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opinião Quarta-feira, 04 de Junho de 2025, 06:00 - A | A

Quarta-feira, 04 de Junho de 2025, 06h:00 - A | A

OPINIÃO

Quem está matando a família brasileira?

*EDUARDO RAMOS

 

 

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Os alarmes soam: a "família tradicional" está em colapso. Ouvimos muitas vozes apontando o protagonismo feminino, a ascensão de grupos LGBTQIA+ e supostas conspirações ideológicas como os grandes vilões dessa narrativa. No entanto, uma análise mais atenta dos dados estatísticos, combinada com uma reflexão sobre a própria história da família, revela um problema bem mais complexo. Tudo indica que a "destruição" da família não tem a ver com ideologias ou grupos específicos, mas sim com o modo como nos organizamos socialmente e as escolhas que fazemos.

 

Comecemos pelos números. Conforme dados do IBGE, a década recente mostra uma queda consistente no número de casamentos no Brasil. Em 2015, registrávamos mais de 1,1 milhão de uniões, enquanto em 2023, esse número caiu para cerca de 940 mil. Ao mesmo tempo, o número de divórcios cresce de forma alarmante, atingindo um recorde histórico em 2023, com mais de 440 mil dissoluções. O tempo médio entre o casamento e o divórcio, que era de 16 anos em 2010, caiu para 13,8 anos em 2023, com quase metade dos divórcios ocorrendo antes dos 10 anos de união.

 

Curiosamente, desde o reconhecimento legal em 2013, os casamentos homoafetivos cresceram chegando a um recorde em 2023 de 11,2 mil uniões (pouco mais de 1% do total). Longe de ser um sintoma de "destruição", o número apenas confirma a expansão e diversificação do conceito de família. Demonstra que o afeto e o desejo de união transcendem as fronteiras de gênero.

 

A idealização "Papai-Mamãe-filhinho" é, portanto, uma lente recente e estreita demais para avaliar a vasta tapeçaria da vida familiar.

 

É crucial compreender que a "família tradicional" puritana, com seus papéis rígidos e autoritários, é uma construção relativamente nova, consolidada nos últimos 200 anos. Ao longo da história da humanidade os núcleos familiares foram muito mais fluidos, formados por laços genéticos ou sociais diversos, e unidos por uma infinidade de fatores – do sequestro e interesses econômicos à conveniência e, sim, por amor. Tivemos famílias matriarcais, patriarcais, monogâmicas, poligâmicas, restritas e ampliadas. A idealização "Papai-Mamãe-filhinho" é, portanto, uma lente recente e estreita demais para avaliar a vasta tapeçaria da vida familiar. Mas, deixando de lado os conceitos e os preconceitos, fato é que a instituição Família está em crise. E o problema não é a sua forma, mas o valor que (não) damos a ela.

 

O modo como nossa sociedade se organiza e as prioridades que adotamos atualmente explicam o dilema. A precariedade cotidiana vivida por milhões de brasileiros soma-se à uma incessante busca por "mais" – mais horas de trabalho, mais dinheiro, mais bens materiais. Isso consome o tempo e o espaço que deveriam ser dedicados ao cultivo dos valores familiares. Hoje bebês com seis meses de idade, ou até menos, são "depositados" em creches onde, com raras exceções, a lógica de custo mínimo e máximo rendimento se sobrepõe às necessidades afetivas e de desenvolvimento das crianças. Elas perdem o convívio fundamental com pais e familiares, as experiências que moldam a personalidade e, acima de tudo, o afeto essencial para um crescimento saudável.

 

Paradoxalmente, muitos pais que verbalmente defendem a família acabam se isolando de seus filhos e cônjuges. Cumprindo horas extras intermináveis ou desdobrando-se em múltiplos empregos, acreditam que o dinheiro compensará a ausência. Na maioria das vezes não alcançam a riqueza material e percebem tarde mais a futilidade desse "sacrifício familiar". O resultado são filhos humanamente mais pobres, com memórias de infância tristes e vazias, e uma diminuta disposição para reproduzir o “ideal" de família - que lhes foi negado. Não à toa, vemos muitos jovens manifestarem o desejo de não se casar ou, mesmo casando, de não ter filhos. Consideram um "ato de amor" não trazer outra pessoa para um mundo tão árido.

 

Combater essa "deterioração" da família exige a revisão dos conceitos que nos aprisionam, compreendendo que as circunstâncias atuais NÃO são imutáveis. Não é porque "é assim" que deve continuar "sendo assim".

 

A família não está em ruínas por causa de quem a compõe, mas sim pela estrutura social que a sufoca. A verdadeira "revolução" da família não está em retornar a um passado idealizado e restritivo, mas em construir um futuro onde o afeto, o convívio e o desenvolvimento humano sejam prioridades inegociáveis, independentemente de sua "formatação". A coragem que precisamos ter é a de reimaginar a Família como um núcleo de apoio e amor, viabilizado por uma sociedade que prioriza o bem-estar humano acima do lucro e da produção incessante.

 

*Eduardo Ramos é jornalista e advogado em Rondonópolis.

 

 

 *Os artigos são de responsabilidade seus autores e não representam a opinião do Mídia Hoje.

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