Após o Flow Podcast atingir sua maior audiência histórica ao vivo no episódio com participação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o dono e apresentador do programa, Igor Coelho, não estava celebrando os números, mas se sentindo "um pouco frustrado".
Em entrevista à BBC News Brasil concedida dois dias depois (20/10), ele se mostrou incomodado com a decisão da equipe do petista em encerrar logo a conversa, que durou cerca de uma hora e meia, menos de um terço do episódio com o presidente Jair Bolsonaro (PL), que teve mais de cinco horas.
O saldo do episódio, diz, reforçou sua impressão de que campanha de Lula é "bem mais profissional" que a de Bolsonaro. O que, para Coelho, não é propriamente uma vantagem.
Segundo o apresentador, o petista é "inteligentíssimo" e "muito habilidoso". Já Bolsonaro é "mais autêntico", algo que vê como um trunfo do presidente.
"A impressão que eu fiquei do Lula é que amplificou a ideia que eu tinha de que ele é muito safo. Ele é inteligentíssimo, ele é muito hábil, ele comete poucos erros, até em um ambiente livre, sabe? Ele se compromete pouco na fala, muito habilidoso", disse Coelho.
"Mas a maneira como a política é feita no PT, de uma forma geral, na campanha e tudo mais, só confirmou o que eu imaginava mesmo, que é muito controlado. É tudo muito cuidadoso e é meio plástico, meio artificial", criticou ainda.
Em contraponto ao "profissionalismo" petista, Coelho destaca a capacidade de Bolsonaro de se conectar com uma parcela do eleitor por meio de seu jeito "cru", embora o apresentador reconheça que muitas declarações do presidente são reprováveis e inapropriadas para o cargo.
"No dia do Bolsonaro, que é o presidente da República, não tinha ninguém enchendo o saco dele pra ele parar de falar. Ele falou um monte de coisas que podem ser reprováveis, e ninguém se meteu. Então, nesse sentido, eu acho que sim, é mais autêntico", avaliou.
"Eu acho que na posição de presidente da República, um cuidado maior com as palavras faz-se necessário. Mas, a ausência desse cuidado comunica alguma coisa também. Eu acho que isso o aproxima do povo, sabe? Eu acho que ele falar do jeito chucrão dele lá, e cru, e sem pensar muito, dá a impressão que ele está falando o que está na cabeça dele. Portanto, a gente sabe exatamente o que tem na cabeça dele. E é melhor isso do que uma fala muito bem estudadinha, que nem, sei lá, do Alckmin", acrescentou.
Na entrevista à BBC News Brasil, Coelho também criticou a decisão do Tribunal Superior Eleitoral de desmonetizar (impedir ganhos com publicidade) canais do YouTube e suspender o lançamento de um filme sobre a facada da qual Bolsonaro foi vítima na eleição de 2018. Na sua avaliação, a medida seria censura prévia.
Já o TSE considerou que esses canais propagam informações falsas em apoio a Bolsonaro e contra Lula. Para a Corte, a suspensão da monetização desses canais é uma forma de proteger a lisura da eleição.
O apresentador comentou ainda a saída de Bruno Aiub, conhecido como Monark, do Flow, após ele ter defendido a possibilidade de um partido nazista existir legalmente no Brasil. Embora discorde dessa declaração, Coelho considera "absurdo" Monark ser tratado como nazista e ter perdido o direito de ter um canal monetizado no YouTube. Devido a essa restrição, Aiub deixou o programa para que o Flow não perdesse as receitas com o canal.
A entrevista com Lula, aliás, gerou bom retorno financeiro. Segundo Coelho, até o início da tarde de quinta-feira (20/10), o Flow havia recebido ao menos R$ 50 mil do YouTube, recursos que vêm principalmente de anúncios exibidos para o público que assistiu ao episódio.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista concedida por vídeo-chamada.
BBC News Brasil - A entrevista com o ex-presidente Lula bateu mais de um milhão de views simultâneos. Essa audiência te surpreendeu?
Igor Coelho - Surpreendeu sim. Eu já tinha visto o desempenho do Lula em eventos online antes, em comparação com eventos do pessoal do Bolsonaro. Então, eu estava chutando assim: Bolsonaro fez 590 mil, eu acho que o Lula vai ter uns 300 mil e pouco. Só que aconteceu uma mobilização na internet de vários influenciadores, todo mundo se movimentando com o único objetivo de bater o número que o Bolsonaro tinha feito. Isso gera algumas distorções, inclusive nos nossos (dados) analíticos. Por exemplo, a retenção (da audiência na live) é mais baixa do que naturalmente é. O tempo que as pessoas ficam no vídeo também é menor. Então, tem algumas distorções que me mostram que esse número não é real. Mas, mesmo se a gente cortar pela metade, ainda é muita gente de verdade assistindo.
