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Terça-feira, 08 de Julho de 2025, 06h:00 - A | A

PEJOTIZAÇÃO DIVIDA STF

Alcance da suspensão nacional da pejotização divide ministros do STF

Redação

 

Reprodução

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A prática da pejotização - contratação de trabalhadores como pessoas jurídicas - está no centro de uma das maiores disputas institucionais entre o STF e a Justiça do Trabalho.

 

Desde a reforma trabalhista de 2017, esse modelo contratual se intensificou e tem gerado uma enxurrada de ações que discutem a existência de vínculos empregatícios ocultos por trás da formalidade empresarial.

 

Em abril de 2025, o debate ganhou novo contorno com a decisão do ministro Gilmar Mendes, que determinou a suspensão nacional de todos os processos que discutem a licitude desse tipo de contratação. 

 

A medida foi proferida no âmbito do Tema 1.389 da repercussão geral, e valerá até o julgamento definitivo do mérito pelo plenário da Corte.

 

Para o ministro Gilmar Mendes, a paralisação é necessária diante da proliferação de decisões conflitantes na Justiça do Trabalho, que estariam comprometendo a segurança jurídica e sobrecarregando o Supremo.

 

Qual a extensão da suspensão?

 

A suspensão nacional dos processos, no entanto, gerou interpretações diversas quanto ao seu alcance.

 

Embora tenha sido amplamente divulgada como medida geral, decisões recentes no STF indicam que sua aplicação prática tem sido interpretada de forma diversa entre os ministros da Corte.

 

Em maio, ministro Cristiano Zanin cassou decisão da 5ª vara do Trabalho de Ribeirão Preto/SP que havia reconhecido vínculo empregatício entre uma advogada e a empresa contratante.

 

Mesmo com a suspensão do Tema 1.389 em vigor, Zanin entendeu que o caso envolvia violação direta à jurisprudência consolidada do STF, como os precedentes da ADPF 324 e do Tema 725, que reconhecem a licitude de formas alternativas de contratação. Segundo ele, não houve simulação e a contratação por pessoa jurídica era legítima.

 

Já o ministro Luiz Fux adotou entendimento oposto.

 

Em junho, determinou a paralisação de ação na qual uma advogada pleiteava o reconhecimento de vínculo empregatício com um escritório, apesar da ausência de contrato formal.

 

Para Fux, o cerne da discussão era a suposta burla à legislação trabalhista, o que justificava o enquadramento no Tema 1.389 e, portanto, o sobrestamento da ação.

 

A controvérsia também foi discutida na 1ª turma do STF, que analisou se reclamação envolvendo um motoboy e empresa de entregas deveria ser suspensa. 

 

Ministros Zanin e Alexandre de Moraes defenderam que a medida de suspensão não se aplica aos processos já em trâmite no próprio STF. Além disso, ponderaram que casos com indícios claros de subordinação, exclusividade e remuneração por tarefa extrapolam o escopo genérico da repercussão geral.

 

Ministra Cármen Lúcia e ministro Flávio Dino também manifestaram preocupação com os efeitos da suspensão sobre trabalhadores em situação de vulnerabilidade e sobre a coerência jurisprudencial da Corte. Dino defendeu julgamento célere do mérito, diante do grande número de processos paralisados.

 

Em mais um episódio recente, a 1ª turma do STF, por unanimidade, rejeitou agravo interposto por trabalhador que tentava reverter decisão monocrática do ministro Fux, que havia determinado a suspensão de processo trabalhista em curso no TRT da 2ª região.

 

O caso envolvia contrato firmado por meio de pessoa jurídica, posteriormente desconsiderado pela Justiça do Trabalho, que reconheceu vínculo empregatício.

 

A ministra Cármen Lúcia e os ministros Zanin, Alexandre de Moraes e Flávio Dino acompanharam o relator, reafirmando que a controvérsia - suposta fraude na contratação por meio de PJ - está no cerne do Tema 1.389 e, portanto, justifica a paralisação do processo até o julgamento definitivo da tese.

 

Para Fux, a reclamação constitucional não é via adequada para reavaliar provas ou rediscutir o mérito da controvérsia trabalhista, devendo prevalecer a preservação da integridade jurisprudencial do STF, nos termos do art. 926 do CPC.

 

Esses episódios revelam que, embora a suspensão determinada por Gilmar Mendes tenha caráter nacional, sua efetividade está condicionada à análise contextualizada de cada caso e à pluralidade de interpretações sobre o que integra, e o que extrapola, o escopo do Tema 1.389.

 

Audiência

 

Para dar andamento ao julgamento do tema, ministro Gilmar Mendes convocou audiência pública para o dia 10 de setembro, que contará com a participação de especialistas, representantes do Executivo e do Legislativo, além de ministros do TST.

 

Segundo Gilmar, o objetivo é construir diretrizes técnicas e plurais que reflitam as transformações nas formas de trabalho, inclusive com base em experiências internacionais.

 

Em entrevista à TV Migalhas, o ministro afirmou que o fenômeno da pejotização deve ser analisado com profundidade e sob múltiplas perspectivas.

 

"É importante que a gente saiba todas as implicações que essa nova legislação e essa nova possibilidade têm em todos os campos. Temos tido alguns conflitos, alguma divergência, especialmente no âmbito da Justiça do Trabalho", declarou o ministro.

