Em quase 100 anos de existência, pela primeira vez, no próximo dia 21 de setembro, os 40 “imortais” da Academia Mato-grossense de Letras (AML) estarão votando em duas chapas na disputa pela direção da instituição. Maria Cristina Cristina de Aguiar Campos concorre pela chapa “Viva a Casa Barão!”. A outra candidata é Sueli Batista dos Santos pela chapa "União e Harmonia" . (ver matéria da Sueli no site)
Para entender o que está em disputa, é preciso recuperar um pouco da história da AML, o que representa à tradicional família cuiabana, quais seus fundadores, seus valores...
A AML foi fundada em 7 de setembro de 1932, como sucessora do Centro Mattogrossense de Letras (a grafia era essa mesmo!), criado em 7 de setembro de 1921. A iniciativa partiu de um grupo de intelectuais, dentre os quais Dom Aquino Correia e José Barnabé de Mesquita, se transformando ao longo de quase um centenário em uma espécie de guardiã da história de Mato Grosso, ao lado do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso (IHGMT).
Seguiu o modelo da Academia Francesa e, depois, da Academia Brasileira de Letras. Veja o que diz o artigo 3º do Estatuto da entidade. “São objetivos da AML o apoio, o incentivo e a proteção da cultura e das literaturas nacional e regional e, em particular, a produzida em Mato Grosso; o estímulo ao culto da língua portuguesa; a preservação da memória de seus Patronos, bem como da produção intelectual dos acadêmicos falecidos, transmitindo-a às gerações presentes e futuras, e a participação nos estudos de problemas de interesse cultural, que preocupam o mundo contemporâneo”.
Além dos fundadores iniciais, foram admitidos como sócios para ocupar as primeiras vagas: Ana Luiza da Silva Prado, Antonio Fernandes de Souza, Augusto Cavalcanti de Mello, Joaquim Gaudie de Aquino Corrêa, José Magno da Silva Pereira, José Raul Vila, Leovigildo Martins de Mello, Manuel Pais de Oliveira, Manuel Xavier Pais Barreto, Otávio Cunha, Palmiro Pimenta e Ulisses Cuiabano.
José de Mesquita, filho do homônimo intelectual abolicionista, foi jurista reconhecido e literato de talento. Com menos de 30 anos de idade, já havia assumido o cargo de presidente do então Centro Mato-Grossense de Letras, tendo também presidido o tribunal por 10 anos. Liderou a Academia por 40 anos, da fundação em 1921 até 1961, data de sua morte. Foi o escritor de maior versatilidade de sua época e, até hoje, um dos mais reconhecidos mato-grossenses na literatura. Jornalista, contista, cronista, romancista, poeta, dividia-se em multifacetadas áreas literárias.
“Nesse prédio da rua da Esperança (atual Barão de Melgaço) foi que conheci, já em pleno declínio, a história sociedade, que se pode considerar a primeira tentativa de coordenação cultural em Mato Grosso. Devo-lhe, posso dizer com segurança, a minha iniciação literária, feita precocemente aos 12 anos. Lembro-me, como si fosse ontem. Íamos a noite, pelas sete horas, trocar os livros já lidos, por outros. Na meia sombra daquele canto de rua, com um acentuado aspecto colonial, em que um lampeão de querosene punha a sua claridade baça, destacava-se, imenso para a minha imaginação juvenil, o salão da Biblioteca. Aquelas sortidas noturnas, no recolhido ambiente da Cuiabá de antanho, tinham para mim o mistério velado de uma aventura. (...) O que não li, ou melhor, devorei, com esse apetite insaciável da adolescência (...)”, escreveu Mesquita, em “Notícia Histórica”, em 1941.
A Academia Mato-Grossense de Letras presta eterna homenagem à memória do 1º Presidente com um busto, exibindo-o obrigatoriamente na entrada ou no salão nobre, em cerimônias solenes.
Dom Aquino Correia (Francisco de Aquino Correia) é figura notável. Ex-governador de Mato Grosso, arcebispo de Cuiabá, prelado, poeta e orador sacro, nasceu em Cuiabá em 2 de abril de 1885, e faleceu em São Paulo em 22 de março de 1956. Era filho do casal Antônio Tomás de Aquino e Maria de Aleluia Gaudie Ley Correia. Em 1904 seguiu para Roma, onde se matriculou, simultaneamente, na Universidade Gregoriana e na Academia São Tomás de Aquino, onde se doutorou em Teologia, em 1908. Em 17 de janeiro de 1909, já tendo recebido todas as Ordens Menores e Maiores, foi ordenado presbítero. De volta ao Brasil, foi nomeado diretor do Liceu Salesiano de Cuiabá, cargo que desempenhou até 1914, quando foi designado, pelo Papa Pio X, para titular do Bispado de Prusíade e Auxiliar do Arcebispo da Diocese de Cuiabá (depois foi nomeado Arcebispo), cargo em que foi investido em 1º de janeiro de 1915, aos 29 anos, sendo o mais moço entre todos os bispos do mundo.
