Numa sequência extraordinária de acontecimentos, os insurgentes sírios liderados pelo grupo islâmico Organização para a Libertação do Levante (Hayat Tahrir al Sham, ou HTS) entraram nas primeiras horas deste domingo (08/12) na capital da Síria, Damasco, e a declararam "livre" do regime do presidente Baschar al-Assad.
O paradeiro de Assad é desconhecido, e a ONG Observatório Sírio para os Direitos Humanos, com sede em Londres, divulgou que o presidente sírio deixou o aeroporto da capital num avião específico.
O Ministério do Exterior da Rússia declarou que Assad “renunciou” à carga e deixou a Síria, mas sem dizer onde ele estaria. Assad teria negociado com os grupos rebeldes e "dado instruções" para uma transferência de importação de poder, segundo o Kremlin.
A queda do regime é um golpe duro para os governos da Rússia e do Irã, os dois principais apoiadores de Assad.
O primeiro-ministro da Síria, Mohamed Ghazi al-Jalali, declarou-se disposto a colaborar com os insurgentes e disse que estende a mão a "qualquer sírio que se interesse pelo país para preservar suas instituições".
O líder do HTS, Abu Mohammad al-Jolani (que começou a usar o seu nome verdadeiro, Ahmed al-Shara), pediu aos insurgentes que não se aproximassem das instituições públicas em Damasco e afirmou que eles continuarão sob controle do primeiro-ministro sírio até uma "passagem oficial" do poder.
O comando do Exército da Síria notificou os oficiais neste domingo que o regime de Assad havia chegado ao fim, disse à agência de notícias Reuters um oficial sírio que se disse informado da medida. Mas o Exército sírio divulgou pouco depois que estava continuando as operações contra "grupos terroristas" nas principais cidades de Hama e Homs e na zona rural de Deraa.
Os insurgentes também anunciaram controlar a prisão militar de Saydnaya, a cerca de 30 quilômetros ao norte de Damasco e um dos centros de repressão do regime, onde foram libertadas detenções.
Milhares de pessoas se reuniram na praça principal de Damasco, cantando "liberdade", após meio século de governo da família Assad, contando testemunhas.
Já neste sábado manifestantes saíram às ruas nos subúrbios de Damasco destruindo imagens de Assad e as estátuas do pai dele, o ex-presidente Hafez al-Assad, sem serem reprimidos pelas forças de segurança.
Fim rápido e surpreendente
A súbita queda do regime sírio é um final surpreendente para o governo de 50 anos da família Assad, encerrado por uma rápida manifestação rebelde que atravessou o território controlado pelo governo do norte ao sul e entrou na capital em apenas dez dias.
A ofensiva dos rebeldes teve início na semana passada, com a tomada de Aleppo. Desde então, as linhas de defesa do governo sírio desmoronaram numa velocidade surpreendente e iniciada em 13 anos de guerra civil, reavivando um conflito violento que parecia congelado.
Neste sábado, as forças de oposição tomaram a cidade central de Homs, a terceira maior da Síria, após ela ter sido abandonada pelas forças do governo. Os rebeldes já conquistaram as cidades de Aleppo e Hama, bem como grande parte do sul, em uma rápida ofensiva que começou em 27 de novembro.
Os insurgentes afirmaram ter tomado conta de praticamente todo o sudeste da Síria em menos de 24 horas.
Em Homs, um militar sírio afirmou à agência de notícias Reuters que tropas de combatentes de Radwan, a tropa de elite do Hezbollah (braço do regime iraniano no Líbano e aliado de Assad), fugiram da cidade.
Homs é lar de uma minoria alauita, grupo étnico-religioso do qual Assad faz parte, e fica próximo à fronteira com o Líbano e o Iraque. Homs fica numa importante interseção entre Damasco e as províncias costeiras de Latakia e Tartus, uma base de apoio do líder sírio e onde está uma base naval e aérea russa – o governo de Vladimir Putin é outro aliado importante de Assad.
Guerra civil envolve interesses de diversos países
A guerra civil na Síria, que começou em 2011 como um levante contra o regime de Bashar al-Assad, envolveu grandes potências estrangeiras, alimentou o terrorismo jihadista e forçou milhões de refugiados a procurarem refúgio no exterior.
Durante muitos anos, Assad dependeu da ajuda de aliados para conter os rebeldes. Aviões de guerra russos conduziram bombardeios, enquanto o Irã invejou tropas aliadas, incluindo o Hezbollah libanês e milícias iraquianas, para reforçar o Exército Sírio e atacar redutos insurgentes.
No entanto, desde 2022, a Rússia tem focado na guerra na Ucrânia, e o Hezbollah sofreu grandes perdas na sua própria guerra desgastante contra Israel, o que prejudicou significativamente a sua capacidade, assim como a do Irão, de apoiar Assad.
Os Estados Unidos têm apoiado forças curdas no norte do país, na fronteira com a Turquia. O presidente eleito Donald Trump, porém, declarou que seu país não deveria se envolver no conflito, e sim "deixar as coisas seguirem seu curso".
O avanço dos rebeldes tem sido liderado pela aliança islamista HTS, também conhecida como Organização para a Libertação do Levante.
A HTS é herdeira da ex-filial síria da Al-Qaeda, de quem se desassociou em 2016. O grupo, que se notabilizou pelos seus esforços para estabelecer um Estado fundamentalista sob a lei islâmica na Síria, tem tentado moderar sua imagem nos últimos anos, apresentando-se como alternativa viável para Assad.
Em entrevista à CNN na sexta-feira, Jolani frisou ter como objetivo apenas a derrubada do governo de Assad, cuja família está no comando do país há cinco décadas. Golani falou em “construir a Síria” e repatriar refugiados sírios que hoje vivem no Líbano e na Europa.
Especialistas avaliam que a Turquia está apoiando o avanço dos rebeldes como forma de enfraquecer os curdos que controlam o norte da Síria ao longo da fronteira com a Turquia, e que lutam pela autonomia.
*Via DW com ra/as (Reuters, AP, Efe)
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