Meu objetivo não era fazer uns números absurdos. Eu queria mesmo conversar com o Lula, até porque faz dois anos que a gente está correndo atrás dele. Aí a gente teve essa rápida chance.
BBC News Brasil - E no caso da entrevista com Bolsonaro?
Igor Coelho - Não estou dizendo que aquele número do Bolsonaro também é absolutamente real. Mas tem algumas diferenças. A gente também já está conversando com ele faz um tempo, desde o ano passado. Como a gente não sabia se ele ia vir de verdade, a gente só soltou a agenda no mesmo dia, às 13h, então não teve tanto tempo assim para a galera se mobilizar. Portanto, eu acho que aqueles números do Bolsonaro são menos inflados que os números que aconteceram com o Lula.
A gente queria fazer a mesma coisa para manter todo o mundo nas mesmas condições. Então, com a Simone Tebet a gente também soltou às 13h o aviso que ela ia estar [no Flow]. Já no caso do Lula, o [deputado André] Janones soltou [antes]. Alguém vazou pra ele, e ele começou a mobilização uns dois dias antes do programa.
BBC News Brasil - O podcast é um formato de entrevista com linguagem diferente do jornalismo que tem ganhado muito espaço nessas eleições. Isso atrai uma audiência maior?
Igor Coelho - Eu acho que as pessoas gostariam de ver esses caras, que são profissionais em enganar a gente, de uma forma mais humana, sentado numa mesa, conversando de igual para igual, com outro cara que se coloca na posição de um cidadão comum. Essa é a verdade. Quando eu vou conversar com eles, as perguntas que eu formulo são coisas que me interessam na minha vida prática. Todas aquelas firulas que eles falam, os ataques uns aos outros e tal, eu tô menos interessado nisso. Então eu acho que as pessoas estão querendo entender melhor a mente desses caras. E um formato longo e livre, o mais livre possível, eu acho que ajuda bastante nisso. E por isso que eu acho que tem um interesse aí.
Tem também toda a ideia dessa guerra pessoal que eles estão travando. Então, no caso do Lula, eu percebi que, quando chegou 1 milhão de pessoas assistindo, eles [celebraram] "ah, tá, batemos o recorde do Bolsonaro". O pessoal da campanha dele [quis terminar a participação do Lula após o recorde], não o Lula pessoalmente.
Eu fiquei um pouco frustrado e, mais uma vez, não com o Lula, mas com o bastidor da coisa. Eu estudei pra caramba e eu não consegui usar nem 30% do que eu anotei. Ficou parecendo que eu estava ajudando o Lula.
Porque, assim, [críticos vão dizer] "ah, você não questionou isso, não questionou aquilo". Não, eu tentei falar umas coisas aqui, mas não deu tempo de construir nada. Com uma hora de programa, [a equipe do Lula] já estava pedindo para terminar.
Assim, eu entendo que com o Bolsonaro foi muito longo. O Lula é dez anos mais velho que o Bolsonaro, está numa campanha intensa, reta final. Não queria ficar cinco horas com Lula, mas é que uma hora e meia é muito pouco. Não dá para desenvolver nada. Então, nesse ponto eu fiquei meio frustrado.
BBC News Brasil - Uma crítica comum ao formato do seu podcast é que seria uma conversa muito livre e que não haveria um preparo seu para rebater quando a pessoa fala algo que não é verdade. Como foi sua preparação para o podcast do Lula e do Bolsonaro?
Igor Coelho - Eu acho que confunde-se eu ser, com o perdão da palavra, escroto com o cara e pressionar e colocar contra a parede, com não perguntar ou não pôr os pontos que podem ser incômodos. Se você assistiu ao programa com o Bolsonaro, vai ver que na maioria do tempo eu estou levantando pontos incômodos. O que eu não estou sendo é desrespeitoso e escroto com o Bolsonaro.
Então, independente do que eu ache, tem um ser humano ali, que, inclusive, pessoalmente, parece meu tio. É uma sensação meio comum em todo o mundo que eu já vi que conversou com o Bolsonaro pessoalmente. Parece que em toda família tem um Bolsonaro. Então, daí a ele ser presidente e pôr em prática essas coisas [que ele fala], aí já é uma outra discussão.