Em 1917, indicado pelo governo de Venceslau Brás, foi eleito governador de Mato Grosso para o período de 1918-1922, com 32 anos. Ali se manteve com a consciência democrática, a capacidade construtiva e o profundo sentimento patriótico. Só para se ter uma ideia do que ele representava, o hoje deputado federal Carlos Bezerra (MDB), que já foi senador, prefeito e governador, relata que Dom Aquino salvou a vida de seu pai, Aarão Gomes Bezerra, impedindo que ele - à época - fosse levado à Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro -, onde eram encaminhados os apositores do governo da época. "Certamente seria morto", admite Bezerra. Era acusado de subversão. “Dom Aquino foi um humanista”, complementa.

Casa Barão de Melgaço: sede da Academia Mato-grossense de Letras (AML) e do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso (IHGMT)
É em meio a esse pequeno relato da história da AML que podemos avaliar o que estará em disputa no próximo dia 21 de setembro. História viva! Orgulho! Tradição!
Maria Cristina Campos assumiu a Cadeira 16 da AML em 02 de maio de 2015, ocupando o lugar de Valdon Varjão. O patrono da Cadeira é Antônio Ramiro de Carvalho. É graduada em Letras pela UFMT (1984); especialista em Língua Portuguesa (UFMT, 1989), Semiótica (1995) e Semiótica da Cultura (1996); mestre em Educação, (UFMT, 1999); e doutora em Educação (USP, 2007). É também professora aposentada de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira do IFMT – Campus Cuiabá.
Além de diversos artigos publicados, possui também sob sua autoria os seguintes títulos: “Pantanal Mato-grossense: O Semantismo das Águas Profundas” (Entrelinhas, 2004); “Conferência no Cerrado” (Tanta Tinta, 2008); “Manoel de Barros: O Demiurgo das Terras Encharcadas” (Carlini & Caniato, 2010); e “O Falar Cuiabano” (Carlini & Caniato, 2014).
Nessa entrevista ao MIDIA HOJE, Cristina fala de seus projetos à frente da AML, como a “busca de fontes financiadoras de atividades acadêmicas e projetos, a fim de que a Casa Barão desempenhe efetivamente sua vocação histórica: tornar-se um Ponto de Cultura atuante”.
Aborda também a disputa com Sueli Batista. “Por mim, não haveria disputa nenhuma, mas a polarização aconteceu”, avalia. "Alguns membros da AML recusaram-se ao diálogo", complementa.
Mas, afinal, há uma guerra hoje?
"Na AML, hoje, há tendências conservadoras e de renovação, as últimas com um forte viés literário e de fomento à abertura, movimentação e interiorização da Casa Barão, através de parcerias interinstitucionais", desconversa.
E pontua a diferença entre a sua chapa e a da concorrente: “(...) na tensão entre forças conservadoras e de renovação, a chapa “Viva a Casa Barão!” é signo de abertura, frescor e mudança”.
Pelas respostas abaixo, dá pra sentir o clima!
Acompanhe a entrevista!
MIDIA HOJE (MH) - Pela primeira vez, há disputa pela presidência da AML... Por que?
CRISTINA CAMPOS - Confrades e confreiras ficaram felizes com esta disponibilidade e somaram; elaboramos algumas propostas flexíveis e nos propusemos a juntar forças e trabalhar em prol da Casa Barão, com o fito de torná-la um Ponto de Cultura aberto e atuante. Alguns membros da AML recusaram-se ao diálogo e outra chapa foi criada. Creio que isso é natural, faz parte da democracia.
MH - Quais seus principais projetos à frente da Academia?
