Caso o presidente Jair Bolsonaro (PL) se reeleja no dia 30, nos próximos quatro anos ele terá poder para criar muitos problemas para o Supremo Tribunal Federal, um dos alvos preferenciais de seus ataques, inclusive pedindo impeachment de ministros. As eleições deste domingo (2/10) deram grande impulso ao bolsonarismo no Congresso Nacional, sobretudo no Senado.
Levar adiante o projeto de destituição de um ministro do Supremo, porém, é algo bastante complicado mesmo para um Bolsonaro forte no Congresso. Entre outras coisas, porque é fundamental para isso conseguir a eleição de um aliado como presidente do Senado, que é quem tem o poder de dar andamento ou "engavetar" um pedido de impeachment de ministro do STF.
Dos 27 senadores eleitos neste domingo (2/10), 20 apoiam Bolsonaro ou têm alguma ligação com ele. Cinco ex-chefes de ministérios do atual governo conquistaram uma cadeira no Senado: a ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos Damares Alves (Republicanos-DF); o ex-ministro da Ciência e Tecnologia Marcos Pontes (PL-SP); a ex-ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento Tereza Cristina (PP-MS); o ex-ministro do Desenvolvimento Social Rogério Marinho (PL-RN); e o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro (União Brasil-PR) — que rompeu com o presidente, mas voltou a afagá-lo na campanha eleitoral. Também foram eleitos senadores o vice-presidente, Hamilton Mourão (Republicanos-RS), e o ex-secretário da Pesca Jorge Seif Jr. (PL-SC).
Além dos ex-integrantes do governo, terão assento na casa os aliados Cleitinho (PSC-MG), Romário (PL-RJ), Magno Malta (PL-ES), Wilder Morais (PL-GO), Wellington Fagundes (PL-MT), Jaime Bagattoli (PL-RO), Dr. Hiran (PP-RR) e Dorinha (União Brasil-TO).
Outros aliados do presidente que continuarão no Senado são seu filho Flávio Bolsonaro (PL-RJ), Carlos Portinho (PL-RJ), Eduardo Girão (Podemos-CE), Luiz Carlos Heinze (PP-RS), Jayme Campos (União Brasil-MT), Eliane Nogueira (PP-PI), Lasier Martins (Podemos-RS) e Marcos Rogério (PL-RO) — este caso não se eleja governador.
Com oito dos 27 senadores eleitos, o PL, partido de Bolsonaro, terá 14 parlamentares na casa em 2023 — a maior bancada. O União Brasil elegeu cinco representantes e terá dez membros no Senado. Outras legendas aliadas ao governo terão representação expressiva na casa, como PP (seis senadores) e Republicanos (três). Contando o PSD (11) e o Podemos (seis) — que têm apoiadores de Bolsonaro —, o presidente deve ter maioria no Senado se for reeleito.
Segundo o colunista do portal UOL José Roberto de Toledo, se Bolsonaro tiver mais um mandato, vai dispor de apoio para promover o impeachment de ministros do STF.
"O que me preocupa é o cenário do que emerge da eleição para o Senado e para a Câmara dos Deputados. Esse Congresso que foi eleito, no Senado, por exemplo, dá maioria suficiente para impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal."
Jair Bolsonaro fez dos ataques ao STF uma estratégia para galvanizar seus apoiadores. As investidas têm duas origens. A primeira está nas decisões que declararam que estados e municípios têm competência para impor medidas sanitárias contra a Covid-19, como as de isolamento social. A segunda está nos inquéritos que apuram a propagação de fake news e atos antidemocráticos, bem como o financiamento dessas atividades por bolsonaristas. Há ainda um terceiro foco de ataques contra o Judiciário, mais especificamente, em face do Tribunal Superior Eleitoral e seus magistrados, relativo ao descrédito das urnas eletrônicas.
Em 2021, Bolsonaro pediu ao Senado o impeachment do ministro Alexandre de Moraes. A medida foi repudiada pelo Supremo Tribunal Federal e pela OAB, e rejeitada pelo presidente da casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para quem não existem fundamentos para impeachment contra ministros do STF.
Rito do impeachment
Ministros do Supremo Tribunal Federal podem ser alvos de pedidos de impeachment pelos seguintes crimes de responsabilidade (artigo 39 da Lei 1.079/1950): alterar, por qualquer forma, exceto por via de recurso, a decisão ou voto já proferido em sessão do tribunal; proferir julgamento quando, por lei, seja suspeito na causa; exercer atividade político-partidária; ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo; e proceder de modo incompatível com a honra, a dignidade e o decoro de suas funções.
Além disso, o presidente do STF ou seu substituto no exercício do cargo podem responder por crimes de responsabilidade contra a lei orçamentária.
O pedido de impeachment de ministro do Supremo deve ser apresentado ao presidente do Senado. Caso ele seja aceito, será instalada uma comissão especial de 21 senadores para emitir um parecer em até dez dias. O Plenário da casa vai avaliar o parecer. Se a maioria dos integrantes da casa (41 senadores) o aprovar, o processo é aberto.
