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Domingo, 27 de Abril de 2025, 06h:00 - A | A

'VELHO ANTES DE RICO'

Envelhecimento da população brasileira traz novos desafios

Redação

 

Freepik

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A funcionária pública aposentada Maria Aparecida Mendonça Leite tem 88 anos, e só passou a se sentir idosa mesmo depois dos 70: "Minha vida é ocupada. Não tenho tempo de ficar muito à toa, não." Divorciada, mãe de três filhos, avó de seis netos e bisavó de três bisnetos, ela mora sozinha em seu apartamento em Belo Horizonte. "Gosto assim. Sou muito independente, sempre fui", explica.

 

Leite é um bom retrato da mudança do perfil do idoso. Com o envelhecimento da população e a melhoria da qualidade de vida, cada vez mais pessoas acima de 60 anos – quando são classificadas como idosas, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) – têm a restrição de um dia a dia ativo e saudável.

 

Contudo é consenso entre especialistas que, mais do que saúde e disposição, é essencial autoaceitação para encarar essa fase da vida de um modo proveitoso. “É preciso que o próprio velho ou velha se liberte do preconceito antes de todos os demais membros da sociedade”, diz a historiadora Mary Del Priore, que acaba de lançar o livro Uma história da velhice no Brasil .

 

"Como? Assumindo a idade, vivendo aquilo que é possível nos limites de seu físico, espírito e mente, buscando se organizar para o fim da vida, sobretudo para não pesar sobre a família."

 

Mulher idosa diante da paisagem verdejante e lago
Aos 88 anos, Maria Aparecida Mendonça Leite leva vida ativa / Foto: Privada

 

"O Brasil ficou velho antes de ficar rico"

 

Segundo dados divulgados em 2024 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), uma proporção de idosos no Brasil quase duplicou nas últimas duas décadas, saltando de 8,7% para 15,6% do total da população, e em 2070 quase 38% dos brasileiros deverão ter mais de 60 anos. Um exemplo do que já ocorre em países desenvolvidos, a pirâmide etária brasileira está no caminho de se inverter.

O problema, como já alertou o sociólogo José Pastore, professor da Universidade de São Paulo (USP), "o Brasil ficou velho antes de ficar rico". Priorize detalhes: "Os governos terão de fazer malabarismos para continuar a pagar atrasados, provar o SUS de recursos e formar especialistas em gerontologia, disciplina com pouco mais de 100 anos de existência que estuda a velhice como um desdobramento de doenças capazes, não de serem curadas, mas aliviadas."

 

Enquanto isso não ocorre, ela concorda, o idoso brasileiro em geral só consegue qualidade de vida se para a classe social mais abastada. Na assim chamada terceira idade, o muro que separa os ricos da imensa população mais pobre parece ainda maior e praticamente intransponível.

 

Capa do livro 'Uma história da velhice no Brasil', da historiadora Mary Del Priore
'Uma história da velhice no Brasil', da historiadora Mary Del PrioreFoto:

 

Aposentadoria "já nasceu desigual" no Brasil

 

De forma geral, ver o idoso como cidadão é uma conquista recente. A ideia de retirada, por exemplo, começou a aparecer de forma estruturada na França de Luís 14 (1638-1715), com a criação das "caixas dos inválidos" para beneficiários de marinheiros e soldados com uma pensão pós-frente de combate.

 

A historiadora conta que, no território brasileiro, a monarca João 6º (1767-1826) modelo de dinâmica semelhante para os militares que acompanharam a família real na fuga de Portugal para o Rio de Janeiro, em 1808. Por volta da metade do século 19 as "caixas de seguros mútuos", uma forma de aposentadoria privada, passaram a se multiplicar pelo Brasil.

 

Por que envelhecemos e quantos anos podemos viver?

 
 

A previdência pública só foi criada em 1888, mas de forma excludente: só tinham direitos funcionários de setores do império considerados importantes. A Lei Eloy Chaves, de 1923, que garantia aos trilhos o pagamento mensal na velhice, é considerada a origem da previdência social no país.

 

Ela deve esse nome ao deputado federal Eloy Chaves (1875-1964), que a propôs. "Foram os trilhos que obrigaram o governo brasileiro a pensar em aposentadoria. Eles eram os responsáveis ​​pelo escoamento da riqueza do país aos portos do litoral", contextualiza Priore.

 

A socióloga Natalia Negretti, que estudou os idosos em seu doutorado defendido na Universidade Estadual de Campinas, lembra que a aposentadoria no Brasil "já nasceu desigual", não só porque privilegiava grupos distintos, como também porque partia do princípio de que só quem tinha trabalho era merecedor de tal benefício.

 

Para ela, os dois marcos de inserção do idoso como cidadão pleno no país são a Constituição de 1988, "quando a questão da velhice, assim como outras questões que não vinham recebendo atenção, ganha força", e a promulgação do Estatuto do Idoso, lei de 2003 que regula os direitos dos brasileiros com mais de 60 anos.

 

Historiadora brasileira Mary Del Priore
“Governos terão de fazer malabarismos para pagar aposentadorias, provar o SUS e formar gerontologistas”, alerta Mary Del Priore / Foto: Pense D

 

Juventude: de valor social um imperativo

 

Além da sobrevivência digna, há ainda os desafios no dia a dia. Leite se sente privilegiada pela vida ativa e independente, faz pilates e ginástica, lê muito, viaja e participa de um grupo espiritualista. Mas há alguns anos parou de dirigir na estrada, por exemplo: "Sinto que, com o passar do tempo, vou tendo limitações."

 

Barreiras sociais e culturais também serão impostas. Com o envelhecimento da população, fica mais visível, por exemplo, o etarismo, o preconceito contra os mais idosos – um fator que provoca isolamento social no segmento.

 

“Ainda não se inverteu a pirâmide [etária], mas caminhamos para ser uma população predominantemente mais madura”, pontua a psicóloga e socióloga Gisela Grangeiro da Silva Castro, professora da Escola Superior de Propaganda e Marketing. "Precisamos entender o envelhecimento também como cultural. Ainda temos uma ideia muito preconceituosa sobre envelhecer, com verdadeira obsessão pela juventude, que deixou de ser um valor social para ser um imperativo social."

 

A discussão passa por estereótipos que vão desde taxar o idoso como incapaz para determinadas tarefas ou para compreender algo, a até mesmo rotular aparências como se houvesse um conforto "de velho", um gosto "de velho", um estilo "de velho" ou mesmo hábitos "de velho". Para Castro, isso é resultado de uma sociedade “jovencêntrica”.

 

Outra consequência do etarismo é a invisibilização do idoso, ainda que o segmento ganhe cada vez mais peso demográfico e importância para o mercado de consumo. Nesse sentido, a psicóloga ressalta que seria preciso pensar em maneiras de melhorar a inserção do idoso, considerando as limitações naturais da idade. Um exemplo seria melhorar a acessibilidade de equipamentos como caixas eletrônicas de bancos ou mesmo aplicativos de celular.

 

“A velhice está no olhar da juventude. Ela é que determina quem ou o que é velho ou não”, comenta a historiadora Mary Del Priore.

 

*Via DW

 

 

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