Mas o que eu estou dizendo é eu não me coloco na posição realmente de ser escroto com cara. Porque eu preciso que seja uma conversa. Se não for uma conversa, ele não vai se sentir confortável para me dizer o que eu quero saber.
Por exemplo, tem coisas que o Bolsonaro fala e que o Paulo Guedes fala durante o programa aqui que eu fiquei impressionado de não ter ninguém repercutido essas coisas, [e em vez disso] repercutindo coisas muito menores, sabe? Ele fala inclusive que ele sabe que a cloroquina não tem comprovação científica. Ninguém repercute esse tipo de coisa.
Com o Lula, não deu tempo de construir nada de verdade ali. Aí pegaram uma fala do Lula e estão transformando num crime absurdo. Estão chamando Lula de transfóbico, é forçar a barra.
Eu queria também que as redes sociais tivessem o mesmo fervor para desmentir esses absurdos como estão tendo com Lula, que eu acho que é um absurdo mesmo, mas para todos os seres humanos, porque eles só estão a fim de desmentir quem está de fato ali alinhado com a narrativa deles.
[Nota da redação - A fala acusada de transfobia a qual Igor Coelho se refere ocorreu quando Lula trouxe exemplos hipotéticos de mentiras que, na sua visão, poderiam ser criadas na campanha contra ele. É esse trecho: "As coisas absurdas que eles inventam todos os dias não têm critérios. Eles são capazes de dizer que você nasceu mulher e, depois, virou homem. São capazes de dizer que vacas voam e que cavalo tem chifre"].
BBC News Brasil - E essa é uma crítica que você faz aos dois lados, tanto ao bolsonarismo como ao lulismo?
Igor Coelho - Com certeza. Tirando a pessoa dos candidatos, eu considero as campanhas bem parecidas. Ataques semelhantes, mentiras dos dois lados. Não dá para dizer que a campanha do Lula não mente, porque mente. Não dá para dizer que a campanha do Bolsonaro não mente, porque mente. E são ataques raivosos. Cancela aqui, cancela ali.
Eu acho as campanhas muito parecidas, apesar de achar a campanha do Lula bem mais profissional, e eu não estou dizendo que isso é bom. Eu sinto que, com o Bolsonaro, pelo menos eles [a equipe do presidente] parecem estar empenhados em deixar ele aparecer. Já o Lula parece ter um cuidado [da equipe] para não falar m****.
BBC News Brasil - Mesmo entre apoiadores de Lula, há críticas de que esse profissionalismo da campanha criaria uma imagem que o distanciaria do "povão", embora Lula seja uma figura com apelo nas grandes massas populares. Você concorda que talvez o Bolsonaro acaba tendo uma imagem mais autêntica?
Igor Coelho - Sem dúvida nenhuma. Eu acho que essa é a principal diferença da campanha dos dois. Pô, o que aconteceu aqui na conversa com o Lula foi por causa deles [a equipe da campanha]. No dia do Bolsonaro, que é o presidente da República, não tinha ninguém enchendo o saco dele pra ele parar de falar. Ele falou um monte de coisas que podem ser reprováveis, e ninguém se meteu. Então, nesse sentido, eu acho que sim, é mais autêntico.
BBC News Brasil - Há pessoas que criticam quem coloca Lula e Bolsonaro no mesmo patamar. Elas dizem que Bolsonaro é uma ameaça à democracia e não consideram que Lula seja uma ameaça. Lula conseguiu atrair antigos adversários, como Geraldo Alckmin e Simone Tebet, justamente por verem essa diferença dele em relação a Bolsonaro. Você concorda com essa visão?
Igor Coelho - Eu concordo até certo ponto com isso. Realmente eles não são parecidos, mas eu não sei se é porque o Bolsonaro é uma ameaça à democracia.
Eu acho que o Bolsonaro é uma ameaça à maneira como as coisas funcionam, não necessariamente democracia. O que eu quero dizer com isso: ele é meio errático, sabe? A sensação que eu tenho é que você não sabe o que você espera do Bolsonaro. O Lula é um político experiente, muito mais hábil. Então, espera-se que ele vá fazer determinadas alianças e conversar com determinados setores e tal. O Bolsonaro é um pouco mais difícil de prever.
O Lula, por outro lado, ele é muito mais hábil e isso também é perigoso porque ele consegue se entranhar pelo poder e espalhar os tentáculos do PT, por exemplo, pelo poder, como, aconteceu nos anos em que o PT ficou no poder. Eles estavam no meio da máquina pública. E o Bolsonaro, eu acho que ele nem é capaz disso. Ele não é sofisticado o suficiente para conseguir esse tipo de manobra.
