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Sábado, 28 de Junho de 2025, 07h:28 - A | A

MENOS FILHOS

Queda da taxa de fecundidade coloca o Brasil diante de dilemas

Redação

 

 

Secom/MT

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Ter filhos é algo que não está nos planos de Ana Flávia Yarid, de 38 anos. Um gerente de contratos conta que ser mãe nunca foi um sonho para ela, e essa hipótese se levou em definitivo nos últimos anos devido ao seu estilo de vida como nômade digital.

 

“Sempre tive o sonho de conhecer o mundo, há alguns anos abri a mão do meu apartamento, comecei um trabalho remoto e a viajar por diversos países. Foi nas viagens que percebi que a maternidade realmente não se encaixava na minha vida”, diz.

 

Mulheres como Ana Flávia, que optam por não terem filhos, são cada vez mais comuns. A prova disso é que a taxa de fecundidade no Brasil atingiu o menor patamar já registrado: 1,55 filho por mulher, segundos dados do Canso 2022 divulgados na sexta-feira (27/06).

 

O número de nascimentos vem caindo ano a ano. Um levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com base nos registros cartorários de 2023 aponta que aquele ano foi o quinto consecutivo de redução do número de recém-nascidos: 2,52 milhões, 0,7% a menos que no ano anterior.

 

Em relação à média registrada nos cinco anos anteriores à pandemia de covid-19, de 2015 a 2019, o número de nascimentos em 2023 foi 12% menor. Na série histórica divulgada pelo IBGE, o número de nascimentos em 2023 foi o menor desde 1976.

 

Com isso, a taxa de fecundidade do Brasil se aproxima de um patamar semelhante ao de países europeus, nos quais o envelhecimento populacional desafia sistemas previdenciários e de saúde. Na União Europeia, a taxa foi de 1,38 filho por mulher em 2023. 

 

A projeção é que o crescimento da população brasileira deverá se estagnar em 2041, com um pico de cerca de 230 milhões de habitantes, e entrar em declínio a partir daí. Em 2070, o país deverá ter cerca de 199 milhões de pessoas, número inferior ao atual, e 1,5 milhão de nascimentos ao ano.

Por que a população está encolhendo

 

A tendência está relacionada a uma série de transformações sociais, econômicas e demográficas que o país vem enfrentando e que se aprofundarão nas próximas décadas. 

 

Entre os principais fatores que influenciam a queda na taxa de fecundidade, estão a maior inserção da mulher no mercado de trabalho, o alto custo de vida, o maior acesso a meios contraceptivos e também a maior autonomia das pessoas para investir em projetos pessoais que não incluam filhos.

 

"Na sociedade moderna, ter filhos é muito caro e exige gastos como educação, lazer e alimentação. Aliado a isso, as pessoas passam a ter outros desejos de consumo como casa, bens, lazer, entre outros. Então as famílias ponderam isso e estão buscando ter menos filhos para ter melhor qualidade de vida", diz Alisson Flávio Barbieri, professor de demografia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

 

Foi justamente a questão financeira que fez a jornalista Bruna Nascimento, de 34 anos, optar por ter “apenas” dois filhos. Ela afirma que sempre sonhou em ser mãe e ter uma casa cheia de filhos – ela gostaria de ter ao menos quatro – mas o alto custo de vida e a falta de uma rede de apoio próxima a fez mudar de ideia. 

 

"É muito caro viver em São Paulo. Mesmo no interior o custo de vida é alto. Hoje me vejo diante de escolhas no planejamento familiar: ou ter mais filhos ou planejar outros sonhos, como casa e viagens. Como já tenho dois, escolhi seguir outros sonhos. Brinco que se ganhasse na loteria eu teria mais dois filhos", diz.

