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geral Sexta-feira, 19 de Julho de 2024, 06:00 - A | A

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DEU EM AGÊNCIA ALEMÃ

Pesquisador defende resgate do "conhecimento tradicional do pantaneiro" no combate ao fogo

Redação

 

Foto: Gustavo Figueroa/SOS Pantanal

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Répteis, como jacarés, estão entre os principais animais mortos encontrados

 

 

Em uma manhã de sol forte no fim de junho, profissionais especializados em resgate de animais andaram 12 quilômetros pelo Pantanal atingidos por incêndios na região de Corumbá (MS). Duas horas após o início da caminhada em meio à fuligem e vegetação queimada, encontrei um grupo de macacos bugios com filhotes no alto de um ipê-roxo.

 

"A árvore pegou fogo, mas eles estavam bem no topo e se salvaram. Praticamente não tinham comida e nem se moviam", relatou a médica-veterinária Paula Helena Santa Rita.

 

Santa Rita ficou feliz ao encontrar os animais vivos. Mas logo senti um desespero: como conseguiria ajudar aqueles animais ariscos? Situações como essa se tornaram rotineiras na vida da médica-veterinária, bióloga e professora da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Ela é coordenadora operacional do Grupo de Resgate Técnico Animal Cerrado Pantanal (Gretap).

 

 

Vinculado ao governo do Mato Grosso do Sul, o Gretap é formado por órgãos governamentais, instituições privadas e entidades do terceiro setor. Surgiu em 2020, quando o Pantanal sofreu os maiores incêndios de sua história e pelo menos 17 milhões de animais morreram. Desde então o grupo vem salvando a fauna.

 

Em maio, a equipe forjada no fogo teve um novo desafio. Foi chamado pelo governo do Rio Grande do Sul para atuar no resgate de animais nas inundações que assolaram o estado. Em 18 dias, os sete membros do grupo que atuaram em solo gaúcho socorreram, atenderam, vacinaram ou deram comida para cerca de 5 mil animais, principalmente cães e gatos.

 

Voltaram do Sul com uma cuia de chimarrão e dez quilos de erva-mate, presente dos gaúchos. Chegaram em Mato Grosso do Sul no dia 2 de junho e, no dia 20, já estavam em campo novamente. Agora para monitorar, avaliar e resgatar os animais dos incêndios que mais uma vez assolam o Pantanal.

 

Animais mortos, bugios ilhados

 

temporada do fogo no Pantanal preocupa porque começou mais cedo e mais intensa neste ano. Considerando os primeiros seis meses, 2024 bateu o recorde de focos de incêndio em segundo lugar no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) – a medição ocorre desde 1998. Foram 3.538 focos, 39% a mais que no mesmo período de 2020. E a época mais crítica ainda está por vir, de agosto a outubro.

 

Walfrido Moraes Tomas liderou o estudo publicado na Scientific Reports que estimou em cerca de 17 milhões de animais vertebrados mortos diretamente pelos incêndios de 2020. De acordo com o pesquisador da Embrapa Pantanal, ainda não é possível estimar o impacto do fogo na fauna neste ano. “No entanto, sabemos que os incêndios causam impactos, como mortes diretas e indiretas pelo fogo, destruição de habitats naturais, esgotamento de recursos, aumento da predação, perda de ninhos”, explicou.

 

Santa Rita disse que a situação ainda não pode ser comparada a de 2020. Mas há muitos animais mortos, principalmente répteis, como cobras e jacarés, anfíbios, como sapos e rãs, e aves. Os bichos morrem incinerados, por excesso de calor ou mesmo pela inalação de fumaça.

 

No caso dos bugs encontrados no ipê-roxo no fim de junho, eles praticamente não tinham o que comer e poderiam ser vítimas de predadores. Uma família era formada por dois machos, três fêmeas e dois filhotes recém-nascidos. A informação de que os animais estavam em perigo foi dada por caçadores de iscas das matas pantaneiras.

 

Ao chegarem ao local, os especialistas avistaram os bugios. Com binóculos, drone e paciência, analisamos a situação. “Nós não derrubamos [capturamos] todos os animais que encontramos”, explicou Santa Rita. "A gente faz uma avaliação clínica e categorização do bicho. A proposta é entrevistar o mínimo possível na vida dos animais silvestres."