CRISTINA - Estamos tecendo coletivamente nossas propostas para a AML, como um diagrama móvel. Ei-las: PROPOSTA (FLEXÍVEL) DE AÇÕES PARA A GESTÃO DA AML (2019-2021) – CHAPA “VIVA A CASA BARÃO!” 01. Regularizar administrativamente a AML – banco, Prefeitura, cartório, etc., a fim de que a instituição esteja apta a propor projetos e ancorar recursos; 02. Buscar fontes financiadoras de atividades acadêmicas e projetos, a fim de que a Casa Barão desempenhe efetivamente sua vocação histórica: tornar-se um Ponto de Cultura atuante; 03. Auxiliar o IHGMT no processo de reforma e aluguel do prédio anexo da Casa Barão de Melgaço; 04. Constituir um condomínio com o IHGMT (projeto antigo ainda não materializado), para facilitar a ancoragem e a administração de recursos, e aproximar as duas instituições irmãs; 05. Alimentar, permanentemente, o site da AML; 06. Promover uma reunião mensal aberta, com pauta exclusivamente literária; 07. Levar a AML até municípios do interior de Mato Grosso, divulgando a Literatura produzida no Estado, e estimular a vinda de escolas e pessoas de lá para conhecer a Casa Barão e participar de atividades por ela ofertadas, em parcerias com instituições de ensino e culturais; 08. Reativar a movimentação cultural da Casa através de saraus, palestras, lançamentos de livros, shows musicais e de teatro; 09. Comemorar o Centenário de João Antonio Neto e Lenine de Campos Póvoas (2020); 10. Publicar uma revista (Edição Especial) em homenagem aos 130 anos de nascimento de José de Mesquita; 11. Preparar um recital em comemoração aos 130 anos do nascimento de Franklin Cassiano, Ulysses Cuiabano e José de Mesquita; 12. Promover um ciclo de palestras em jun. 2021, em comemoração aos 60 anos do Intensivismo em Mato Grosso; 13. Comemorar o Centenário da AML (2021); 14. Publicar uma revista (Edição Especial) do Centenário da AML (2021); 15. Incentivar uma pesquisa densa sobre os Patronos da Casa Barão (AML e IHGMT) – se possível, que cada membro pesquise o patrono da cadeira que ocupa, buscando fotos e documentos junto às famílias, se for o caso; 16. Revitalizar a galeria dos patronos da AML, restaurando fotos e providenciando, via pesquisa apontada no item acima, aquelas que faltam para compor o conjunto; 17. Estreitar relações com instituições de ensino como a UFMT, Unemat e IFMT; 18. Auxiliar na acomodação da biblioteca da Casa Barão em ambiente apropriado, com prateleiras adequadas e computadores para o acesso dos usuários.
MH - Como Cristina vê hoje a produção literária em MT?
CRISTINA - Vivenciamos um momento de grande produção e movimentação literária, tanto de nomes já consagrados quanto de jovens autores, em gêneros diversos. Através do PNLD, premiações, feiras literárias e outras iniciativas, nossos autores vêm se destacando, marcando presença nos cenários regional e nacional. As escolas e universidades, especialmente a Unemat, estão gradativamente trabalhando obras de escritores mato-grossenses em sala de aula, dando a conhecer o que de bom existe na produção literária regional – isso é muito importante, para a cultura e toda a cadeia produtiva do livro.
MH - É possível um escritor viver hoje, exclusivamente, da arte de escrever livros em Mato Grosso?
CRISTINA - Pergunte isso a Luciene Carvalho, Alexandre Tarelow e Luiz Renato (rs), que já correram muito trecho com seus livros e performances pelo pão de cada dia. É dificílimo sobreviver exclusivamente da Arte, seja ela qual for. O artista deveria ser protegido pela sociedade, de modo a não ter que se ocupar com questões práticas de sobrevivência.
MH - O que pode ser feito para incentivar a leitura e novas produções?
CRISTINA - Em Mato Grosso, temos insistido com o Governo do Estado para que insira as disciplinas História, Geografia e Literatura de Mato Grosso no currículo escolar, cumprindo o que determinam os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Deste modo, os livros mato-grossenses serão adquiridos e destinados aos lares e bibliotecas, fomentando toda a cadeia produtiva do livro (editoras, autores, livrarias e leitores) e se dando a conhecer. O recurso já existe, só que, por enquanto, infelizmente, apenas autores e editoras nacionais são contempladas. Todos conhecem José de Alencar e Machado de Assis, mas poucos leram ou ouviram falar de Ricardo Guilherme Dicke, João Antonio Neto, Eduardo Mahon, Ivens Scaff, e tantos outros... O Prêmio Mato Grosso de Literatura e outros prêmios, concursos de redação e oratória dentro e fora das escolas, oficinas, palestras, cursos, feiras literárias, saraus literomusicais... São inúmeras as possibilidades de estímulo à produção e difusão literárias.
MH – Como Cristina Campos vê iniciativas como a dos Amigos do Centro Histórico de Cuiabá, surgidas recentemente? Trata-se de um grupo composto por voluntários, de diferentes áreas...
CRISTINA - Admiro a união e o esforço de pessoas em prol de um ideal. Quando se organiza, a sociedade civil faz coisas incríveis. “Boa vontade e vontade de fazer o bem” têm o poder de transformar o mundo num local mais aprazível de se estar-junto-com. Amor e Cuidado são ingredientes mágicos...
