Por mais de um século, a localização estratégica e os ricos recursos naturais da Groenlândia a tornaram alvo das ambições dos Estados Unidos, atingindo seu ápice durante os anos da Guerra Fria – mas os líderes da ilha sempre resistiram a essas investidas.
De várias tentativas de compra de terras a negociações de bases militares, veja por que a Groenlândia continua sendo uma das ilhas mais cobiçadas do mundo nos dias atuais.
O fascínio dos Estados Unidos pela maior ilha não continental do mundo remonta ao final do século 19, quando o Secretário de Estado William Seward, após ter comprado o Alasca da Rússia por US$ 7,2 milhões em 1867, começou a observar a Groenlândia e a Islândia como possíveis territórios americanos.
Um relatório de 1868 encomendado por Seward – que também cobiçava o Canadá – apontava para a vasta pesca da ilha, a abundante vida animal e a “riqueza mineral” da Groenlândia. Uma aquisição da Groenlândia também poderia obrigar o Canadá (localizado entre o Alasca e a Groenlândia) a se tornar parte dos Estados Unidos, segundo o relatório.
Mas a Groenlândia, que é um território autônomo da Dinamarca, não é apenas uma faixa vazia de gelo. A ilha tem sido o lar de comunidades indígenas, predominantemente inuítes, há séculos. Essas comunidades prosperaram no rigoroso ambiente ártico da Groenlândia, desenvolvendo tradições centradas na pesca, na caça e nos laços estreitos com a terra.
O interesse inicial dos Estados Unidos ignorou amplamente essas comunidades, concentrando-se, em vez disso, na localização estratégica e nos recursos naturais da ilha –- uma tendência que continuaria por décadas.
“Tudo se resume a dois fatores: localização e minerais – e isso realmente não mudou”, diz Peter Harmsen, jornalista de Copenhague e autor do livro “Fury and Ice: Greenland, the United States and Germany in World War II”.
Embora a proposta de Seward tenha fracassado, o interesse persistiu. Em 1910, o então embaixador dos Estados Unidos Maurice Egan propôs uma negociação elaborada: o governo norte-americano trocaria as terras nas Filipinas pela Groenlândia e pelas Índias Ocidentais Dinamarquesas. Os dinamarqueses trocariam então as terras com a Alemanha. Mas, mais uma vez, os esforços fracassaram.
O papel da Groenlândia em tempos de guerra
A importância da Groenlândia ganhou destaque durante a Segunda Guerra Mundial. Depois que a Alemanha ocupou a Dinamarca em 1940, os Estados Unidos passaram a proteger a ilha de acordo com sua Doutrina Monroe, que advertia as potências europeias contra a expansão no hemisfério ocidental.
Em abril de 1941, os Estados Unidos assinaram um acordo de “Defesa da Groenlândia” com o embaixador dinamarquês, que concedeu ao país o direito de construir e acessar bases militares na ilha. Os depósitos de criolita da ilha, vitais para a produção de aeronaves, tornaram-se um recurso essencial.
As estações meteorológicas da Groenlândia também foram essenciais para a previsão das condições na Europa, auxiliando os planos dos Aliados. Depois que a Alemanha nazista se rendeu em maio de 1945, os dinamarqueses esperavam que as forças norte-americanas fizessem as malas e voltassem para casa. Mas eles queriam ficar no local.
“Era visto como algo tão importante para a segurança dos Estados Unidos que nós meio que nos fechamos um pouco”, diz o diplomata norte-americano aposentado Brent Hardt, agora membro sênior do German Marshall Fund of the United States.
Esforço pós-guerra para adquirir a Groenlândia
Após a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos voltaram sua atenção para uma nova ameaça em potencial: a antiga União Soviética. Em meio a uma Guerra Fria em formação, os oficiais militares e navais dos Estados Unidos perceberam a importância da localização da Groenlândia no Ártico como um ponto intermediário entre as duas grandes potências. Owen Brewster, ex-senador do estado do Maine, descreveu a compra da Groenlândia como uma “necessidade militar”. A Groenlândia também estava repleta de oportunidades de exploração e pesquisa.
Em 1946, John Hickerson, funcionário do Departamento de Estado, relatou que os líderes militares dos Estados Unidos consideravam a Groenlândia “indispensável para a segurança dos Estados Unidos”. Eles então propuseram secretamente pagar à Dinamarca 100 milhões de dólares em ouro pela Groenlândia, informou a agência de notícias internacional Associated Press décadas depois. Também brincou com a possibilidade de trocar terras ricas em petróleo no distrito de Point Barrow, no Alasca, por partes da ilha.
“Os Estados Unidos também estavam tentando criar uma visão em toda a Europa Ocidental de si mesmos como uma força democrática positiva, mantendo valores transcendentes, reconhecendo a independência e a autonomia”, comenta Ron Doel, professor associado de história da Universidade Estadual da Flórida e editor do Exploring Greenland: Cold War Science and Technology on Ice.
Mas a proposta chocou o governo dinamarquês, afirma Hardt. “Embora devamos muito aos Estados Unidos, não acho que devemos a eles toda a ilha da Groenlândia”, disse na época o então ministro das Relações Exteriores da Dinamarca, Gustav Rasmussen.
Interesse contínuo pela Groenlândia
Em 1951, os Estados Unidos e a Dinamarca firmaram um novo acordo no qual os norte-americanos poderiam continuar operando e estabelecendo bases militares na ilha, conforme considerado apropriado pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), a aliança militar transatlântica formada em 1949. Esse acordo reforçou o papel estratégico da Groenlândia na defesa transatlântica durante a Guerra Fria.
Na década de 1970, os documentos dos Arquivos Nacionais dos Estados Unidos que revelavam as tentativas de compra da Groenlândia após a Segunda Guerra Mundial foram desclassificadas. Ainda assim, foi somente em 1991 que um jornal dinamarquês noticiou pela primeira vez essas tentativas, provocando um debate renovado sobre a soberania da Groenlândia e as ambições históricas dos Estados Unidos sobre a ilha.
Atualmente, a importância da Groenlândia continua a crescer à medida que p Ártico se aquece, abrindo novas rotas de navegação e acesso a recursos inexplorados. No entanto, tanto a Dinamarca quanto a Groenlândia têm sido firmes e afirmam: a Groenlândia não está à venda.
“A Groenlândia pertence ao povo da Groenlândia”, escreveu a primeira-ministra da Groenlândia, Múte Egede, nas mídias sociais. “Nosso futuro e nossa luta pela independência é um assunto nosso.”
*Via National Geographic Brasil
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