 

Diante da complexidade do tema, Gilmar propõe uma avaliação conjunta baseada em subsídios técnicos e no direito comparado.

 

"Vamos fazer uma avaliação conjunta nos valendo de subsídios interessados, mas também de expertos, talvez até do direito internacional, do direito comparado."

 

Para Gilmar Mendes, a proliferação de decisões divergentes na Justiça do Trabalho tem comprometido a segurança jurídica e sobrecarregado o STF com recursos.

 

Reações e controvérsias

 

A decisão de Gilmar também provocou forte reação da magistratura trabalhista.

 

Juízes se mobilizaram em diversos Estados em defesa da competência constitucional da Justiça do Trabalho. Entidades como a Anamatra, ANPT e Abrat divulgaram notas alertando para o risco de esvaziamento institucional da Justiça especializada, caso a Corte reafirme a tese de que a competência para julgar essas ações seja deslocada para a Justiça comum.

 

Em nota, a Anamatra argumenta que a EC 45/04 ampliou o escopo da Justiça do Trabalho para abranger todas as relações de trabalho, não apenas vínculos celetistas, e que cabe à Justiça especializada apurar fraudes contratuais com base no art. 9º da CLT, que considera nulos os atos praticados com objetivo de desvirtuar ou fraudar a legislação.

 

A OAB/SP também se manifestou em defesa da competência da Justiça do Trabalho, frisando que a análise da fraude contratual exige apreciação das circunstâncias concretas e não pode ser afastada por interpretações puramente formais da organização produtiva.

 

Tensões institucionais e riscos sociais

 

Magistrados expressaram receio de que a decisão do STF provoque uma migração em massa de processos para a Justiça comum, comprometendo o tempo de resposta e o viés protetivo historicamente associado à Justiça do Trabalho. 

 

"A Justiça comum vai dar conta disso? Vai haver um esvaziamento total", alertou o juiz do Trabalho Ronaldo Callado, da 5ª vara do Trabalho do RJ.

 

A juíza do Trabalho Taciela Cylleno ponderou que o julgamento do Tema 1.389 poderá consolidar o entendimento de que contratações via pessoa jurídica devem ser tratadas como relações civis, retirando da Justiça do Trabalho a análise de seu conteúdo real.

 

"Essa decisão é simbólica e poderá abrir precedentes que fragilizam a proteção ao trabalho humano", afirmou.

 

Especialistas alertam também para impactos fiscais e previdenciários: a formalização de vínculos sob formas jurídicas alternativas, como MEIs, pode reduzir a arrecadação e ampliar o déficit da Previdência, conforme já alertado por pareceres técnicos anexados aos autos.

 

Impactos à Justiça do Trabalho

 

A relevância do julgamento é unânime.

 

Especialistas apontaram ao Migalhas efeitos significativos e possivelmente históricos da decisão do STF.

 

Para o professor e advogado Ricardo Calcini, a depender do desfecho, a Justiça do Trabalho pode sofrer "a maior perda de competência material de sua história", com transformações profundas nas relações laborais no país.

 

A advogada Maria Lúcia Benhame reconhece que a repercussão geral busca sanar inseguranças jurídicas e orientar o Judiciário sobre a licitude da contratação via pessoa jurídica. Segundo ela, a exigência de prova recai sobre o trabalhador que alega fraude, o que pode dificultar a proteção de direitos em muitos casos.

 

"É necessário comprovar, com robustez, que os elementos típicos da relação de emprego estavam presentes, conforme o art. 3º da CLT", explicou.

 

Já a advogada Ana Lúcia Paiva, do Araújo e Policastro Advogados, destacou que há um descompasso crescente entre o STF, que adota um entendimento mais flexível e liberal, e a Justiça do Trabalho, que permanece ancorada na lógica da hipossuficiência do trabalhador.

 

Para ela, a suspensão pode ser um instrumento de racionalização processual, mas também carrega o risco de enfraquecimento da proteção trabalhista.

 

O advogado Otavio Pinto e Silva, professor da USP, reforça que a Justiça do Trabalho segue sendo o foro constitucional adequado para julgar disputas que envolvem possíveis fraudes na prestação de serviços por meio de PJs. Ele lembra que o art. 114, I, da CF expressamente atribui à Justiça do Trabalho o julgamento das ações oriundas da relação de trabalho.

 

Gisela da Silva Freire, presidente do Sinsa, pondera que a medida de suspensão pode ser positiva se resultar em maior previsibilidade e segurança jurídica, mas alerta para a indefinição sobre o alcance da decisão.

 

"Não está claro se a suspensão abrange processos já sentenciados ou apenas os pendentes de julgamento, o que pode gerar mais incertezas."

 

Antonio Galvão Peres, do Robortella e Peres, lembra que a nova tese do STF pode limitar as reclamações constitucionais que vinham sendo ajuizadas com base na ADPF 324, obrigando que o trâmite ordinário nas instâncias inferiores seja respeitado.

 

"A decisão muda a estratégia processual das empresas e redireciona o fluxo de litígios no sistema de Justiça."

 

*Via Migalhas

 

Veja a entrevista de Gilmar Mendes:

 

 

 

 

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