Apesar dos efeitos da pandemia do novo coronavírus na economia, a construção civil tem sido a salvação para quem precisa de emprego. Além de não exigir alta qualificação, o que garante postos de trabalho para a camada economicamente mais vulnerável da população, o setor foi o que mais abriu vagas em 2020, tanto com carteira assinada quanto para trabalhadores informais ou por conta própria. Os especialistas asseguram que, superados os desafios de desabastecimento e alta nos preços dos insumos, a indústria da construção civil deve se manter aquecida, em 2021, e pode gerar mais 200 mil oportunidades de emprego este ano.
A Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (Pnad) Contínua mais recente, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no fim do ano passado, registrou o crescimento na ocupação em quatro dos 10 grupos de atividades: construção civil, com a maior alta, de 10,7%; comércio e reparação de veículos (4,4%); agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura (3,8%); e indústria (3%).
A Pnad Contínua considera a ocupação de trabalhadores por conta própria, informais e com carteira assinada. Segundo o levantamento, o contingente da força de trabalho na construção civil passou de 5,336 milhões no trimestre móvel de maio/junho/julho de 2020 para 5,910 milhões no período agosto/setembro/outubro, com 574 mil novas oportunidades de trabalho. Tal movimento do mercado beneficiou o autônomo Gil Raimundo Vogado da Silva, 34 anos, morador do Gama. Com ensino médio completo, ele trabalhou como garçom, motoboy e auxiliar de limpeza, e, há 15 anos, atua como pedreiro.
Durante a pandemia, Gil ficou 50 dias fazendo apenas pequenos reparos. Quando o Governo do Distrito Federal (GDF) flexibilizou as restrições, os pedidos para contratar o serviço de Gil dispararam. “A demanda ficou bem acima do esperado, porque as pessoas passaram a construir e a reformar. Estou recuperando o prejuízo”, conta.
O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), que avalia apenas o trabalho formal, também aponta a construção civil como o setor que mais gerou vagas de janeiro a novembro de 2020: 157.881 mil. A criação de postos de trabalho aumentou 34,6% na comparação com o mesmo período de 2019. O crescimento acumulado do número de trabalhadores com carteira assinada foi de 7,29% em 11 meses. No início de janeiro de 2020, o contingente era de 2,176 milhões e, no final de novembro, 2,324 milhões de trabalhadores com carteira assinada.
Economista da Câmara Brasileira da Construção Civil (Cbic), Ieda Vasconcelos diz que o mês de novembro surpreendeu. “Os dois últimos meses do ano são sazonais, é um período mais chuvoso e, normalmente, o saldo de empregos é negativo. No entanto, tivemos o melhor novembro da série histórica, iniciada em 1992. Foram gerados mais de 20 mil novos postos de trabalho, o que mostra a força da reação da construção civil”, diz.
Apesar do embalo que ganhou em 2020, o setor ainda está longe de recuperar o tombo de 30% que levou durante os anos de recessão (2015-2016). De acordo com os dados do Produto Interno Bruto (PIB) da construção civil no terceiro trimestre de 2020, o setor está no mesmo patamar de atividade do início de 2007. “Mesmo assim, foi o que gerou mais vagas no ano passado. Imagina se a indústria da construção estivesse no pico das atividades, que foi em 2014? O Brasil teria passado de uma forma mais amena pela crise”, avalia Ieda.
A especialista diz que o incremento do financiamento imobiliário e as taxas de juros no menor patamar da história contribuíram para o desempenho. “A pandemia ressignificou o valor da casa própria. Com todo mundo trabalhando e estudando em casa, houve necessidade de mais espaço”, explica. “Há que se considerar também a capacidade de organização do setor. Por meio de protocolos, manteve a segurança e a saúde do trabalhador, e ampliou as vendas on-line”, acrescenta.
Para 2021, a perspectiva segue positiva. “A expectativa é de um crescimento de 4% no PIB da construção, o que significa a geração de 200 mil novos postos de trabalho”, estima Ieda. A projeção se justifica em função de alguns fatores: continuidade do baixo patamar de juros, o crescimento das vendas e lançamentos de novos empreendimentos. “Mas há desafios. Neste momento, temos desabastecimento e insumos mais caros, alguns com aumentos superiores a 70%”, completa a economista da Cbic.
Banco de empregos
Um levantamento do Banco Nacional de Empregos (BNE) aponta que as vagas na construção civil aumentaram 37% em 2020 na comparação com 2019. De acordo com a pesquisa, os meses com mais vagas abertas no setor foram agosto, setembro, outubro e novembro de 2020, consolidando uma retomada do setor no segundo semestre. Os meses marcaram a flexibilização das medidas de isolamento e o retorno das atividades econômicas, o que aqueceu o mercado. Mais de 324 mil imóveis foram financiados, em 2020, no Brasil, segundo a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip).
José Tortato, gerente de negócios do BNE — site de empregos que une as empresas que buscam profissionais às pessoas que procuram emprego, com atuação desde 1998 —, diz que a construção civil está na contramão dos outros setores, afetados negativamente no ano passado. “De agosto em diante, houve uma super aquecida no setor, principalmente pela ampliação do crédito imobiliário e pela necessidade de adequar o imóvel para o trabalho em home office”, destaca.
Maior capacidade produtiva
O aumento no emprego da construção civil está ocorrendo porque o setor vem ampliando a utilização da sua capacidade produtiva. De acordo com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), em novembro, a construção civil atingiu 63% de utilização da capacidade operacional, o maior nível desde dezembro de 2014.
“A Sondagem Indústria da Construção mostra que o setor continua se recuperando bem depois da pandemia e tende a continuar a trajetória de crescimento em 2021. Essa projeção se confirma cada vez mais a partir do registro do maior nível de utilização da capacidade operacional desde 2014”, afirma o gerente de Análise Econômica da CNI, Marcelo Azevedo.
A pesquisa da confederação também mostra que as expectativas dos empresários do setor seguem otimistas e a confiança permanece em alta, com intenção de investimento mantendo-se estável, em patamar elevado. Na opinião do especialista em mercado imobiliário Fábio Tadeu Araújo, economista e sócio diretor da Brain Inteligência Estratégica, a previsão para contratações futuras no setor da construção civil é bastante positiva.
A expectativa do especialista está baseada no grande volume de lançamentos imobiliários, de novos prédios e casas que foram colocadas à venda nos últimos quatro meses de 2020. “O período teve recorde de vendas no mercado imobiliário, o que levou a um grande aumento da confiança dos empresários no setor”, explica.
Otimismo
Segundo Fábio, o setor programa novo volume recorde de lançamentos para 2021. “Com isso, o ano deve ser muito positivo para geração de empregos. Diferentes cargos serão contemplados, em especial com carteira assinada”, estima. No entanto, ele projeta que pequenas empresas, autônomos e profissionais sem registro também serão beneficiados.
“Esperamos crescimento dos lançamentos imobiliários de 15% a 20% em relação ao ano passado. Isso vai impactar naturalmente na contratação de funcionários”, calcula Araújo. “O que falta é a recuperação dos investimentos de infraestruturas, que, em 2020, estiveram no menor patamar dos últimos 30 anos”.
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