Já escrevi, ao longo destes anos, sobre um dos maiores choques culturais que marcaram a minha vida. Foi intenso e abalou profundamente minha crença religiosa.
Minha mãe era católica praticante; meu pai, católico não praticante.
Fiz a catequese para a primeira comunhão, celebrada em oito de dezembro de 1942, na Catedral Metropolitana de Cuiabá.
Fui coroinha da Catedral e afilhado de crisma de Dom Aquino Corrêa.
Em março de 1953 mudei-me para o Rio de Janeiro para completar os estudos para ingressar na faculdade de Medicina.
Fui morar numa pensão, ocupando uma vaga em quarto dividido.
Na primeira Sexta-feira Santa que passei no Rio, aceitei o convite do filho da dona da pensão — um pouco mais velho que eu.
Era bancário, remador, praticante de esportes.
O convite era para subir o Pico da Tijuca, um dos pontos com vista mais deslumbrante da cidade.
Ele cuidaria da matula. Pegamos o ônibus no Largo do Machado e seguimos até o ponto final, no Largo da Tijuca.
Ali começaria nossa aventura rumo ao topo do morro.
No local, havia guias.
Meu mundo veio abaixo. Naquele instante, não sabia o que fazer!
Mas, para economizar, resolvemos fazer a escalada sozinhos — uma temeridade.
Adentramos a mata, atravessamos riachos onde a luz do sol mal penetrava.
Chegou a hora do lanche. Meu companheiro retirou da mochila, um generoso sanduiche, envolvido em papel fino, e uma latinha de refrigerante.
Devorei a minha parte.
Saciada a fome, perguntei do que era feito o sanduiche.
— Pão com carne assada e queijo.
— Mas... hoje é Sexta-feira Santa!
— Não faz mal — respondeu, com naturalidade.
Meu mundo veio abaixo. Naquele instante, não sabia o que fazer!
Pensei logo em procurar um padre para me confessar. E foi o que fiz assim que voltei para casa. Achava ter cometido um pecado grave.
Senti um alívio profundo quando no confessionário, o padre me perdoou.
Nunca mais me esqueci desse passeio que terminou em tragédia espiritual — há 72 anos.
*Gabriel Novis Neves
14-04-2025
https://bar-do-bugre.blogspot.com/2025/04/choque-cultural.html
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