07 de Dezembro de 2024

cotações: DÓLAR (COM) 6,01 / EURO 6,37 / LIBRA 7,69

economia Sábado, 01 de Maio de 2021, 13:37 - A | A

Sábado, 01 de Maio de 2021, 13h:37 - A | A

'PARA INGLÊS VER'

Lei há 10 anos, fundo que poderia baratear seguro rural não saiu do papel

Canal Rural

Reprodução

money.jpg

 

“Queremos a aprovação do Fundo de Catástrofe para a próxima safra”, disse o governo federal ao Canal Rural. O ano era 2009, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda ocupava o cargo mais importante da República. Apesar de ter sido aprovado em 2010 como o Executivo queria, até hoje, o fundo segue como uma lei para inglês ver.

A lei 137 de 2010, que instituiu o Fundo de Catástrofe, foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) em 27 de agosto. A ideia era modernizar a fonte de recursos para compensar as seguradoras quando o valor dos sinistros superasse em muito o valor arrecadado. Diminuindo os riscos de prejuízos para essas empresas, o governo acreditava que conseguiria baratear e popularizar o seguro rural.

À época, cerca de 10% da área plantada eram seguradas, e a expectativa era de que esse percentual chegasse a pelo menos 50% em cinco anos. No ano passado, quando a lei completou 10 anos, apenas 20% das lavouras eram cobertas, segundo dados do Ministério da Agricultura.

O problema é que o governo nunca regulamentou o Fundo de Catástrofe. Basicamente, cabia ao Executivo federal estabelecer os pormenores, como de onde viria o recurso inicial, quem administraria o fundo, como funcionariam as cotas etc.

“Algumas leis, por si só, quando são sancionadas já passam a valer. Outras precisam de uma regulamentação própria e é ela que está faltando. Definição de regras e operacionais. Isso, de 2010 até hoje, não foi feito”, afirma Rafaela Parra, sócia do Araúz Advogados. “Enquanto não vier, fica como uma lei para inglês ver”.

Como é hoje e o que muda com o Fundo de Catástrofe?

Até hoje, a fonte de recursos para compensar as seguradoras é o Fundo de Estabilidade do Seguro Rural (FESR), que está atrelado ao Orçamento da União, e precisa ser desenhado pelo governo federal e aprovado pelo Congresso, ano a ano.

Como aconteceu neste ano, as discussões sobre o Orçamento podem se estender por meses, prejudicando o bom andamento das políticas públicas. “O fundo atual fica dependente da aprovação orçamentária, de burocracias”, explica Danielle Martins, também sócia do Araúz Advogados.

Já o Fundo de Catástrofe contaria com recursos do governo apenas no início, mas depois passaria a ser composto e gerido pela iniciativa privada, podendo ter participação voluntária da União. “Ele será independente, terá o patrimônio próprio. A pessoa jurídica que estiver gerindo este fundo terá autonomia e poderá aplicar os recursos. Não vai depender de questões orçamentárias e políticas públicas”, afirma Danielle.

Poderiam participar do novo fundo seguradoras, resseguradoras, regulamentadoras e até mesmo cooperativas e a agroindústria. “O patrimônio dele não vai se confundir com o de seus cotistas, sejam as empresas ou a união”, destaca ela.

Por que o Fundo de Catástrofe é importante?

O custo do seguro é calculado pelas empresas com base nos riscos. A advogada Rafaela Parra explica que diferente de um acidente de carro, que geralmente é um problema individualizado, as catástrofes na agricultura costumam abranger grandes grupos.

“O agronegócio é uma uma indústria a céu aberto, muito exposta a riscos climáticos. O que torna segurar uma lavoura mais perigoso do que um automóvel é o efeito cascata. A avaliação de risco é por região, porque quando temos uma quebra de safra por problema climático ou catástrofe, será muito difícil que seja um problema individualizado. É bem provável que se estenda a outras propriedades da região, gerando a necessidade de desembolso maior das seguradoras”, afirma Rafaela.

As advogadas acrescentam que o Fundo de Catástrofe também colocará à disposição das empresas mais recursos e de forma mais rápida. Isso pode atrair mais seguradoras para o segmento. “A ideia é trazer mais eficiência para toda essa sistemática”, diz Danielle.

Rafaela Parra afirma que é necessário uma iniciativa do governo federal para tirar a lei do papel. “O que impede que isso seja feito, eu não sei”. 

Quem deveria saber sobre

A reportagem do Canal Rural procurou os ex-ministros da Agricultura Blairo Maggi (governo Temer) e Kátia Abreu (governo Dilma),para entender em que pé estava o projeto durante suas gestões e por que ele não saiu do papel. Ambos decidiram não se manifestar.

Procurada pela reportagem, a gestão atual do Ministério da Agricultura se limitou a dizer que “esse projeto está em fase inicial de discussão”.

Segundo o ex-ministro Roberto Rodrigues, Tereza Cristina vem ampliando bastante os recursos para subvenção do seguro rural, mas este ano o trabalho foi limitado pelos gastos do governo federal com a pandemia da Covid-19.

Ele defende que o governo deve levar o Fundo de Catástrofe à frente porque é uma forma de fomentar o seguro rural e reduzir gastos com equalização de dívidas dos produtores rurais em anos de problemas climáticos. “Resolve o problema da renegociação que é penosa, e não é suficiente para todo mundo”, diz.

Rodrigues destaca ainda que quando um produtor quebra, toda a cadeia é afetada, desde as vendas insumos e máquinas agrícolas até os bancos e instituições que emprestaram crédito rural.

Enquanto isso, o agricultor sente na pele

O agricultor rural não é tolo. Ele sabe que as intempéries climáticas têm sido cada vez mais frequentes e que não dá para contar com a sorte sempre. Então por que o seguro rural não avança no Brasil? Segundo os produtores, porque muitas vezes não há recurso suficiente para todos.

O produtor Leonardo Waulczinski, de Itapejara D’Oeste (PR), conta que apenas 30% da área plantada na fazenda conta com seguro. Com o atraso da soja, ele resolveu dedicar uma área que iria para o milho segunda safra para o cultivo de feijão, mas por conta da escassez de recursos para quem se enquadra no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) ele conseguiu proteção para apenas 50% da lavoura de feijão. A safrinha de milho, por sua vez, está totalmente desprotegida.

E isso se dá em um ano bastante complicado, de acordo com o produtor. Choveu bem até janeiro, mas fevereiro e março tiveram chuvas abaixo do ideal, o que se repete agora em abril. “Estamos há cerca de 40 dias sem chuva. O solo está extremamente seco, e a planta está se entregando. Teremos sérios prejuízos”, diz.

“Eu queria aderir, mas falta recurso. Os órgãos tinham programado certos valores, mas como os preços dos insumos subiram, ultrapassou”, conta.

Nossas notícias em primeira mão para você! Link do grupo MIDIA HOJE: WHATSAPP



Comente esta notícia