Então, pra mim, os dois são um problema. Na verdade, se eu pudesse escolher apertar um botão "segundo turno não vai ter nenhum dos dois", eu apertava.
Então, eu acho que a questão com o Bolsonaro é muito mais de não conseguir prever nem nada, do que de fato ser uma ameaça. Ele nem tem apoio popular, nem apoio das Forças Armadas eu acho, para dar esse golpe que estão falando que ele vai dar. Eu só estou curioso para saber, no caso da vitória do Lula, se o Bolsonaro vai estar lá para passar a faixa, que isso vai ser uma cena interessante.
BBC News Brasil - Ou se ele vai dar uma de Donald Trump, que não passou a faixa para o Joe Biden? Houve aquele episódio lastimável de invasão do Capitólio por apoiadores de Trump, com mortes. Acha que um confusão do tipo envolvendo apoiadores do Bolsonaro pode ocorrer aqui?
Igor Coelho - Eu acho, eu acho. Para você ter uma ideia, numa escala bem menor claro, quando anunciou-se que o Lula ia vir aqui, os seguidores do Bolsonaro se organizaram nos grupos deles e começaram a soltar umas mensagens de vir geral aqui, fazer uma movimentação e fazer uma manifestação contra o Lula.
Então, eu acho que o sentimento que o Bolsonaro propõe e causa é capaz de mover as pessoas a fazer umas loucuras, como a invasão do Capitólio. Mas acho que não passa disso. Não estou dizendo que tudo bem acontecer, mas é que eu acho que um golpe militar é [algo que está] muito longe [de acontecer].
BBC News Brasil - Você falou que não gostaria de ter que escolher entre Lula e Bolsonaro. Mas, sendo esse o segundo turno, decidiu votar em algum deles?
Igor Coelho - Eu não voto desde 2012. Eu justifico [ao TSE não ter comparecido para votar] ou voto nulo. E agora que eu tenho conversado mais com políticos em geral, eu voto menos ainda. Porque agora que eu vejo os caras fazendo as coisas que eu considero sujas e desumanas. Eu não estou falando nesse caso de Lula e Bolsonaro. Eu já conversei com todos os candidatos à Prefeitura de São Paulo em 2020. Vira e mexe eu converso com ministro, com deputado, senador. Nem é nada específico de nenhum deles. Mas é que eu vejo umas conversas com assessores ou conversa entre assessores [nos bastidores das conversas realizadas no Flow] que eu não sei, me desmotivam cada vez mais.
Eu já não acreditava neles. Agora eu acredito menos ainda. E tem um outro aspecto que que eu considero muito importante: o Flow foi concebido como um ambiente neutro. Eu não estou falando neutro de opinião, estou falando neutro de ouvir todo mundo. Então, eu já tenho muita dificuldade de conversar com a esquerda. Por exemplo, não é o caso [real], mas se falo que eu vou votar no Ciro, os petistas vão ficar p**** e não vão no meu programa. Então, esse ambiente neutro precisa ser preservado e para mim é muito fácil, porque eu não acredito neles [nos políticos] mesmo.
BBC News Brasil - Já que você tem essa opinião bem negativa dos políticos em geral, porque decidiu trazê-los ao seu podcast?
Igor Coelho - Porque a estrela do meu programa não sou eu, a estrela do meu programa é a conversa, o que acontece ali. Um dos principais olhares que eu tenho pra quem eu vou trazer no meu programa é o quão relevante ele é para a sociedade. Então, acho que independente do que eu acredito, nessa questão de votar nulo ou não, as eleições podem ser um momento de virada da sociedade. Eu acho que é importante quem está decidindo quem vai ganhar [o eleitor] ouça o que eles [os candidatos] têm pra dizer.
Eu estou te falando que acho que as pessoas deviam votar nulo, mas no programa eu falo que as pessoas deviam ouvir o que acontece ali [na conversa do podcast] e votar com consciência. Por isso que, na minha opinião, o protagonista do programa é a conversa, que as pessoas pegam aquilo ali, formam as suas próprias opiniões, idealmente, e se tornam mais conscientes.
BBC News Brasil - Após as conversas com Bolsonaro e Lula, qual foi a impressão que ficou de cada um deles? Mudou algo na sua opinião?
