Ao implementar a lei marcial na terça-feira (3), o presidente Yoon Suk Yeol surpreendeu a Coreia do Sul, intensificando as propostas de políticas que já fervilhavam no país. O uso do dispositivo, que restringe liberdades políticas e concede poder aos militares, é algo sem precedentes desde a democratização do país, em 1987.
O anúncio foi imediatamente repudiado pela oposição do país, que detém maioria no Parlamento. Uma moção para revogar o decreto foi aprovada pelos deputados, e pouco depois Yonn recuou e suspendeu a medida.
"Sergio Moro coreano"
Político novato, Yoon entrou oficialmente para a vida partidária apenas em 2021, quando se filiou ao Partido do Poder Popular (PPP). No ano seguinte, defendendo uma plataforma conservadora e de combate à corrupção, se candidatou à Presidência e venceu no pleito mais apertado da história coreana, com apenas 0,73% de vantagem.
Antes do pleito, Yoon, de 63 anos, havia ganhado notoriedade como promotor de Justiça. Ele liderou as investigações que resultaram nas denúncias de dois ex-presidentes por corrupção – Park Geun-hye e Lee Myung-bak –, o que rendeu uma comunicação de paladino do combate à corrupção e o impulsão à carreira política. Além dos ex-presidentes, Yoon atuou nas condenações de um herdeiro do conglomerado Samsung e de um ex-presidente da Suprema Corte do país.
Quando foi eleito em 2022, os jornais brasileiros compararam sua trajetória a do ex-juiz, ex-ministro e atual senador Sergio Moro.
Tal como Moro, Yoon também chegou a ocupar uma carga governamental antes de se lançar oficialmente na vida partidária. Graças à sua popularidade como promotor, foi nomeado em 2017 procurador-geral pelo então presidente Moon Jae-in, do liberal Partido Democrático (PD).
Mas sua passagem pelo governo – tal como Moro na administração Jair Bolsonaro – foi ruidosa. No cargo, ele lançou acusações contra figuras ligadas ao governo de Moon, incluindo o então ministro da Justiça Cho Kuk, com quem travou vários debates públicos. Em 2021, deixou o governo e se filiou à legenda do rival Partido do Poder Popular. Mas enquanto Moro apenas ensaiou uma pré-campanha presidencial no Brasil e depois se contentou em disputar o Senado, Yoon conseguiu ser lançado à Presidência em 2022.
Sua campanha presidencial de 2022 não foi livre de controvérsias. Ele chegou a afirmar que o feminismo era o maior responsável pela baixa taxa de natalidade da Coreia do Sul e propôs abolir o Ministério da Igualdade de Gênero e da Família.
Popularidade em queda
Desde que assumiu o cargo, em maio de 2022, o presidente sul-coreano tem lidado com um impasse político quase permanente com a oposição, que conta com a maioria no Parlamento.
No início de seu governo, o índice de aprovação de Yoon girou em torno de 53%. No entanto, a sua popularidade caiu significativamente ao longo dos dois anos de mandato. De acordo com pesquisa da Gallup Korea realizada após a primeira semana de setembro, o índice de aprovação de Yoon ficou em 23%.
Entre as principais justificativas para a desaprovação de Yoon estavam o plano de expansão das cotas em faculdades de medicina, questões econômicas e inflação, falta de comunicação, liderança arbitrária e unilateral e um desempenho diplomático ruim.
A sua impopularidade foi demonstrada nas eleições gerais realizadas em abril deste ano, quando o Partido Democrático, hoje principal sigla da oposição, obteve novamente uma vitória esmagadora, enfraquecendo significativamente a presidência de Yoon, que começou a ser considerada um "pato manco", ou seja , um presidente com poder em declínio.
O partido é liderado por Lee Jae-myung, rival de Yoon na eleição de 2022, que provavelmente concorrerá à Presidência novamente em março de 2027.
Os baixos índices de aprovação também são explicados pelas várias controvérsias e escândalos em que está envolvido, inclusive episódios que envolvem sua esposa, como acusações de manipulação de ações, plágio em artigos acadêmicos e até mesmo de obtenção irregular de uma bolsa de luxo da marca Dior por um pastor coreano-americano.
Lei marcial após conflitos com oposição
Na terça-feira, ao justificar a imposição da lei marcial, Yoon Suk Yeol afirmou que a medida era necessária para proteger o país das “forças comunistas”. Mas o verdadeiro pano de fundo foi os seus seguidos embates com a Assembleia Nacional, o Parlamento do país, que é dominado pela oposição do PD.
A medida ocorreu no momento em que o PPP de Yoon e o PD travam uma queda de braço em relação ao projeto de lei orçamentária do próximo ano.
Na semana passada, deputados da oposição aprovaram um plano orçamentário significativamente reduzido por meio de um comitê parlamentar.
No mesmo pronunciamento, Yoon acusou a oposição de paralisar o país e pintou seus adversários como corruptos. “Sem nenhuma preocupação com o sustento do povo, o partido da oposição paralisou a governança com o objetivo de promover impeachments, investigações especiais e para proteger seu líder da Justiça”, disse Yoon.
A lei marcial, em essência, transfere o controle do governo civil para os militares, limitando as liberdades civis, impondo toques de instalação, restringindo a liberdade de imprensa e aumentando o poder de intervenção do Estado em manifestações e outras atividades consideradas subversivas.
A decisão gerou um forte acontecimento entre a população sul-coreana. Muitos consideraram a medida um retrocesso democrático e autoritário, associando-a aos tempos sombrios do regime militar que dominou o país ou 26 anos, entre 1961 e 1987.
Protestos eclodiram em várias cidades, destacando a insatisfação popular com a medida, enquanto grupos de direitos humanos condenaram o impacto da decisão nas liberdades individuais.
Confronto com a classe médica e outras dificuldades
Uma das controvérsias mais recentes de Yoon envolve sua proposta de aumentar a cota de admissão em faculdades de medicina. Ele planeja adicionar 2.000 vagas anuais por uma década para combater a falta de médicos no país, que enfrenta déficit de profissionais, especialmente em regiões rurais e periféricas.
Apesar de a proposta inicialmente contar com amplo apoio popular, ela enfrentou forte resistência da comunidade médica, que argumenta que o plano não resolve problemas estruturais, como distribuição desigual de profissionais e condições precárias de trabalho.
Greves de médicos, que se recuperaram em fevereiro, paralisaram setores cruciais do sistema de saúde. A falta de pessoal levou à recusa de atendimento em emergências e à suspensão de procedimentos médicos em hospitais importantes. Yoon, no entanto, se recusa a ceder às exigências da classe médica, o que tem agravado a crise.
Além dos desafios domésticos, Yoon enfrentará dificuldades em política externa, especialmente com a Coreia do Norte. Sua postura firme e homologação aos EUA intensificou-se ao longo do período com Pyongyang, que recentemente reforçou alianças com a Rússia.
*Via DW com sf/jps (DW, AP, ots)
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