A PF (Polícia Federal) suspeita que o grupo de empresários e políticos mineiros vacinados clandestinamente possa ter recebido um imunizante falsificado. Os agente federais encontraram um soro no endereço de uma enfermeira ligada ao episódio durante o cumprimento de um mandado de busca e apreensão, nesta terça-feira (30).
As informações são da coluna Painel, do jornal Folha de São Paulo.
A profissional de saúde, segundo a publicação, foi levada pelos policiais federais e deve ser presa em flagrante. O soro apreendido será encaminhado à Perícia Criminal para análise.
A enfermeira, ainda de acordo com o jornal, é a mesma mulher que aparece em um dos vídeos gravados por um vizinho da garagem onde os empresários e políticos supostamente foram imunizados.
Cada um do grupo teria pago R$ 600 por dose para ser vacinado contra a Covid-19, furando a fila de prioridades estabelecida pelo PNI (Programa de Imunização Nacional).
Entenda o caso do grupo que se vacinou escondido em MG
Quem faz parte do grupo e o que dizem?
O grupo é composto por 50 pessoas, entre políticos e empresários, a maioria ligada ao setor de transporte de Minas Gerais, além de seus familiares.
Uma parte da aplicação do imunizante ocorreu em Belo Horizonte, em uma garagem de uma empresa do grupo Saritur, improvisada como posto de vacinação. Já outra parte teria sido imunizada em uma instalação pertencente a uma mineradora.
Empresários
Segundo pessoas que se vacinaram na ocasião, os organizadores foram os irmãos Rômulo e Robson Lessa, empresários e ex-sócios da viação Saritur. A família Lessa é conhecida no no ramo de transportes em Minas Gerais e está à frente de um dos maiores conglomerados do setor.
A Saritur (Santa Rita Transporte Urbano e Rodoviário) foi fundada em 1977 e possui uma frota estimada de 1,2 mil ônibus, além de empregar cerca de 6 mil funcionários, entre servidores diretos e indiretos.
Além de dono da Saritur, Rubens Lessa preside a Fetram (Federação das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado de Minas Gerais), e o Conselho Regional Minas Gerais do Sest Senat. Influente em Brasília, Rubens possui acesso direto ao governo federal.
A Piauí telefonou e mandou mensagem para Rômulo Lessa, que não respondeu. Já o jornal O Estado de São Paulo procurou Rubens reiteradas vezes em seu telefone, mas não obteve retorno. A assessoria de comunicação da Fetram informou ao jornal que o executivo não vai se pronunciar.
A Saritur negou ao jornal Folha de São Paulo que o caso tenha ocorrido em um local de sua propriedade e diz que os dois irmãos não fazem parte do corpo de sócios do grupo. A emprensa afirmou ainda que o caso citado é "de total desconhecimento da diretoria da empresa".
No entanto, a reportagem da Folha esteve no local na tarde desta quarta-feira (25) e pôde ver funcionários com uniforme da Saritur circulando.
Políticos
Entre os vacinados, segundo a revista, também está Clésio Andrade, ex-senador e ex-presidente da Confederação Nacional do Transporte. À Piauí, ele disse que tomaria a vacina pelo SUS na próxima semana, mas foi convidado a se juntar ao grupo e não teve de pagar.
“Estou com 69 anos, minha vacinação [pelo SUS] seria na semana que vem, eu nem precisava, mas tomei. Fui convidado, foi gratuito para mim”, afirmou Andrade.
Após a publicação da revista, o ex-senador, por meio de sua assessoria, mudou a versão. Ele negou que tenha dado entrevista à Piauí e que tenha sido vacinado.
“Eu ainda não tomei a vacina e defendo as regras de vacinação do Ministério da Saúde. Aliás, repito que eu preferia que os idosos, como eu, dessem a vez aos mais jovens, que são obrigados a sair de casa para trabalhar”, informou.
Ainda de acordo com a reportagem, o deputado estadual Alencar da Silveira Jr. (PDT-MG) também foi vacinado. Questionado, ele negou. "Não estou sabendo, não. Até gostaria, mas estou com coronavírus, nem posso", afirmou à Piauí.
Dias depois, na quinta-feira (25), por meio da sua assessoria de imprensa, Silveira Jr., lembrou que é um dos signatários da CPI na Assembleia Legislativa de Minas Gerais que apura supostos casos de fura-fila da vacinação entre servidores da Secretaria Estadual de Saúde - o caso derrubou o secretário Carlos Eduardo Amaral, que foi imunizado.
"Não vacinei e não tenho conhecimento dessas vacinações citadas na reportagem da Piauí. Acho que tem que ser apurado", disse o deputado via assessoria.
