São um advérbio e um verbo que, quando juntos, significam pelo menos uma frustração nesse imenso mundo de perdas que é a vida.
Quantas coisas eu já tive e não as tenho mais, como a inocência das crianças, a curiosidade dos adolescentes, o vigor da maturidade.
As conquistas amorosas que perdemos e muitas nem saudades deixaram.
O trabalho que nunca faltou e as economias nem sempre guardadas para o futuro.
O ninho cheio pelo casamento, também já tive.
Os amigos que insistem em partir, muitas das vezes prematuramente.
Já tive amigos mais velhos e hoje o velho sou eu.
Já tive fantasias e ilusões, e agora vivo a saudável realidade do presente, quase finito.
Já tive período em que valorizava os bens materiais, chegando agora a necessitar apenas dos bens imateriais como único patrimônio.
O “já” isolado representa o futuro, logo, imediato, urgente, porém em companhia do verbo ter conjugado em tempo passado, representam, no máximo, lembranças.
Relembrando o meu passado é que vejo o quando de verdade contém essa expressão gramatical!
Gosto de pesquisar nos meus arquivos do computador; quantas crônicas, artigos e textos escrevi relatando fatos que já tivemos na nossa história de Mato Groso.
Em 1808 foi criada a faculdade de medicina, em Villa Bela da Santíssima Trindade, que por estar longe do Poder (Salvador), logo veio a morrer de inanição.
Vingou apenas sua irmã gêmea da Bahia, única escola que por muitos anos formava médicos no Brasil.
Essa sensação do já tive escola de medicina, demorou até 1980, quando foi implantada a nossa na UFMT.
Cuiabá já teve um imenso território em 1870, com extensa área de fronteira com a Bolívia e o Paraguai.
Mato Grosso já teve o território do Guaporé (Rondônia) e Mato Grosso do Sul.
Cuiabá já teve o rio Cuiabá, utilizado para a pesca, banho, hidroaviões e navios de pequeno porte.
Cuiabá já teve zoológico, uma universidade preocupada com o meio ambiente e desenvolvimento econômico e social da sua região.
Cuiabá já teve um consultório médico para gestantes, de terapia visual, o único do Brasil.
Cuiabá já teve casas com quintais verdes.
Uma praça chamada de Jardim, onde todos iam passear, assistir retretas e namorar.
Cuiabá já teve aconchego, onde todos se conheciam e as famílias eram numerosas.
Enquanto o tempo, como um vento leva a vida, a memória traz de volta.
Descobrimos - e tenho certeza - que o tempo não passa para a memória.
O “já tive”, nos mostra em vida o quanto que perdemos; e o pior é que quando a gente morre, surge o já era.
*Gabriel Novis Neves
https://bar-do-bugre.blogspot.com
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