O ministro denunciado passa a ter acesso a todos os documentos e tem dez dias para apresentar defesa à acusação. Caso o magistrado não esteja no Brasil ou não seja localizado, o prazo pode ser estendido por mais 60 dias.
Ao fim do período, com ou sem manifestação do magistrado, a comissão terá mais dez dias para decidir se a acusação é procedente. Um novo parecer vai para votação no Plenário e, novamente, precisa de maioria simples dos senadores para ser aprovado. Caso isso ocorra, o magistrado será suspenso do cargo até decisão final e perderá um terço dos vencimentos.
O processo então é remetido ao STF. Se o presidente da corte for o acusado, um substituto presidirá a sessão de julgamento no Senado, que contará com o ministro acusado, o denunciante e testemunhas. Ao final, os senadores deverão responder à seguinte pergunta: "Cometeu o acusado o crime que lhe é imputado e deve ser condenado à perda do seu cargo?". Se dois terços dos parlamentares (54) responderem "sim", o ministro é destituído imediatamente do cargo.
Em seguida, os parlamentares ainda devem analisar se o magistrado deve ficar inabilitado para exercer função pública pelo tempo máximo de cinco anos. O quórum para importar tal medida é o mesmo — de dois terços dos senadores.
Obstáculos ao impeachment
Ainda que Jair Bolsonaro seja reeleito e tenha maioria no Senado, não será fácil aprovar o impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal.
Primeiro que diversos aliados de Bolsonaro não embarcam nos ataques ao STF porque temem uma postura mais dura dos ministros quando forem julgar processos relativos a seus interesses — que, muitas vezes, são ações penais contra tais políticos.
O presidente do Senado também teria de ser favorável à medida, pois depende dele o prosseguimento de pedido de impeachment contra ministro do Supremo. O atual presidente da casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), pode tentar a reeleição no começo de 2023. Ele já deixou claro que não concorda com a destituição de integrantes do STF.
Além disso, o quórum para condenar um ministro a perder o cargo é alto. É preciso que 54 senadores, o equivalente a dois terços da casa, votem nesse sentido.
De qualquer forma, com Bolsonaro mais forte no Congresso — o PL também terá a maior bancada da Câmara dos Deputados —, o STF pode passar apuros. Por exemplo, nas hipóteses de restrições orçamentárias, comissões parlamentares de inquérito e propostas de emenda à Constituição.
O presidente e seus aliados têm o plano de apoiar, em um novo mandato, proposta de emenda à Constituição para aumentar o número de ministros da corte, conforme informam os jornalistas Elio Gaspari, dos jornais Folha de S.Paulo e O Globo; Andréia Sadi, da GloboNews; Guilherme Amado, do portal Metrópoles; e Lauro Jardim, de O Globo.
Apresentada pela deputada Luiza Erundina (Psol-SP), a PEC 275/2013 transforma o STF na Corte Constitucional. A competência do tribunal seria restrita a processos relativos à interpretação e aplicação da Constituição. As demais atribuições atuais do Supremo, como as de julgar ações penais de autoridades com foro privilegiado, Habeas Corpus, mandados de segurança e pedidos de extradição de estrangeiros, iriam para o Superior Tribunal de Justiça.
A Corte Constitucional manteria os 11 ministros do STF e adicionaria quatro integrantes, totalizando 15 julgadores. O processo de escolha seria diferente do atual. Hoje, o presidente da República indica um nome e ele é submetido a sabatina na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, composta por 27 parlamentares. Se for aprovado por maioria simples, o parecer da CCJ é encaminhado ao Plenário da casa legislativa. O candidato preciso do aval de 41 dos 81 senadores para se tornar ministro do Supremo.
De acordo com a PEC 275/2013, os postulantes a uma vaga na Corte Constitucional seriam selecionados a partir de listas tríplices elaboradas pela magistratura (feita pelo Conselho Nacional de Justiça), pelo Ministério Público (feita pelo Conselho Nacional do Ministério Público) e pela advocacia (feita pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil). Os candidatos precisariam da aprovação pela maioria absoluta dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado para ser nomeados para o tribunal pelo presidente do Congresso.
Em 2017, a PEC 275/2013 recebeu parecer favorável da relatora, a então deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ), filha de Roberto Jefferson, mas não chegou a ser votada pela Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania da Câmara.
Embora fosse perder o poder de indicar diretamente os ministros da corte, Bolsonaro, com a manutenção da maioria governista no Parlamento que detém hoje, conseguiria emplacar nomes de seu agrado. Caso a proposta fosse aprovada, o presidente controlaria seis nomeações em um segundo mandato — duas decorrentes das aposentadorias dos ministros Ricardo Lewandowski (em maio de 2023) e Rosa Weber (em outubro de 2023) e quatro geradas pela ampliação de integrantes do tribunal.
Dessa maneira, Bolsonaro poderia indicar oito dos 15 magistrados da Corte Constitucional, incluindo os ministros Nunes Marques e André Mendonça, que indicou para o STF em seu primeiro mandato.
Nossas notícias em primeira mão para você! Link do grupo MIDIA HOJE: WHATSAPP