A morte do pastor Anderson do Carmo, em 16 de junho do ano passado, foi o desfecho de um plano que começou a ser tramado dentro de sua própria família mais de um ano antes de seu assassinato. Nesse enredo, envolvendo traições e tentativa de envenenamento, a personagem principal foi a mulher da vítima, a deputada federal Flordelis do Santos, apontada como responsável não apenas por arquitetar a morte do marido, como também de convencer e arregimentar outros integrantes da família para sua empreitada.
O plano começou a ser executado, de acordo com as investigações, com tentativas de envenenar Anderson. Em um intervalo de cinco meses, ele precisou ser atendido em uma emergência médica pelo menos seis vezes, de acordo com dados da investigação obtidos pelo EXTRA. A primeira delas, em 6 de maio de 2018, 13 meses antes da execução a tiros. Sua queixa principal eram vômitos, problema que ele relatou ter relação com a quantidade de comida que ingeria. Não era para menos.
Os relatos de uma testemunha são de que veneno era colocado nos alimentos oferecidos à vítima. Nos últimos meses de vida, Anderson estava abatido e havia perdido bastante peso. Dizia que era estresse. Em 9 de outubro daquele ano, o pastor foi internado se queixando novamente de vômitos e diarreia. Ele relatou aos médicos que o atenderam que os problemas de saúde tinham se agravado após a eleição de Flordelis ao cargo de deputada, o que havia ocorrido dois dias antes. Para a polícia, o grupo que tentava matar Anderson ficou mais confiante após a votação, já que a pastora tinha sido eleita. E, com isso, o plano de executá-lo ganhou mais força, sendo possível que as doses de veneno ministradas tenham aumentado.
Na internet, duas filhas de Flordelis fizeram pesquisas sobre o uso de venenos. Uma delas procurou sobre o uso de cianeto e a outra, fez buscas por “veneno para matar que seja legal”, entre outras pesquisas, como “assassino onde achar”. Para um perito do Ministério Público estadual que analisou os prontuários de Anderson em um laudo médico legal, a vítima foi envenenada com arsênico.
O perito chegou à conclusão principalmente ao analisar os sintomas apresentados por Anderson, que ainda ressalta, em seu parecer, que o arsênio é um pó branco, fino, quando sem cheiro e gosto, que pode ser misturado aos alimentos e bebidas sem que seja notado.
Depoimentos de testemunhas relatam que os envenenamentos chegaram a fazer ao menos duas “vítimas colaterais”. Duas pessoas da família, que residiam na casa de Flordelis, passaram mal após consumirem alimentos destinados ao pastor. Uma delas chegou a ficar internada por cinco dias.
Outra testemunha também relatou que em determinada ocasião Simone dos Santos, uma das filhas de Flordelis que fez a busca por venenos na internet, admitiu que era a responsável por Anderson passar mal. “Mas ele não morre não. Ele é ruim de morrer”, teria dito Simone.
Evolução dos planos após a eleição
Após as tentativas de envenenamento frustradas do pastor, o grupo decidiu partir para um plano mais ousado — o de assassinar a vítima forjando um assalto, como o que tentaram simular no dia de sua morte. Um diálogo entre Flordelis e em de seus filhos, em dezembro de 2018, demonstra que as tentativas de acabar com a vida do pastor ainda não tinham se encerrado.
Durante a conversa, a pastora e André conversam sobre o pagamento do plano de saúde, que Anderson desejava que ficasse a cargo de cada filho. Ambos demonstram descontentamento com a postura do pastor e Flordelis diz que encontraria “um jeito, uma saída”. “Fazer mais o quê? Já que separar eu não posso porque não posso escandalizar o nome de Deus. Isso não”, escreve ela.
Em outra conversa com o mesmo filho, Flordelis faz um apelo e chama o marido de traste: “André, pelo amor de Deus. Vamos por um fim nisso. Me ajuda. Cara, estou de pedindo, te implorando. Até quando vamos ter que suportar esse traste no nosso meio? Falta pouco”.
Antes da execução, em 16 de junho, foram duas tentativas de forjar que o pastor tinha sido vítima de um assalto. Uma delas foi planejada para uma ocasião em que Anderson foi comprar um carro em uma loja no Rio. A intenção era matá-lo no caminho de volta para casa, em Niterói.
A segunda ocorreu cerca de um mês antes do assassinato de Anderson. Na ocasião, um pistoleiro contratado pela família chegou a ir até a porta do Ministério Flordelis, em Pendotiba, mas acabou não finalizando o serviço.
Acusados
Flordelis foi denunciada por homicídio triplamente qualificado, tentativa de homicídio duplamente qualificado, falsidade ideológica, uso de documento falso e organização criminosa majorada. No entanto, sua prisão não foi pedido à Justiça porque a pastora possui imunidade parlamentar. Como deputada, ela só pode ser presa em flagrante por crime inafiançável
Foram presos pelo crime nessa segunda-feira: Marzy Teixeira da Silva (filha afetiva); Simone dos Santos Rodrigues (filha biolõgica); André Luiz de Oliveira (filho afetivo); Carlos Ubiraci Francisco Silva (filho adotivo); Adriano dos Santos (filho biológico); Rayane dos Santos Oliveira (neta) e Andreia Santos Maia (mulher do ex-policial).
Além dos cinco filhos e da neta da deputada presos ontem, outros três denunciados por envolvimento no crime já estavam atrás das grades: Flavio dos Santos Rodrigues (filho biológico), Lucas Cezar dos Santos (filho adotivo) e Marcos Siqueira (ex-policial);
Os cinco filhos de Flordelis presos na segunda-feira foram transferidos à noite da DHNSGI para o presídio José Frederico Marques, em Benfica, na Zona Norte do Rio.
Até agora, o MPRJ já apresentou denúncia contra 11 pessoas por suspeitas de envolvimento no caso.
Assassinado na garagem de casa
O pastor Anderson do Carmo foi assassinado a tiros na garagem de sua casa em Pendotiba, Niterói. Horas após o crime, Flordelis concedeu uma entrevista afirmando que seu marido tinha sido vítima de latrocínio (roubo com resultado morte), versão que ela sustentou até o último depoimento prestado à polícia, já em maio deste ano.
Essa possibilidade, no entanto, nunca convenceu a polícia. Ainda no enterro de Anderson, um dos filhos de Flordelis, Flávio dos Santos Rodrigues, foi preso suspeito de envolvimento na morte do padrasto. Àquela altura, Lucas Cézar dos Santos, filho adotivo da pastora e de Anderson também já estava preso. No dia seguinte ao crime, a DH já tinha indícios da trama familiar por trás do caso.
— Os indiciamentos são importantes na desconstrução da imagem de decência e pessoa caridosa, que vendia essa imagem para alcançar os objetivos — afirmou Sérgio Luiz Lopes Pereira, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MPRJ.
Para o delegado Allan Duarte, titular da Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí (DHNSGI), Flordelis dedicou sua vida a construir uma imagem que tinha como único objetivo chegar ao poder. A pastora ganhou fama como mãe de 55 filhos, ao adotar e acolher dezenas de jovens ao longo de mais de duas décadas. Em 2018, ela foi eleita deputada federal.
Ainda de acordo com o delegado, após o crime, todos os passos da “organização criminosa” comandada por Flordelis tinham o intuito de preservar a imagem da deputada. Duarte ressaltou que os depoimentos contraditórios da deputada ao longo das investigações foram indicativos muito importantes de sua participação no crime.
— Ao final das investigações, a gente chegou à conclusão de que não se tratava de uma simples família, mas de uma organização criminosa intrafamiliar.
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