Foto: Marizilda Cruppe/Greenpeace Brasil

Incêndio Terra atinge Indígena Capoto-Jarina, no Mato Grosso, em setembro de 2024
Enquanto combatia focos de incêndio no segundo semestre deste ano, Cleber Oliveira Martins Javaé, de 36 anos, costumava receber ligações e vídeos de caciques que estavam em outras regiões da Ilha do Bananal, no Tocantins. Eles pediram socorro porque o fogo se aproximava de suas aldeias e casas. “Alguns usavam até baldes de água para tentar combater as chamas”, relatou o indígena.
Atuando como chefe da Brigada Javaé, do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo) do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o indígena contornou que sua equipe não conseguiu dar o suporte adequado devido à grande quantidade de incêndio.
Na Ilha do Bananal estão as terras indígenas Parque do Araguaia e Inãwébohona, a primeira e a quarta que mais sofreram com os incêndios neste ano, de acordo com o Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Juntas, elas somaram pouco mais de um milhão de hectares queimados. “Por onde andei, vi um rastro de destruição”, descreveu Martins Javaé.
Desde 2012, primeiro ano de monitoramento do Lasa, as terras indígenas da Amazônia, Pantanal e Cerrado nunca foram tão queimadas. Foram 5,9 milhões de hectares incendiados, uma área maior que o estado da Paraíba – representando cerca de 18% dos 32,9 milhões de hectares incendiados nos três biomas.
Mudanças climáticas, secas, avanços agropecuários e de garimpos e falta de prevenção por meio do Manejo Integrado do Fogo (MIF) são algumas razões por trás desse cenário em 2024.
Incêndios Criminosos
Diversos fatores explicam por que o fogo castigou as terras indígenas, de acordo com Lívia Moura, doutora em Ecologia pela Universidade de Brasília (UnB) e assessora técnica do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN).
“Os territórios indígenas têm mais vegetação nativa, muitas delas inflamáveis. Então é onde existe o que queima”, aponta.
As mudanças climáticas, por sua vez, agravam a seca e a propagação dos incêndios, são geradas de forma intencional ou acidental pelos seres humanos – o fogo causado por eventos naturais é praticamente inexistente no Brasil. Isso tem dificultado a manutenção das práticas tradicionais de uso do fogo pelas comunidades indígenas.
"Ainda não se tem respostas para como se adaptar a essas mudanças climáticas para não gerar incêndios a partir das queimadas controladas que eles fazem. Muito fogo que era seguro fazer em determinada época, hoje acaba se transformando em um incêndio por conta dessas mudanças", explica um especialista.
A maior parte dos incêndios, no entanto, é de origem criminosa. "Os indígenas são os principais prejudicados quando ocorre um incêndio. São pessoas mal-intencionadas que geram esses incêndios crimes. São preconceituosas e politicamente contra os povos indígenas, não respeitam a cultura indígena ou as terras indígenas, ou querem expandir suas áreas agrícolas e pecuárias ", alerta Moura.
Fogo da agropecuária e do garimpo
A realidade descrita por especialista é encontrada na Ilha do Bananal, uma região na confluência dos biomas Amazônia, Pantanal e Cerrado. De acordo com o brigadista Martins Javaé, a seca nunca foi tão grande, deixando sem água lagos que jamais secaram. Segundo o indígena, no entanto, a maioria dos incêndios começa em áreas do retiro, locais usados por criadores de gado.
"Quando fizemos a leitura dos focos de calor com imagens de satélite da Nasa e colocamos nos mapas da ilha fornecidos pelo Ibama, vimos que a maioria dos focos surgiram próximo a retiros, onde os criadores de gado usam o fogo para renovar a pastagem. É uma realidade muito triste", diz.

A Terra Indígena Kayapó, no Pará, a segunda mais afetada por incêndios no Brasil, também sofreu com o fogo gerado não por indígenas, mas por garimpeiros. De acordo com a análise do Greenpeace Brasil feita por meio de imagens de satélite, as áreas em que os focos de calor se concentram estão sobrepostas ou muito próximas a locais de garimpo abertos recentemente.
