e da União Europeia. Na Organização das Nações Unidas (ONU), o secretário-geral, António Guterres, apelou "à total transparência" e disse que também aguarda "a publicação oportuna dos resultados eleitorais e a repartição por assembleias de voto".
Guterres pediu moderação aos líderes políticos e seus apoiadores: "Todas as disputas eleitorais devem ser abordadas e resolvidas pacificamente, e as autoridades eleitorais devem realizar seu trabalho de forma independente e sem interferência."
O presidente Lula terá um papel de destaque nos próximos dias, porém, está sendo muito pressionado pelos setores à esquerda de seu governo a reconhecer, imediatamente, a vitória de Maduro. Também é atacado pela oposição por não reconhecer a vitória de Edmundo Gonzáles. Lula já exerceu o papel de mediador em outras ocasiões, inclusive durante as negociações para os Acordos de Barbados.
Sem a intervenção do Brasil — em especial, a atuação pessoal do presidente Lula —, o candidato da oposição Edmundo González não teria concorrido e a situação seria semelhante à de 2018, quando a oposição boicotou o pleito. O presidente brasileiro também trabalhou nas conversas entre a Venezuela e a Guiana após a crise pela disputa da região de Essequibo, cujos chanceleres se reuniram em Brasília, em janeiro deste ano, com a mediação do ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira.
Pagou pra ver
Brasil e Colômbia, os dois maiores vizinhos, têm interesses estratégicos a serem levados em conta na crise venezuelana. Não interessa aos dois países que a Venezuela caminhe para uma ditadura aberta e passe a fazer parte de um bloco militar em oposição aos Estados Unidos, liderados por Rússia e Irã, o que poderia levar a uma corrida armamentista na região. A aposta do Brasil não é uma nova guerra fria, é o fortalecimento do multilateralismo.
O impasse na Venezuela está instalado. A oposição, liderada por González, não reconhece o resultado. A opositora María Corina Machado, que foi impedida de disputar as eleições, denunciou o resultado e comanda os protestos populares que, domingo, registraram um grande "panelaço" iniciado nas favelas de Caracas. A desorganização da economia e a pobreza generalizada enfraqueceram o governo venezuelano.
Maduro dá mostras de que que não cederá às pressões internas nem às internacionais. Em frente ao Palácio Miraflores, sede do governo, em Caracas, proclamou a própria vitória ainda na noite de domingo, que classificou como "triunfo da independência nacional, da dignidade do povo da Venezuela". Sua disposição é pagar pra ver: "Não puderam com as sanções, não puderam com as agressões, não puderam com as ameaças, não puderam agora e não poderão jamais com a dignidade do povo da Venezuela".
Desde 2017, Estados Unidos, Canadá, Reino Unido e União Europeia não reconhecem a legitimidade do governo Maduro, que está há 11 anos no poder e pretende ficar mais seis, pelo menos. Segue o roteiro dos regimes autocráticos e "iliberais", que manipulam eleições para que seus governantes se eternizem no poder. Não à toa, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, foi dos primeiros a endossar a reeleição de Maduro.
O presidente venezuelano pediu que os demais países respeitem o resultado. Ironizou a posição da Casa Branca: "Quando houve o debate em que Donald Trump denunciou que lhe roubaram as eleições nos Estados Unidos, nós não nos metemos nisso".
7 MORTOS
Pelo menos, sete jovens morreram e várias pessoas ficaram feridas na Venezuela na repressão policial aos protestos após eleições presidenciais de domingo que deram a vitória a Maduro, segundo dá conta o correspondente do jornal espanhol El Mundo em Caracas.
Alejandro Graterol, de 18 anos, morreu com um tiro no pescoço enquanto protestava no estado de Yaracuy. Outros dois jovens tiveram mortes semelhantes. Um rapaz com 15 anos no estado de Zulia e outro em Caracas, a capital, em protestos perto do Instituto Venezuelano de Seguros Sociais.
Foram adicionados mais três mortos pelo Inquérito Hospitalar Nacional, um em Caracas e dois em Maracay, capital no estado de Aragua.
Há ainda a registar a morte de um jovem que guardava os votos da sua aldeia, Patiecitos no estado de Táchira. José Valero é o primeiro desta lista de mortos e perdeu a vida atingido por uma bala perto do seu centro eleitoral. Outros jovens terão também ficado com ferimentos causados por balas no mesmo estado.
O jornal afirma que as sete mortes foram confirmadas por fontes independentes.
*Com Correio Braziliense
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