Familiares e menores de idade
Além de familiares dos envolvidos, havia também crianças no grupo que recebeu a vacina clandestinamente.
Até agora, não há comprovação científica da eficácia do imunizante da Pfizer contra Covid-19 em faixas etárias abaixo dos 16 anos.
A Pfizer anunciou na semana passada o início dos testes clínicos de sua vvacina contra o coronavírus com crianças abaixo de 11 anos. A empresa já estava testando as vacinas em adolescentes de 12 a 15 anos, e sua autorização de emergência nos Estados Unidos vale para pessoas acima dos 16 anos.
Aglomeração na garagem improvisada
A garagem fica no fim da rua Cláudio Martins, 100, no bairro Alto Caiçaras, na capital mineira. Uma testemunha afirmou que filmou o episódio, juntamente a outras pessoas, e teria identificado no pátio da garagem cerca de 25 veículos.
As imagens mostram uma aglomeração de carros em volta da entrada do local.
Nelas, é possível ver uma mulher de jaleco branco retirar do porta-malas o que parecer ser uma vacina e aplicar nos motoristas. Alguns descem do carro para receber sua dose. Outros são vacinados dentro do próprio carro. Uma outra pessoa anota nomes em uma ficha, como se estivesse confirmando cada vacinação dada.
Ainda segundo a testemunha, condutores e passageiros estavam sendo vacinados por uma mulher de jaleco branco. A pessoa que fez a denúncia disse que encaminharia o vídeo à Secretaria Municipal de Saúde no dia seguinte. A Prefeitura de Belo Horizonte não retornou ao jornal Folha de São Paulo para confirmar o recebimento.
Enfermeira se atrasou após imunizar outra parte do grupo
A reportagem da Piauí diz ainda que a enfermeira que aplicou as doses no grupo na garagem teria chegado atrasada por estar atendendo ao restante das pessoas em outro local: na Belgo Mineira, mineradora hoje pertencente à ArcellorMittal Aços.
A ArcelorMittal disse, em nota, que nunca comprou nenhuma vacina para o combate da Covid-19, e que sua empresa de gestão de saúde, a Abertta Saúde, atua como posto avançado de vacinação do SUS em Belo Horizonte e Contagem.
"A ArcelorMittal desconhece qualquer atuação de seus profissionais em atos correlacionados à vacinação fora dos protocolos do Ministério da Saúde e do Programa Nacional de Imunização – PNI", afirmou. A Belgo Mineira, ainda segundo a ArcelorMittal, não existe mais.
Lei permite que entidades comprem vacina, mas obriga doação ao SUS
Atualmente, a legislação brasileira obriga que 100% das vacinas contra Covid eventualmente contratadas por empresas ou outras instituições privadas sejam doadas ao SUS.
Aprovada pelo Congresso Nacional no fim de fevereiro, a lei federal 14.125/2021 determina que a doação deve ser feita enquanto todos os grupos prioritários não forem vacinados — cerca de 77 milhões de pessoas. A lei foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no dia 10 de março.
O texto prevê que Estados, municípios e entidades privadas têm liberdade para negociar vacinas. Contudo, no caso das entidades privadas, a exigência é que qualquer compra tenha que ser 100% doada ao SUS até que todos os grupos estabelecidos como prioritários no país sejam vacinados. Depois desse limite, ainda 50% das doses terão que ser doadas.
Guedes diz que setor privado poderia trazer 500 mi de doses
O ministro da Economia, Paulo Guedes, fez um apelo a empresários do setor privado para que auxiliem no processo de doação de vacinas. Segundo ele, seria possível obter 500 milhões de doses para aplicação na população caso haja participação de pelo menos cem empresários, que poderiam doar 5 milhões de doses cada.
Em rápida fala à imprensa nesta quinta, Guedes, que estava acompanhado dos empresários Luciano Hang e Carlos Wizard, anunciou que ambos os empresários vão se reunir com o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, na sexta-feira, para anunciar a doação de 10 milhões de doses de imunizantes ao país.
"Agora, imaginem cem empresários. São dois aqui (Hang e Wizard). Então seriam cinquenta vezes essa doação, de dez milhões, e nós temos cem empresários que possam querer fazer essas doações, não é? Então seriam também 500 milhões de vacinas, com cem empresários brasileiros", explicou Guedes.
Em sua fala, Wizard afirmou que há a necessidade de sensibilização dos parlamentares e autoridades para que ocorra uma "flexibilização" da legislação que permita fazer a doação. Já Hang afirmou que a possibilidade do empresariado de adquirir doses de imunizantes contra a Covid-19 e doarem aos seus funcionários "tiraria" as pessoas do Sistema Único de Saúde (SUS).
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