Os cerca de 700 índios que formam a etnia Zoró no município de Rondolândia, a 1.600 quilômetros de Cuiabá, na região noroeste de Mato Grosso, divisa com o estado de Rondônia, estão literalmente pedindo socorro. A pandemia do novo coronavírus chegou com tudo às 32 aldeias que formam a terra Zoró. Já há mais de 100 índios infectados, sendo que pelo menos um está em uma Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) e cinco estão internados na Casa de Saúde Indígena (CASAI), do Ministério da Saúde, em de Ji Paraná (RO), a 76 quilômetros de Rondolândia.
"Todos estão temendo a morte dos parentes, pois os casos já são alarmantes", diz uma fonte ligada a Associação do Povo Indígena Zoró, ressaltando que a ameaça se estende aos cerca de 2.500 índios vizinhos das etnias Gavião, Arara e Cinta Larga, espalhados entre Mato Grosso e Rondônia. "As condições gerais de vida dos índios na região, como em todo o Brasil, não são boas, o que nos tornam mais vulneráveis", avalia a Associação.
Líderes do povo Zóro clamam à necessidade de testagem da população indígena, o que permitiria a destinação correta de medicamentos preventivos à doença, bem como a urgência de se encaminhar às aldeias uma ambulância em caráter permanente. As aldeias Zoró estão localizados a percursos entre 150 km e 300 quilômetros do primeiro pronto-socorro da região, em Ji Paraná.
A unidade hospitalar (CASAI) onde os indios estão sendo acolhidos não conta com estrutura específica para tratamento dos pacientes com a Covid-19. Os contaminados são colocados em um espaço separado apenas por uma enfermaria superlotada com pessoas positivadas. A unidade, para piorar, ainda trabalha com técnicos e motoristas afastados pela própria Covid-19.
A Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), também vinculada ao Ministério da Saúde, não dispõe de profissionais para dar cobertura aos trabalhos. Sem o apoio necessário, os profissionais da unidade de saúde precisam dobrar turnos de trabalho. "A situação é dramática", diz uma fonte na área.
A situação vivida pelo povo Zoró foi oficialmente comunicada ao Ministério da Justiça e à Funai no último dia 13, através do memorando 44/2020. No documento, a coordenação da Funai na região relata os procedimentos adotados no enfrentamento da pandemia e explica que a prolifeção do novo coronavírus nas aldeias ocorreu basicamente em função de encontros religiosos do calendário indígena.
"(...) Reforçamos nossas orientações com intuito de impedir encontros e aglomerações neste período em que a pandemia estava em acensão nas regiões circunvizinhas, porém foi em vão, levaram adiante a inciativa e mantiveram a programação. Neste encontro, discutiram sobre as atividades religiosas e festas com calendário anual das aldeias, sendo afirmado que seriam mantidos os calendários das festas religiosas", traz trecho do memorando.
Funai na região
Neste cenário caótico, o SESAI conta com apenas uma equipe de profissionais de saúde para atender as aldeias, todas já com suspeitas de contaminação. A Funai (Fundação Nacional do Índio) tem contribuído também com cestas básicas para tentar manter o isolamento.
A Secretaria de Saúde de Rondolândia está disponibilizando alguns testes rápidos, mas não há quantidade suficiente para um número expressivo da população.
Para o professor, analista político e mestre em História, Suelme Fernandes, já passou da hora de o governo federal fazer uma 'força tarefa' para tentar proteger os indígenas no Brasil. A situação vivida pelos Zoró, diz Suelme, é uma realidade presente hoje em todas as regiões do país.
Ele lembra a situação vivida pelo cacique Aritana Yawalapiti, grande líder do Alto Xingu, que contraiu a doença e luta para viver. Como há grande subnotificação nas aldeias, estima-se que centenas de índios já possam ter morrido pelo novo coronavírus no país. Oficialmente são cerca de 200 mortos.
"Apesar de dizimados por outras guerras biológicas, os indígenas sobreviveram a muitas epidemias no passado e precisam agora de ajuda humanitária pra vencer mais essa batalha, que põe em risco de genocídio sociedades inteiras”, lamenta Suelme Fernandes.
Os Zoró são habitantes seculares da região noroeste de Mato Grosso e sul de Rondônia. No século XX, progressivamente, seu território foi invadido por seringais e empresas de mineração. A inauguração da rodovia Cuiabá-Porto Velho, em 1961, lançou colonizadoras, agropecuárias e posseiros na disputa pelas terras indígenas. Face ao acirramento dos conflitos, organizaram-se várias expedições de “pacificação”.
Os sertanistas da Funai estimavam sua população, no final da década de 1970, entre 800 a 1000 pessoas. Um ano depois dos primeiros contatos, este número reduzira-se à metade. A invasão de suas terras por posseiros e madeireiras ganhou força nas décadas seguintes, ocasionando epidemias. A retirada dos invasores da área Zoró, no início dos anos 1990, não interrompeu a extração ilegal de madeira. Nos últimos anos, a Associação do Povo Indígena Zóro vem assumindo iniciativas para a proteção dos recursos naturais, além de apoio à educação escolar e projetos produtivos, como a coleta de castanha.
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