MH - Como avalia as leis existentes no país e em Mato Grosso de incentivo à cultura, de um modo geral?
CRISTINA - O incentivo à cultura está sendo questionado, como tudo o mais em matéria de humanidades. Não gosto de modelos que emanam da esfera federal como um carimbo a serem executados pelos Estados; prefiro as cartografias móveis, de preferência desenhadas a lápis com a borracha ao lado, lembrando Deleuze & Guatari e também Manoel de Barros. A rigidez do excesso de burocracia atrapalha a fluidez dos processos, emperrando a máquina administrativa. Particularmente em Mato Grosso, duas leis que estão vigentes obrigam as redes educacionais a implementarem o ensino de nossa História, Geografia e Literatura. Há 30 anos, a legislação não é cumprida. Em matéria cultural, as políticas públicas são descontinuadas. A Literamérica, por exemplo, foi uma grande iniciativa em prol da Literatura, mas o próprio governo de onde surgiu tratou de desmontar toda a articulação realizada por João Carlos Vicente Ferreira.
MH - Prefeitura, governo e União cumprem seus papéis no fomento à cultura literária?
CRISTINA - Não.
MH - E as Universidades?
CRISTINA - Se não fosse pela Unemat e pela UFMT, provavelmente, não teríamos um público leitor. Podemos dizer, inclusive, que não haveria produção cultural em Mato Grosso. Se depender do Estado...
MH - Pela primeira vez, há disputa pela presidência da AML... E com duas mulheres... Fale sobre isso!
CRISTINA - Por mim, não haveria disputa nenhuma, mas a polarização aconteceu. Acho importante o crescimento histórico da participação feminina em todos os setores, bem como a ampliação dos direitos da mulher, mas não me ligo em questões de gênero, sobretudo quando vêm como uma “onda”, um modismo na Matrix, porque acaba passando, como tantos outros. Admiro muito os homens e, na caminhada da vida, os quero sempre do meu lado, como companheiros e parceiros – nunca à frente me arrastando ou atrás de mim sendo puxados. Quero-os do meu ladinho ou em grandes rodas de conversa, com amor, carinho e respeito mútuo... O Bom da Vida, enfim!
MH - Setores da imprensa falam em “guerra de imortais”. A AML estaria rachada hoje? Como avalia?
CRISTINA - Na AML, hoje, há tendências conservadoras e de renovação, as últimas com um forte viés literário e de fomento à abertura, movimentação e interiorização da Casa Barão, através de parcerias interinstitucionais.
MH - Quais as principais diferenças das chapas... Por que votar na sua chapa?
CRISTINA - Na tensão entre forças conservadoras e de renovação, a chapa “Viva a Casa Barão!” é signo de abertura, frescor e mudança. Temos uma proposta consistente e flexível de trabalho, tecida em conjunto. Acima de tudo, nossa chapa é composta por pessoas sensíveis e alegres, que riem juntas (até de si mesmas!) e – o mais importante – amam a Literatura como uma deusa servida sacrificialmente no banquete do Tchá co Bolo, quando se reúnem.
MH - Por quê o nome da chapa “Viva a Casa Barão!”, Cristina?
CRISTINA - O nome da nossa chapa constitui, simultaneamente: – uma saudação ao centenário da AML, a ser comemorado em 2021; – um desejo de ver a Casa Barão viva, frequentada, tornando-se um Ponto de Cultura, que é sua vocação natural; – um convite às pessoas para que vivam a Casa. Portanto, uma saudação, um desejo e um convite ao mesmo tempo. CHAPA “VIVA A CASA BARÃO!”
CHAPA "VIVA A CASA BARÃO!"
Presidente: Maria Cristina de Aguiar Campos
1ª Vice-presidente: Olga Maria Castrillon Mendes
2º Vice-presidente: Fernando Tadeu de Miranda Borges
1º Secretário: Aclyse de Mattos
2º Secretário: Flávio José Ferreira
1º Tesoureiro: Lorenzo de Jesus Miranda Falcão
2º Tesoureiro: Ivens Cuiabano Scaff
Conselho Fiscal – Lourembergue Alves – Eduardo Moreira Leite Mahon – Luciene Josefa de Carvalho
Conselho Editorial – Agnaldo Rodrigues da Silva – Marília Beatriz de Figueiredo Leite – Marta Helena Cocco
*Foram feitas às mesmas perguntas às candidatas. O histórico da AML, no texto de abertura, foi mantido o mesmo também para evitar qualquer tipo de favorecimento.
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