Na terça-feira, 27, a 2ª turma deu início ao julgamento de processo no qual se discute a ação penal contra advogados que foram contratados pela Fecomércio do Rio de Janeiro. O caso envolve atos do juiz Federal Marcelo Bretas que, em setembro do ano passado, expediu mandados de busca e apreensão em 50 endereços de escritórios de advocacia.
O ministro Gilmar Mendes, relator, votou por reconhecer a incompetência da 7ª vara Federal do Rio de Janeiro e mandar os autos para a Justiça Estadual daquele Estado. Além disso, o ministro reconheceu a nulidade das buscas e apreensões contra os escritórios de advocacia. O debate, no entanto, foi suspenso por pedido de vista do ministro Nunes Marques.
Esquema S
As buscas realizadas são fruto da tumultuada delação do empresário Orlando Diniz, ex-presidente da Fecomércio - Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do Rio. A Fecomércio é uma entidade privada que compõe o Sistema S do Rio, junto com outras entidades como o Sesc e o Senac.
Muito embora tenham prestados serviços jurídicos, a justificativa da força-tarefa da Lava Jato foi de que havia suspeita de que as bancas foram usadas para desviar dinheiro do Sistema S do Rio de Janeiro entre os anos de 2012 e 2018.
Uma semana depois dos mandados de busca e apreensão, a OAB acionou o STF pedindo suspensão de efeitos da delação do ex-presidente da entidade. Na reclamação ao Supremo, a Ordem argumentou que Orlando Diniz citou autoridades com foro privilegiado e, portanto, as atribuições sobre o caso caberiam à PGR e ao STF, e não à JF/RJ.
A reclamação chegou ao ministro Gilmar Mendes que, em outubro de 2020, determinou a suspensão da ação do MPF/RJ contra os advogados. Na decisão, o ministro observou que realmente há autoridades citadas na delação com foro por prerrogativa de função "sem autorização do STF e perante autoridade judiciária incompetente, o que poderia constituir eventual causa de nulidade das provas e do processo".
Veja a decisão de Gilmar Mendes.
Competência: Justiça estadual do Rio de Janeiro
Gilmar Mendes reconheceu a incompetência da 7ª vara Federal do Rio Janeiro para processar e julgar crimes envolvendo valores supostamente desviados das entidades do Sistema S. O relator entendeu que os autos devem ser remetidos à Justiça Estadual do Rio. Além disso, o ministro anulou as medidas de busca e apreensão contra os escritórios de advocacia e as provas dela decorrentes.
O ministro concluiu que a concreta situação sob exame - supostos desvios de recurso da Fecomércio, do Sesc e do Senac, do Rio, para prática de crimes a partir de exigência de valores pelos advogados denunciados sob o pretexto de vitória no STJ e TCU - não se amolda ao processamento e julgamento pela Justiça Federal. "Isso porque as entidades são pessoas jurídicas de Direito Privado, dotadas de recursos próprios, definitivamente incorporadas ao seu patrimônio".
"Considerando a ausência de afetação a qualquer bem, serviço ou interesse da União concluo pela incompetência absoluta da autoridade reclamada e pela remessa dos autos da denominada 'Esquema S' à Justiça Estadual do Rio de Janeiro que deverá apreciar se houve, ou não, o regular exercício das atividades advocatícias nos contratos questionados."
Para o relator, ainda que os supostos recursos repassados a essas entidades sejam fiscalizadas pelo TCU para fins de controle e transparência, não se trata, "em absoluto", de recursos que integram os bens e o patrimônio da União.
Gilmar Mendes ainda frisou que não há indícios de relação ou influência probatória do caso em exame com ilícitos que estão sob a 7ª vara Federal do Rio de Janeiro: "a denominada operação 'Esquema S' se relaciona apenas de forma colateral com os crimes praticados pelo ex-governador do Rio de Janeiro, Sergio Cabral, não tendo sido demonstrada essa íntima conexão probatória".
Sobre a alegação de autoridades com foro privilegiado, em análise mais ampla, Gilmar Mendes entendeu ser correta a tese do MPF do Rio de Janeiro no que se refere à ausência de envolvimento de autoridades com foro, porque tal como informado pelo parquet, os anexos que tratavam de autoridades com foro foram "efetivamente excluídos". O ministro apenas manteve a competência da JF/DF e do STJ para decidir sobre as acusações de corrupção imputadas ao servidor do TCU Cristiano Rondon e aos crimes imputados contra o desembargador eleitoral Hermann Melo.
O ministro ainda abordou a ilegalidade da busca e apreensão contra escritórios de advocacia: "não houve observância aos requisitos legais e nem às prerrogativas da advocacia". "Não se pode admitir esse tipo de ação. Os fins não justificam os meios", afirmou.
De acordo com o relator, houve uma "inversão processual". Isso porque, a denúncia foi apresentada em 28/8/20; o pedido de busca e apreensão foi deferido em 24/8/20 e executado apenas em 9/9/20: "essa medida de investigação prévia foi executada após a formalização da denúncia contra os advogados, em uma evidente inversão processual". Assim, votou pela ilicitude das buscas e apreensões realizadas e das provas decorrentes dessa diligência.
Sustentações orais
O advogado Nabor Bulhões, representando as seccionais da OAB, afirmou que o STF, nos recentes julgamentos envolvendo Lula, vedou a tentativa de instituição "de um sistema paralelo de supressão de garantias constitucionais" ao reconhecer o modus operandi da Lava Jato em Curitiba.
De acordo com o advogado, a operação Lava Jato no Rio de Janeiro tem uma dinâmica semelhante. Segundo o patrono, houve "graves violações perpetradas, (...) que buscam consolidar um modelo de Justiça criminal de todo irreverente à lei e à Constituição", disse.
O advogado defendeu que o Ministério Público do Rio de Janeiro e o juiz Federal Marcelo Bretas manipularam as regras de competência e procuraram dar os fatos relacionados à delação de Orlando Santos Diniz "artificiosa definição jurídica", que pudesse afastar a incidência da atuação da PGR e a jurisdição do STF.
Por fim, caso não seja reconhecida a competência do Supremo, o advogado afirmou que a Justiça Federal também não é competente para julgar o feito, em virtude de entidades do denominado "Sistema S" serem pessoas jurídicas de direito privado e, portanto, não integram a Administração Pública Federal.
Posteriormente, falou o subprocurador-geral da República Wagner Batista no sentido de que a OAB não tem legitimidade para pleitear o que pretende em sede de reclamação. No mérito, Wagner Batista afirmou que a operação aconteceu contra investigados que não têm prerrogativas de foro: "não existe qualquer acusação contra ministro do STJ ou contra membros do TCU".
Além disso, segundo o representante do parquet não se tratou de busca e apreensão concomitante com a denúncia, isso porque, os fatos que ensejaram a realização da busca e apreensão não foram objeto da denúncia.
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