 

A conclusão foi de que a melhor estratégia seria fornecer alimentos, como frutas e leguminosas, e monitorar a situação desses animais por meio de armadilhas fotográficas. No fim de junho e início de julho, o Gretap atendeu de forma semelhante a outras três famílias de bugios. A equipe de sete profissionais, que se revezam de tempos em tempos, segue na região para avaliar a situação dessas e de outros animais.

Onças resgatadas em 2020

 

Neste ano, o Gretap não precisou capturar nenhum animal. Mas, às vezes, esse recurso é necessário, como ocorreu em 2020. Brigadistas que combateram o fogo viram uma onça-pintada debilitada e avisaram a força-tarefa. O grupo encontrou o animal e o inspirou durante 28 horas até ter certeza de que o atendimento seria necessário.

 

A onça havia se abrigado em uma casa abandonada, mesmo refúgio usado por outra onça. E além de precisarem socorrer os dois felinos, o rifle que usariam para sedar os animais falhou. Recorreram a uma zarabatana – uma arma onde o dardo é lançada por sopro.

 

Os animais foram transportados pela Força Aérea Brasileira para o Centro de Reabilitação de Animais Silvestres (Cras) em Campo Grande. Como havia apenas uma gaiola na aeronave, uma das onças – sedada – batida viagem nos pés de Santa Rita. Uma delas morreu, mas a outra se recuperou e foi reintroduzida na natureza. O projeto Felinos Pantaneiros monitorou o bicho por um ano e meio e descobriu que ele procriou com mais de uma fêmea e deixou filhotes.

 

Seres irracionais

 

Enquanto as mudanças climáticas causadas pelo homem geram extremos como incêndios e inundações, os desastres naturais também mostram os extremos da relação dos humanos com os animais. No Rio Grande do Sul, os membros da Gretap puderam perceber essa contradição.

 

Em uma das tentativas de resgate, encontrei um cachorro morto afogado que estava preso a uma corrente. “Não sei o que passa na cabeça do ser humano. Acho que o irracional somos nós”, refletiu Santa Rita.

 

Por outro lado, uma médica-veterinária ficou tocada pela história de uma senhora. Ela, junto com os filhos, teve que sair da casa inundada, mas não conseguiu levar o gato de encontro.

 

Tentou voltar algumas vezes à residência, mas não conseguiu encontrá-lo. Até que encontrei a equipe do Gretap. Uma médica-veterinária especialista em pequenos animais conseguiu resgatar o bicho, assim como outros quatro animais de seus vizinhos.

 

Resgate da cultura

 

Na avaliação de Walfrido Moraes Tomas, "houve uma melhoria substancial nas estratégias de combate aos incêndios" em relação a 2020. Mas na sua avaliação é preciso fortalecer a educação. "O fator humano é o desencadeador potencial de incêndios. Neste sentido, é o ponto mais crítico dos fatores que interagem para resultar em incêndios catastróficos. É onde a atuação das instituições públicas e privadas deve ser mais fortalecida, de formar a sensibilizar as pessoas quanto aos efeitos e custos do fogo errado e do combate aos incêndios”.

 

Segundo Tomas, tanto as cheias quanto o fogo são importantes no Pantanal. Mas o pesquisador defende o resgate da cultura pantaneira. "É preciso resgatar o conhecimento tradicional do uso do fogo, que está sendo perdido. Trata-se da queima 'no cedo' (ao final das chuvas, com a vegetação campestre ainda verde) ou 'no tarde' (após as primeiras chuvas no final do ano), bem como queima de macegas e campos, nunca florestas."

 

Tomas disse admirar o trabalho do Gretap. "É preciso esclarecer o público que é humanamente impossível atender animais atingidos em uma escala como a dos incêndios no Pantanal. A parcela atendida pode ser ínfima em relação à dimensão da tragédia, mas ele se reveste de um componente ético fundamental. Atender animais feridos nos incêndios , o máximo que a capacidade permite, é louvável e merece todo apoio."

 

Santa Rita vê a atuação da equipe como um trabalho de formiguinha perto da destruição que o Pantanal vive. Ela espera que a maior colaboração das instituições públicas e privadas neste ano dê resultado. “Mas estamos nos organizando para minimizar o impacto e tentar conservar o máximo a biodiversidade desse bioma”, disse. "Se um filhote, como o bugio, chegar na fase adulta e se reproduzir, nós ganhamos. Resgatar os animais é salvar o futuro."

 

*DW

 

 

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