Igor Coelho - A impressão que eu fiquei do Lula é que amplificou a ideia que eu tinha de que ele é muito safo. Ele é inteligentíssimo, ele é muito hábil, ele comete poucos erros, até em um ambiente livre, sabe? Ele se compromete pouco na fala, muito habilidoso. Está fazendo isso há muito tempo e tal. Mas a maneira como a política é feita no PT, de uma forma geral, na campanha e tudo mais, só confirmou o que eu imaginava mesmo, que é muito controlado. É tudo muito cuidadoso e é meio plástico, meio artificial. É a sensação que eu tenho.
Eles soltaram um vídeo nas redes sociais hoje [20/10] da participação do Lula no Flow. E aquele vídeo ali, cara, se você está com um olhar meio desatento, parece que eu estava numa posição de fã do Lula. Do jeito que o corte foi feito e colocaram ali. Até fiquei meio: "caraca, o que faço com isso aqui, o que eu digo?". Parece que estava combinado [na equipe do Lula] de ele chegar, falar um monte de coisa, os caras gravarem, fazer aquele vídeo que ia sair depois. Então, parece muito profissional. Eu tô com medo, inclusive, da minha galera que me acompanha aqui ficar achando que eu estava puxando o saco do Lula, porque naquele vídeo parece pra caramba. Toda carinha de que vai rodar aí esse vídeo.
Já o Bolsonaro, ele é muito mais uma pessoa... Eu imagino, assim, como é que esse cara virou presidente? Tinha um sentimento antipetista tão forte que foi capaz de colocar ele ali. Eu nem acho que foi porque a galera gostava de verdade do Bolsonaro, sabe? Então, a minha sensação pessoal com o Bolsonaro é que ele é um cara que ele tem uma ideia, e a gente pode considerar uma ideia retrógrada e meio fora do seu tempo e tal, mas ele parece que está tentando aplicar aquela ideia ali da maneira que ele acha que... Por exemplo, tu pergunta de economia para o cara, o cara desde sempre, não é nem segredo: "pô, pergunta lá pro Paulo Guedes". Tem certas coisas que ele não tá ligado, que ele só não sabe mesmo.
Então, pessoalmente, eu não acho ele um monstro. Eu acho que muitas coisas que o tornam um monstro na mídia foram amplificadas, até pela forma como ele fala, muito menos cuidadoso, muito menos habilidoso do que o Lula. Tem gente que considera isso positivo, inclusive, porque pelo menos a gente sabe o que tem na cabeça dele. Mas eu não acho que ele seja o monstro que está todo mundo dizendo que ele é não. Ele só tem umas ideias muito esquisitas assim que a gente pode, inclusive, não concordar tranquilamente. Eu não concordo, sei lá, com a maioria.
BBC News Brasil -Não seria uma visão um pouco condescendente com ele? Ele é o Presidente da República e acaba sendo muitas vezes extremamente grosseiro com as pessoas. No caso das meninas venezuelanas, por exemplo, eu vi que você considerou exagerado tratá-lo como pedófilo por usar a expressão "pintou um clima". Mas, pela forma como ele parece usar politicamente uma situação de vulnerabilidade dessas meninas, não é natural que gere uma repulsa e críticas graves a ele?
Igor Coelho - É natural e necessário. Eu não acho que um Presidente da República pode falar, mesmo num momento de raiva, pô, que não é coveiro. Então eu tenho, sim muitas críticas à maneira como ele se porta, e não só a maneira como ele se porta, tenho críticas também à maneira como ele conduziu o governo, ainda que em alguns pontos.
É natural, acho que as pessoas precisam mesmo ter essas críticas e pensar um pouco sobre o que está acontecendo. E eu concordo contigo. Eu acho que na posição de Presidente da República, um cuidado maior com as palavras, faz-se necessário. Mas, a ausência desse cuidado comunica alguma coisa também. Eu acho que isso aproxima do povo, sabe? Eu acho que ele falar do jeito chucrão dele lá, e cru, e sem pensar muito, dá a impressão que ele está falando o que está na cabeça dele. Portanto, a gente sabe exatamente o que tem na cabeça dele. E é melhor isso do que uma fala muito bem estudadinha, que nem, sei lá, do Alckmin, entendeu?
Então não estou defendendo, estou dizendo que essa percepção é muito possível. Eu sei porque tem gente na minha família que me diz isso. Tem gente da minha família que me diz o contrário, mas eu consigo entender por que isso conecta tanto. Concordo que não é adequado, mas a gente precisa concordar que comunica alguma coisa também, essa essa maneira como ele se coloca.
BBC News Brasil - Sim, tanto que ele tem uma rejeição alta, mas tem também um apoio bem engajado e mobilizado, bem expressivo. Dessas duas entrevistas, Lula e Bolsonaro, você acha que algum deles teve saldo melhor?
