03 de Junho de 2025

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opinião Domingo, 01 de Junho de 2025, 08:59 - A | A

Domingo, 01 de Junho de 2025, 08h:59 - A | A

RONDON X FAWCETT

O verdadeiro faroeste caboclo

*SUELME FERNANDES

 

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No livro E Fawcett Não Voltou (1944), do jornalista Edmar Morel, o autor menciona que a relação entre Cândido Mariano Rondon e Percy Fawcett era “pouco amistosa”.

 

E que esses embates teriam surgidos entre os anos de 1908 e 1910, nas comissões demarcatórias de fronteira entre Brasil, Peru e Bolívia, ocasião em que ambos foram convocados para definir as fronteiras geográficas desses países. As divergências envolviam decisões logísticas, rotas e a segurança das missões.

 

Na década de 1920, o Brasil foi palco de um embate simbólico entre essas duas figuras monumentais, que representavam visões opostas sobre o país e seus mistérios: de um lado, a alma da terra, encarnada por Rondon; do outro, o olhar estrangeiro neocolonialista, sedento de glória, de Fawcett.

 

O encontro entre os dois antagonistas foi viabilizado por ninguém menos que o presidente da República, Epitácio Pessoa.

 

Ao apresentar Fawcett a Rondon, o presidente argumentava que o explorador inglês trazia consigo um plano ousado para revelar uma imensa riqueza escondida no coração do país.

 

No livro de Morel é apresentada uma entrevista com o próprio Rondon que afirmou:

 

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“Falei como soldado e sertanista. Disse-lhe que, para se fazer explorações no Brasil, não precisávamos de estrangeiros, pois quaisquer nacionais, fossem da Marinha, do Exército ou civis, estavam aptos a um empreendimento daquela monta. A minha resposta chocou o Cel. Fawcett.”

 

Como saída diplomática, propôs-se que Fawcett se unisse a uma comissão brasileira composta por oficiais do Exército. Mas o britânico recusou terminantemente: “Quero seguir sozinho! Uma viagem com muita gente tem os seus inconvenientes…”

 

Rondon, convicto e movido por profundo patriotismo, manteve sua posição: “Fiel ao meu ponto de vista em defesa dos supremos interesses do país, teimei pela organização de uma caravana nacional…”

 

Fawcett insistiu: “Se não puder ir sozinho, não seguirei!”

 

Apesar da resistência de Rondon, o governo cedeu à pressão diplomática do embaixador britânico Ralph Paget. O presidente autorizou que Fawcett entrasse nas selvas com apenas dois acompanhantes.

 

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O experiente sertanista Rondon considerou uma temeridade, uma afronta à lógica e à prudência.

 

A decisão política foi acompanhada de um gesto ainda mais simbólico e doloroso: o governo brasileiro concedeu a Fawcett uma subvenção de sessenta contos de réis, sob responsabilidade do Ministério das Relações Exteriores.

 

Enquanto isso, o capitão Ramiro Noronha, da Expedição Rondon, responsável pelos trabalhos de levantamento topográfico, desbravamento e mapeamento completo do rio Kuluene, desde suas cabeceiras até a confluência com o rio Kuriseu justamente no Xingu, de 410 quilômetros por entre selvas e pântanos, recebeu apenas vinte contos.

 

O contraste gritava, injusto e revelador.

 

Alguns meses após a partida de Fawcett em sua primeira incursão em 1920, os temores de Rondon se confirmaram.

 

Acampado no Córrego do Espraiado, a poucas léguas de Cuiabá, o general viu um grupo de três homens se aproximar pela estrada. Um deles, barbudo e exausto, era Fawcett. “O velho militar foi ao encontro do viajante, saudando-o com um alegre ‘Bem-vindo seja…’”

 

Fawcett confessou o fracasso da primeira tentativa de encontrar Z: “Não consegui muita coisa, general! Muita chuva… Também os Bacairi não fizeram nada por mim… Pretendo voltar brevemente para reiniciar meus trabalhos…”

 

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 Fawcett em uma das explorações 

 

Rondon não se surpreendeu. Em telegrama enviado ao capitão Amilcar Botelho, chefe do Escritório Central da Comissão de Linhas Telegráficas, relatou o colapso da expedição: “A expedição do coronel Fawcett foi desbaratada em pleno chapadão pelas chuvas de novembro. […] Aqui está de volta, magro e acabrunhado, por ter sido forçado a bater em retirada, antes de entrar no duro da exploração…”

 

E concluiu: “Lamento não ter o governo organizado a Expedição Brasileira que devia acompanhar o inglês. Teria assim Fawcett apôio firme para varar o sertão bruto…”

 

O inglês, militar que lutou na Primeira Guerra Mundial, com várias experiências exploratórias pelo mundo afora e na Amazônia peruana, não aceitava as orientações do sertanista brasileiro descendente de índios, homem da terra, da ciência e do povo.

 

Aliás, alguns pesquisadores de Rondon afirmam que ele não foi laureado com o Nobel da Paz, ao qual foi indicado duas vezes, justamente por preconceito racial, e não por falta de mérito.

 

Na segunda tentativa, em 1925, ainda menosprezando os conselhos de Rondon, Fawcett partiu novamente. Nunca mais voltou. E seu paradeiro, até hoje, permanece como um dos maiores mistérios da história, não apenas do Brasil, mas do mundo.

 

O Xingu era explorado desde o viajante Príncipe Adalberto da Prússia em 1852 e do alemão Karl von den Steinen nos anos de 1884 e 1887, mas foi em 1925 que foi finalmente cartografado, mesmo ano que Fawcett sumiu, pelo Capitão Ramiro Noronha que apresentou todas as cartas geográficas da região e apontamentos sobre etnias, desvendando em definitivo todos os mistérios do Xingu.

 

Rondon, “rei do sertão brasileiro” contava esse acontecimento nas rodas de conversa, como exemplo de nacionalismo pátrio, pois o Brasil, segundo ele, só pode ser conhecido cientificamente de dentro pra fora e por seus próprios desbravadores e cientistas.

 

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*Suelme Fernandes Mestre em História e Membro do IHGMT.

 

 

 

 

 *Os artigos são de responsabilidade seus autores e não representam a opinião do Mídia Hoje.

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