"Vamos levar 30 anos para esse mato crescer e voltar ao normal. Mas, do jeito que está queimando todo ano, daqui um pouco vai ter só capoeira [termo tupi que designa terreno secundário que nasce no local de telhado cortado]", analisou o cacique Kayapó Megaron Txucarramãe, após sobrevoar as áreas junto com o Greenpeace no fim de setembro.
Proteger o patrimônio mundial
Jorge Eduardo Dantas, porta-voz da Frente de Povos Indígenas do Greenpeace Brasil, destaca que proteger as terras indígenas é uma tarefa da sociedade.
"Estamos falando em manter a integridade e a saúde de um patrimônio mundial. É para permitir que os povos indígenas vivam com suas tradições, mas também para proteger nossa biodiversidade, para ajudar no combate às mudanças climáticas", diz.
Para Dantas, a estrutura de combate aos incêndios florestais no Brasil hoje é insuficiente. "Precisamos, por exemplo, de brigadas aéreas preparadas para atuar nos mais diversos territórios. Estamos em um cenário de mudanças climáticas, onde os eventos extremos vão se tornar mais intensos e frequentes. Precisamos mudar a forma como enfrentamos esse problema."
O auge do fogo nas terras indígenas ocorreu entre agosto e outubro. A pergunta agora é como enfrentar os próximos eventos extremos de incêndio.
Manejo do fogo
O Ibama afirmou, por meio de nota, que o Prevfogo intensificou as operações em terras indígenas neste ano. Disse que há 105 brigadas em operação, totalizando 2.215 brigadistas, grande parte (52%) formada por indígenas e quilombolas.
"O governo federal reforçou a estrutura de combate ao fogo com a sanção da Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo [MIF]. Essa medida regulamenta o uso do fogo em atividades controladas e proíbe sua utilização para desmatamento em áreas de vegetação nativa. Além disso , três bases interfederativas foram criadas na Amazônia, fortalecendo a integração entre União e estados", disse o Ibama.
Segundo o órgão, o MIF foi ampliado em diversas terras indígenas, com o objetivo de mitigar o impacto das queimadas. A reportagem perguntou quantas e quais TIs tiveram o manejo, mas não obtive resposta.
De acordo com Moura, nas terras indígenas onde está sendo aplicado o MIF os incêndios foram muito menores. "Por que nós não conseguimos enxergar isso no contexto nacional? Porque são poucas as terras que fazem o manejo. E não é de um ano para outro que vai haver diferença. São anos de trabalho. Isso começou nas terras indígenas em 2015. É recente , mas já temos resultados bastante positivos”, diz o especialista.
A importância das brigadas
Para que seja feito o manejo, é preciso garantir o fortalecimento das brigadas florestais, sejam contratadas pelos governos, sejam comunitárias ou voluntárias. Os brigadistas do PrevFogo são contratados de forma temporária, muitas vezes dificultando a prevenção.
Martins Javaé, por exemplo, foi contratado em junho e praticamente não teve tempo de trabalho com a prevenção, como conscientização da população, construção de aceiros – que são barreiras naturais contra o fogo – e queima prescrita. Ele também disse que o número de brigadistas caiu neste ano para 17, sendo que já chegou a 35 em outros anos.
Quando concedeu entrevista à DW Brasil, Martins Java estava na expectativa de renovação de seu contrato, que terminaria em 30 de novembro. Seu plano era trabalhar agora com a prevenção de incêndios, participando na educação ambiental, conscientização da comunidade e reflorestamento de áreas degradadas.
“Infelizmente, o contrato não foi renovado”, disse à reportagem em dezembro. De acordo com o indígena, nenhum contrato das brigadas da Ilha do Bananal foi renovado. "Torço para que no futuro possamos ter uma atenção maior."
*Via DW
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