Igor Coelho - Eu acho que o Bolsonaro teve um saldo melhor, porque, apesar de também achar que a maioria das pessoas que estava assistindo ali era da base dele, ele falou por mais tempo. E tempo, numa corrida presidencial, é importante.
Por isso que eu fiquei um pouco chocado, inclusive, dos caras quererem tirar o Lula ali tão rápido. Porque é tempo com um montão de gente vendo.
Por mais que tenha uma galera da base ali, eu conversei com algumas pessoas depois do programa do Bolsonaro que me disseram que são bolsonaristas e falaram "pô, eu queria ver o que o Lula tem para falar". E eu não duvido que algumas dessas pessoas estavam assistindo, ou estão assistindo agora [na live gravada] o que o Lula tem para falar. Mas quanto menos ele fala, pior, eu acho. Então, nesse sentido, eu acho que o Bolsonaro, apesar de ter falado várias coisas que podem comprometê-lo, e tal, ele teve mais tempo exposto, sabe? E nesse sentido, eu acho que foi o mais positivo para ele.
BBC News Brasil - Qual pergunta, por exemplo, ficou faltando fazer ao Lula que você queria muito ter feito?
Igor Coelho - Cara, tem um monte. Eu queria aprofundar um pouco mais sobre o lance da regulação das mídias. O que ele acha desse monte de censura do TSE. Eu queria perguntar qual é o custo político e, por que ele paga, por essa aproximação com os ditadores da América do Sul. Eu queria falar um pouco mais sobre economia e tal. Eu li também que o PT não quis lançar o plano de governo para não ameaçar alianças, e eu queria entender melhor isso aí, mas não deixaram o cara falar.
BBC News Brasil - Qual sua visão sobre a atuação do TSE, como a decisão de desmonetizar canais?
Igor Coelho - Eu acho um absoluto. É que da outra vez eu não tava tão engajado, mas eu não lembro do TSE se metendo tanto no que sai por aí nas últimas eleições. Teve um lance, um documentário do Brasil Paralelo que é chamado "Quem mandou matar Jair Bolsonaro?", alguma coisa assim, sobre a facada e tudo mais, que nem saiu e os caras já censuraram.
Até então tinha rolado de mandar tirar conteúdo e suspender conta de X pessoas e tal. Mas censura prévia eu não tinha visto ainda não. Acho muito perigoso. Eu acho que o poder que a gente está dando como sociedade para o TSE, para o Alexandre de Moraes, talvez esteja passando dos limites.
E eu queria muito saber o que esses caras pensam. Porque é muito fácil você bater palma quando está atrapalhando um lado, mas uma hora vai atrapalhar teu lado. É natural, vai acontecer isso.
[Nota da redação - O TSE determinou a suspensão da monetização de quatro canais no YouTube, entre eles o do Brasil Paralelo, por considerar que propagavam notícias falsas em apoio a Jair Bolsonaro e contra Lula. A Corte também determinou a suspensão da exibição do filme "Quem mandou matar Jair Bolsonaro?" até o dia 31 de outubro, um dia após o segundo turno da eleição. O filme estava previsto para ser lançado no dia 24 de outubro. Segundo a decisão do TSE, a decisão visa garantir o a lisura e a segurança do processo eleitoral.]
BBC News Brasil - O argumento do outro lado é que haveria um grande problema de fake news que seriam capazes de realmente mudar o curso das eleições. Dessa forma, derrubar essas fake news e canais que propagam fake news não seria censura, mas uma questão legal para não distorcer o resultado das eleições. Como você vê esse argumento?
Igor Coelho - Mas a censura prévia ao documentário que nem saiu, esse é [caso] o mais grave de todos, na minha opinião. Todos os outros dá para a gente debater, discutir. Esse, de um material que nem saiu, eu não consigo ver um argumento que defenda isso. Parece que está voltando no tempo.
BBC News Brasil - Gostaria de abordar a saída do Monark do Flow, após ele defender a possibilidade de existir legalmente um partido nazista. Isso gerou uma reação fortíssima que culminou na saída dele do programa. E depois ele tentou criar outro canal, mas, como o YouTube não permitiu a ele monetizar o conteúdo, ele foi para outra plataforma. Você acha que houve algum exagero ou essa reação se justifica?
Igor Coelho - Eu tenho alguns problemas com isso aí. Bom, eu já falei outras vezes que eu concordo que Monark usou um exemplo que é muito perigoso, que ele podia ter dito a mesma coisa usando outras palavras. Isso, na verdade, é uma conversa que eu já tinha tido com Monark várias vezes e eu sei o que ele quis dizer.