 

Bruna Nascimento com seus dois filhos
Bruna Nascimento queria ter pelo menos quatro filhos, mas custo de vida a fez ter apenas dois / Foto: Arquivo Pessoal

 

Além do número de filhos, a idade das mulheres no momento da maternidade também vem mudando. Em 2000, a idade média de fecundidade era de 26,3 anos. Em 2020, subiu para 26,8 anos, e em 2022 foi de 28,1 anos, segundo o último Censo. O adiamento está relacionado ao desejo de estabilidade financeira, à conclusão dos estudos e à busca por crescimento profissional. 

 

Previdência e saúde pública sob pressão

 

Daqui a duas décadas, projeta-se que haja mais pessoas com 65 anos ou mais do que crianças e adolescentes com menos de 15 anos no Brasil. Um cenário que impõe desafios de médio e longo prazo, principalmente para os sistemas de previdência social e de saúde pública, que precisarão se adaptar a uma população mais velha e com menos contribuintes ativos.

 

O sistema previdenciário brasileiro, que funciona com base em um modelo de repartição, no qual as contribuições dos trabalhadores ativos financiam os benefícios dos aposentados e pensionistas, provavelmente terá que passar por adequações para que sigam funcionando com menos mão de obra ativa.

 

“Há uma necessidade de readequação no sistema de saúde para lidar com comorbidades típicas da população envelhecida, como doenças crônicas. Precisará de mais profissionais capacitados e equipamentos para isso”, afirma Barbieri. Por outro lado, diz, haverá menos crianças nas escolas públicas, aumentando o número de vagas permitidas.

 

Mas nessa jornada o Brasil ainda terá muito a aprender com países de baixa taxa de natalidade, como o Japão, que tem taxa de fecundidade de 1,15 por mulher. "É um país rico e tecnologicamente avançado, com uma elevada expectativa de vida ao nascer, com um sistema educacional de alta qualidade, com baixas taxas de mortalidade por causas externas como acidentes de trânsito e homicídios e que tem mantido o crescimento da renda per capita mesmo com o decrescimento populacional", diz.

 

O lado positivo da queda populacional

 

José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e pesquisador intermediário do IBGE, afirma ver aspectos positivos nessa tendência.

 

“A redução do contingente de pessoas na base da pirâmide favorece a ampliação das matrículas escolares, a melhoria da qualidade do ensino, os cuidados com a saúde e a inserção produtiva no mercado de trabalho”, diz. “As gerações menores facilitaram o processo de adaptação às consequências da crise climática e ambiental que deve se agravar nas próximas décadas e séculos.”

 

Ele avalia que o envelhecimento populacional não deve ser visto apenas como um obstáculo, e também pode gerar fatores positivos "se as políticas públicas, a iniciativa privada e a sociedade civil abandonarem a percepção de que a população idosa é um fardo para o sistema produtivo". "O combate ao etarismo e o investimento no potencial das gerações com 50 anos ou mais são fundamentais para aproveitar uma base da economia prateada."

 

A economia prateada, embora ainda em processo de consolidação como conceito, refere-se ao conjunto de atividades econômicas relacionadas à população idosa, considerando seu consumo, trabalho e contribuição social. 

 

Ele aponta que o investimento em tecnologia e automação pode ajudar a aumentar a produtividade econômica, transformando setores, criando novas oportunidades e compensando a deficiência de mão de obra. “Por exemplo, a inteligência artificial pode automatizar tarefas repetitivas e rotineiras, liberando os trabalhadores humanos para focar em tarefas mais complexas e de maior valor agregado”, diz.

 

Já nos cuidados de saúde e na assistência aos idosos, onde a demanda aumentou devido ao envelhecimento populacional, a tecnologia poderia ajudar no diagnóstico precoce de doenças, monitoramento de pacientes e administração de medicamentos, reduzindo a carga sobre médicos, enfermeiros e cuidadores, afirma.

 

“Mas para garantir que os avanços tecnológicos beneficiem a maioria da população e não apenas uma elite, é importante garantir o funcionamento de instituições fortes e inclusivas, possibilitando que uma menor taxa de fecundidade garanta um futuro mais próspero e equitativo para todas as pessoas”, finaliza Alves.

 

*Via DW

 

 

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