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RINHA DE JALECOS

Brecha em lei alimenta batalha judicial entre médicos e farmacêuticos

Redação

 

Freepik

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 Farmacêuticos querem receitar remédios e médicos querem exclusividade dessa função

 

 

Uma decisão da Justiça Federal em Brasília, no final de março, renovou uma antiga disputa entre médicos e farmacêuticos. O juiz Alaôr Piacini, da 17ª Vara Federal Cível da SJ-DF, suspendeu uma resolução do Conselho Federal de Farmácia (CFF) que autorizava os profissionais da área a receitar medicamentos.

 

Na liminar, assinada no último dia 31, Piacini concordou com os argumentos do Conselho Federal de Medicina (CFM), que pediu a derrubada da resolução por meio de uma ação civil pública. Segundo o julgador, farmacêuticos não podem prescrever remédios porque essa atividade é exclusiva dos médicos.

 

“O balcão de uma farmácia não é o local para se firmar um diagnóstico e tratamento de uma doença, sob pena do exercício ilegal da medicina”, afirmou o juiz.

 

No entanto, os advogados especializados em Direito Médico ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico avaliam que a legislação brasileira não é clara sobre o assunto.

 

A disputa judicial entre as duas categorias profissionais se arrasta pelo menos desde 2013. Em agosto daquele ano, o CFF publicou uma resolução que autorizava os farmacêuticos a receitar não apenas os medicamentojs isentos de prescrição (MIPs), como aspirina e xaropes, mas também os que exigem prescrição médica.

 

O CFM contestou a resolução no mês seguinte, mas o pedido só foi julgado em definitivo 11 anos depois. Em novembro de 2024, Piacini proibiu a aplicação da normativa e declarou o texto inconstitucional. No mês passado, no entanto, o CFF voltou a publicar uma resolução com o aval para a prescrição por farmacêuticos, o que irritou o juiz federal. 

 

“Passados apenas quatro meses, em 17/03/2025, em afronta ao que foi decidido, o Conselho Federal de Farmácia publica a Resolução 5/2025, com as mesmas normas acima em redação similar e ampliativa das atribuições conferidas aos farmacêuticos, as quais já declaradas inconstitucionais e ilegais por este juízo”, escreveu ele na decisão do último dia 31.

 

Controvérsia legal

 

Nenhuma lei autoriza ou proíbe expressamente que farmacêuticos receitem medicamentos. O juiz Alaôr Piacini anulou as duas resoluções do CFF, a antiga e a mais recente, com base na Lei 12.842/2013, a chamada Lei do Ato Médico, que estabeleceu uma série de “atividades privativas do médico”.

 

Uma das atividades citadas no texto é a “determinação do prognóstico relativo ao diagnóstico nosológico”, ou seja, a identificação da doença. Na interpretação do juiz federal, a prescrição de medicamentos faz parte dessa atribuição, que é exclusiva da medicina.

 

O CFF, que promete recorrer da decisão, discorda. Em nota publicada no último dia 20, o conselho afirmou que a lei dá exclusividade aos médicos para fazer o diagnóstico de um paciente, mas não para receitar o remédio.

 

Um dos argumentos do CFF é que a Lei do Ato Médico continha, ao ser aprovada no Congresso, um artigo específico que impedia a prescrição por outros profissionais da saúde. Esse artigo, contudo, foi vetado pela então presidente Dilma Rousseff, em 2013, e não entrou em vigor. O texto vetado estabelecia que “é exclusividade do médico a formulação do diagnóstico nosológico e respectiva prescrição terapêutica”.

 

Para Igor Mascarenhas, especialista em Direito da Medicina, a alegação do CFF é inconsistente. Ele reconhece que a lei não prevê de forma taxativa que apenas médicos podem receitar medicamentos, mas defende que essa exclusividade está implícita porque a prescrição depende de um diagnóstico, que é ato exclusivo do médico.

 

“Eu não tenho como ter prescrição se eu não tiver um diagnóstico anterior. A prescrição é uma consequência do ato de diagnóstico. Então, ainda que eu não tenha uma previsão expressa relacionada a direito exclusivo do médico de fazer prescrição, se é privativo do médico fazer determinados diagnósticos, então, por consequência lógica, o ato médico tem de ser antecedente ao ato farmacêutico”, avalia Mascarenhas.

 

Falta de lei específica

 

Ana Carolina Moreira Santos, mestre em Direito Médico, concorda que a prescrição pode ser vista como exclusiva dos médicos porque depende de um diagnóstico prévio. Por outro lado, ela considera que as leis atuais não dividem com clareza as atribuições de cada categoria.

 

“Entendo que essas atribuições não são claras. Inclusive, acho que precisam ser debatidas com os profissionais e a sociedade, por meio de audiências públicas, de forma democrática. Posteriormente, deveriam ser submetidas a novo processo legislativo.”

 

O juiz Alaôr Piacini considerou a resolução do CFF inconstitucional porque, segundo ele, a normativa violou o artigo 22, inciso XVI, da Constituição, que prevê que compete apenas à União “legislar sobre a organização nacional do emprego e condições para o exercício das profissões”. O julgador defendeu na decisão que apenas uma lei de iniciativa da União poderia dar aos farmacêuticos o direito de receitar remédios.

 

Mundo real

 

Não há um consenso internacional sobre quais devem ser as atribuições de médicos, farmacêuticos e outros profissionais da saúde. Segundo Henderson Fürst, ex-presidente da Comissão de Bioética e Biodireito da Ordem dos Advogados do Brasil, o país adota um modelo restritivo para os farmacêuticos, que têm mais autonomia em outros países para receitar medicamentos.

 

Fürst observa, porém, que a realidade brasileira é mais complexa do que as resoluções colocadas no papel.

 

“Na prática, no dia a dia, a prescrição farmacêutica acontece. Nos rincões do Brasil, principalmente, a pessoa vai à farmácia como primeira opção de atendimento. E ali, na beira do balcão, ela pede algo e o farmacêutico olha, analisa e indica o que ela deve tomar.”

 

Para o advogado, a resolução do CFF barrada pela Justiça Federal traria legalidade a uma situação que já é corriqueira no cotidiano. Ele, porém, defende que a liberação da prescrição farmacêutica só será benéfica se for feita em conjunto com o CFM e outros órgãos, para que se chegue a um consenso que priorize a segurança dos pacientes.

 

“Em vez de termos um estímulo ao diálogo, um trabalho conjunto pensando no melhor resultado de saúde do paciente, nós temos duas profissões disputando espaços de competência. Cada conselho faz suas resoluções, atribui o que entende ser de sua competência e regula por conta própria, a despeito das consequências.”

 

*Via Conjur

 

 

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