Ele quis dizer que, se existe um partido como o PCO, que é um partido de extrema-esquerda, por que não pode existir qualquer outro partido? E aí ele usou o [exemplo] do partido nazista. Pessoalmente, eu discordo. Eu não acho que devia ter o Partido Nazista, porque o partido nazista, ele pressupõe morte. Na verdade, divergências políticas a gente pode ter, o que a gente não pode é pregar a morte de qualquer que seja qualquer pessoa, que é o que o Partido Nazista faz. Então, ele errou aí demais.
Agora, o que aconteceu é que as pessoas transformaram o Monark em nazista. E isso não é verdade. E eu sei também que houve uma gigantesca má vontade com o Monark, inclusive ele já era o inimigo público das redes sociais antes, por outras colocações.
Ele fala um bagulho mal elaborado e isso custou bastante coisa pra ele. Teve o lance que ele estava conversando com o [advogado] Augusto de Arruda Botelho [em posts públicos no Twiiter] sobre racismo, que ele acabou pegando a alcunha de racista também ali.
BBC News Brasil - Acho que ele colocou uma pergunta: "racismo deveria ser crime?".
Igor Coelho - Não, o que ele escreveu foi: "ter uma opinião racista é crime?". Ele falou isso querendo dizer que "pô, o cara que está ali sendo racista na dele, mas ele tem uma opinião racista, esse cara devia ser preso mesmo sem tomar atitude nenhuma?".
Assim, por que a gente não pode debater isso? Você pode concordar ou discordar. Achar que é crime mesmo, o cara pensar e ficar quieto é crime, não sei. Dá pra gente debater isso tudo, mas aí começaram a chamar o moleque de racista. E, depois dessa aí no Flow, começaram a chamar de nazista, é muito pior. E aí ele virou o nazista na internet. Assim, foi muito rápido. É uma daquelas mentiras absurdas que eu gostaria que as pessoas na verdade tratassem da mesma maneira de todos os lados, porque, no fim das contas, ele não é nazista.
Eu considero bastante injusto, na verdade, o que aconteceu, tudo o que eu fui forçado a fazer, inclusive, para salvar tudo aqui. Tudo aconteceu baseado na premissa de que o Monark é nazista. Eu ficou triste, inclusive, que o YouTube não permite que ele esteja na plataforma. Ele está desmonetizado pra sempre.
Ter uma opinião racista é crime?
— ♔ Monark (@monark) October 26, 2021
BBC News Brasil - O YouTube permite que o Monark esteja na plataforma, ele só não pode receber dinheiro com isso.
Igor Coelho - É, exatamente, exatamente. Mas daí isso inviabiliza um monte de coisa. Imagina se ele fica no Flow: se ele fica no Flow, não tem Flow. Então, tem um monte de problema, é a mesma coisa que tirar ele de uma vez da plataforma, porque, no fim das contas...
BBC News Brasil - Fazendo um contraponto: ele deu outras declarações anteriores também complicadas no próprio Flow, em uma conversa dele com o Antonio Tabet, do Porta dos Fundos, ele de certa forma minimizava o problema da homofobia.
Igor Coelho - O Monark é exatamente isso aí, é um monte de declaração difícil, porque ele joga a parada ali e aí vamos debater sobre isso. Só que ele joga da pior maneira possível. Isso daí é algo que a gente conversou em 2018.
BBC News Brasil - Você não acha que vale uma reflexão? São coisas tão sérias. Por exemplo, você falou que talvez o nazismo seria mais grave que o racismo. Nem sei se poderíamos colocar dessa forma. O racismo está na base da escravidão que matou uma quantidade gigantesca de negros no Brasil.
Igor Coelho - É gravíssimo também.
BBC News Brasil - E tem marcas até hoje. Então, será que dá para falar "ah, é mal colocado" simplesmente. Ele também não tem que tentar evoluir disso? E talvez doer no bolso não seja necessário para isso?
Igor Coelho - Eu acho que sim. Vou te explicar: quando a gente começou, a gente queria ter uma conversa de bar mais humana possível, que fosse a mais real possível com cinco câmeras miradas na nossa cara. Só que a gente não levou em consideração o fato que a gente estava se tornando cada vez mais relevante, mais influente, e as coisas que são ditas aqui... Não é que a gente não pode mais levantar assuntos espinhosos ou discordar de senso comum e tudo mais. Mas eu preciso fazer isso de maneira mais bem elaborada, sabe?
E esse espaço que a gente tinha de falar de maneira leviana e superficial de algumas coisas ele está muito diminuído. Então, eu não me sinto nem mais confortável trazendo esses assuntos dessa mesma forma descompromissada.
Então, sim, eu acho que à medida que a gente foi se tornando grande, foi se tornando relevante, a gente devia ter também se tornado um pouco mais cuidadoso. E eu já te adianto que essa é uma visão que o Monark discorda. E não estou dizendo que Monark é um monstro. O que eu estou dizendo é que na cabeça dele isso seria um ataque à liberdade de expressão, dentro dos moldes da Primeira Emenda Americana, etc, que ele fala pra caramba.
BBC News Brasil - Então, você tem um senso de responsabilidade, mas fiquei com a sensação na sua resposta que também há um sentimento de uma perda, que isso pode podar de alguma forma o fluxo das conversas.
Igor Coelho - Sim, sim, sim. Mas essa ideia de perda é uma ideia do Monark para ser sincero. Mas não é a minha opinião, não. Essa era a minha opinião antes dessa M* acontecer, bem antes. Mas eu fui percebendo que a gente falava e as coisas repercutiam. E aí eu fui mudando o jeito de eu falar. E assim fui tomando cuidado, por exemplo, com as pessoas cortarem o que eu vou falar, ir para a internet de um jeito M*. Por exemplo, se eu tenho uma ideia que ela é controversa, eu construo ela de um jeito que o corte vai ficar ridículo. Se o cara quiser cortar, vai fica muito claro que o cara tá cortando pra me sacanear.
Eu vou continuar, inclusive, levantando pautas espinhosas aqui, porque eu acho que é o meu trabalho, mas eu pretendo fazê-las da forma que eu tenho feito, elaborando melhor o que eu quero dizer, até para eu me defender mesmo.
BBC News Brasil - Na conversa com o Bolsonaro, por exemplo, teve um momento em que ele fez uma piada homofóbica envolvendo a criação de uma vacina da varíola. Você riu, ele ficou brincando que você não tinha entendido, e você disse "eu entendi". Por exemplo, nesse tipo de momento, você não acha que caberia fazer uma pontuação: "presidente, não é bem assim"?
Igor Coelho - Depois, eu fiquei sabendo que eu entendi errado.
BBC News Brasil - E o que você tinha entendido?
Igor Coelho - Eu entendi que ele [ao dizer] "ah, pô, tu se amarra numa vacina", talvez tivesse uma conotação sexual no "se amarra numa vacina". Mas depois é que eu fui ver que tinha um lance que quem estava tomando essa vacina era majoritariamente o povo homossexual.
BBC News Brasil - É um discussão de que essa doença [a chamada varíola dos macacos] estaria atingindo um maior proporção os homossexuais, embora seja uma doença que possa ser transmitida para qualquer pessoa.
Igor Coelho - Mas assim, de qualquer forma, não sei te dizer, se eu tivesse entendido exatamente isso aí, eu não sei o que meu coração ia mandar fazer na hora. Vou pensar sobre isso.
BBC News Brasil - Durante a live com o Lula, algumas pessoas enviavam dinheiro para o Flow. Que tipo de montante movimenta uma live dessa?
Igor Coelho - Eu posso te dizer que uma live como essa do Lula aí realmente dá dinheiro pra cacete. Eu posso te dizer que na última vez que eu olhei ali, deu um número meio assustador inclusive. Se eu não me engano, acho que uns R$ 50 mil.
BBC News Brasil - As pessoas fazem envios de dinheiro na hora. Como que funciona exatamente? Elas ganham direito a alguma coisa?
Igor Coelho - Só o fato de ter muita gente assistindo, passa muito anúncio, e isso gera bastante dinheiro. O super chats que as pessoas mandam ali, no nosso programa, a gente já avisa há anos que a gente não faz nada com aquele super chat. Porque a gente meio que briga com o YouTube, de uma forma geral, o YouTube me sacaneia. Então, a gente tem uma plataforma paralela que as pessoas, por essa plataforma, elas mandam perguntas para gente. O YouTube, por exemplo, se você manda R$ 10 no YouTube, o YouTube pega três e eu recebo sete. Lá na minha plataforma, eu pago o custo do banco e acabou. Então, as perguntas que eu leio no final do programa, elas chegam pela plataforma, mas não consegui ler nenhuma com o Lula. Não deu tempo.
BBC News Brasil - Então, o grosso vem dos anúncios?
Igor Coelho - É, o grosso vem pelos anúncios mesmo. Sem dúvida, sem dúvida.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63353233
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