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"RISCO DO JAVAPORCO"

Javalis já chegaram a mais de 2.300 municípios; Brasil vive desafio de controle

Redação

 

Reprodução

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Nativos da Europa e da Ásia, javalis foram trazidos ao Brasil no início do século 20

 

Ao encontrar um rastro de javali em uma propriedade rural no interior de Santa Catarina, os caçadores do Limpa Querência soltam os cachorros para rastrear o animal, considerado uma das 100 espécies exóticas invasoras do mundo. Quando os cães alimentam alguns indivíduos do bando de porcos selvagens, formados geralmente por um macho, algumas fêmeas e vários filhotes, os homens os abatem a tiros. Em 2023, o grupo de caça eliminou 237 indivíduos.

 

Entre 2013 e 2022, de acordo com dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis ​​(Ibama), cerca de 455 mil javalis foram abatidos – os dados de 2023 ainda não foram compilados. Após suspender novas autorizações para o controle da espécie em julho passado, para adequar as regras ao novo decreto sobre armas, as análises retornaram a ser realizadas no fim de dezembro.

 

Animal nativo na Europa e da Ásia, o javali tem causado prejuízos na fauna e na flora brasileira e prejuízos nas propriedades rurais e pode se tornar um problema de saúde pública. De acordo com estudo recente da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a lançamento da caça ao animal, em 2013, foi um verdadeiro tiro que saiu pela culatra: está contribuindo para divulgar ainda mais o animal pelo território nacional. Os últimos dados disponíveis mostram que o animal foi registrado em 2.310 municípios em 2022 – em 2016, eram 489.

 

Javalis se espalha pela ação humana

 

Uma pesquisa da UFPR, publicada no periódico One Health , se baseou nos registros da existência do animal em todas as regiões e biomas brasileiros. "O javali está indo para onde tem caça, ou seja, sua propagação é feita de forma criminosa. Não tenho dúvidas, porque ele está 'saltando' pedaços de terra para aparecer só onde tem mais caça ou perto das fazendas de caça", afirma o médico veterinário Alexader Biondo, um dos autores do estudo.

 

Ele conta que parece semelhante ocorre nos Estados Unidos. "Como o animal naturalmente caminha pela terra, seria preciso ter a notificação da existência dele em todos os lugares, espalhando-se como nuvem. Mas isso não acontece. Por quê? Porque eles caçam o macho e prendem. Então, soltem a fêmea em outros lugares e levam os filhotes para criar em casa e soltar em outros lugares", explica Biondo. Não por acaso, esse espalhamento obedece à malha rodoviária, conforme ressalta o pesquisador.

 

 

No final do chamado Plano Javali, o Ibama deixa claro que as autoridades ambientais estão cientes do problema. O texto, de fevereiro deste ano, coloca entre os principais desafios o controle das “vias de introdução e dispersão”, citando “as criações clandestinas” e “a soltura para caça”.

 

O documento também afirma que, embora possa "parecer paradoxal" é preciso reforçar "ações de combate a caça" e que urge provocar uma "mudança na percepção da presença do javali como oportunidade de lazer e seu uso como bandeira pró-caça e pró- armas".

 

Controlador ou caçador

 

André Corrêa dos Santos, de 39 anos, produtor rural de Capão Alto (SC), já sentiu os impactos dos javalis em sua propriedade. Em outubro de 2023, os animais começaram a ser usados ​​na plantação.

 

"Foi só uma vez. Mas, em janeiro, eles destruíram a plantação de milho do meu vizinho. Os principais prejudicados são os que têm rendimentos de cereais, como milho, soja, trigo e feijão", relata.

 

Corrêa dos Santos integra a equipe Limpa Querência, com sede em Correia Pinto (SC), formada por 12 caçadores e 12 cachorros da raça Foxhound Americano. Quase todos os sábados, eles vão até uma propriedade para caçar javalis.

 

O caçador considera sua atividade como lazer. "A gente pode ir para o mato e não abater nada, mas voltar para casa com energia recarregada. Claro que, quando tem um abate, é melhor. E também estamos ali para preservar a natureza. A maioria dos caçadores é produtor também e a gente sabe o que se passa no campo ou na lavoura".

 

O Limpa Querência continua caçando em 2023 – o Ibama parou de analisar novas autorizações para adequar as normas ao novo decreto de armas. Além da permissão do órgão ambiental, é preciso ter uma declaração assinada (via gov.br ou em cartório) do dono da propriedade.

 

Risco sanitário

 

Registros indicam que os javalis foram trazidos ao Brasil no início do século 20, mas em pequena quantidade. A partir dos anos 1980, houve uma tentativa de promoção de criações comerciais de olho no mercado gastronômico de carnes exóticas. Não funcionou. O manejo é difícil, porque apesar de ser da mesma espécie do porco doméstico, trata-se de um animal bastante agressivo.

 

Alguns ex-criadores decidiram soltar os bichos na natureza. Ao cruzar com o porco doméstico, ele deu origem a um híbrido geralmente chamado de javaporco. "São animais rústicos e violentos, têm uma hierarquia e andam em bandos. E, no Brasil, ao contrário da Europa, ele não tem predador natural", explica Biondo.

 

Onívoro, o bicho destrói a mata nativa e ataca ninhadas de animais. O javali chega a pesar 150 quilos, enquanto um cateto, porco-do-mato brasileiro, fica entre 15 e 30 quilos, e a queixada, entre 20 e 40.

 

Ameaça à saúde pública

 

De acordo com pesquisas recentes realizadas pelos professores da UFPR, o javali também representa um problema para a saúde pública. Isso porque ele pode estar ajudando na divulgação de zoonoses, ou seja, doenças que podem ser transmitidas entre humanos e animais.

 

“Capturamos 20 javalis dentro de um parque [de conservação ambiental] e oito deram positivos para raiva”, exemplifica Biondo. Os pesquisadores relataram dez doenças que o animal "acaba intercalado com o reservatório" com potencial para transmitir.

 

Desde 2012, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) apoia a vigilância oficial e a realização do monitoramento sanitário do javali, em colaboração com o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). O material desenvolvido é fornecido por controladores, que passam por capacitação e voluntariamente coletam o sangue após o abate. Corrêa dos Santos é um deles.

 

Na suinocultura, a maior preocupação é a possibilidade de ocorrência da peste suína clássica (livre na maior parte do território) e da peste suína africana (erradicada), que têm alto impacto na produção e no mercado.

 

"A condição sanitária da suinocultura nacional foi conquistada com muito esforço e deve ser mantida. Apesar de ser um risco, essas doenças estão sob vigilância oficial e, até o presente, não foram bloqueadas em javalis", explica a pesquisadora em sanidade animal na Embrapa Suínos e Aves, em Concórdia (SC), Virgínia Santiago Silva.

 

A Embrapa também pesquisa zoonoses. Foram detectados, por exemplo, anticorpos contra os agentes que causam leptospirose, toxoplasmos, triquinelose e hepatite, dentre outras.

 

“Isto indica que os javalis estão em contato com estes patógenos e, mesmo que aparentemente sadios, representam risco a demais hospedeiros suscetíveis”, destacou a pesquisadora.

 

Unidades de conservação

 

Um dos lugares onde pode ser observado o impacto do javali no meio ambiente é no Parque Nacional de São Joaquim, na serra catarinense.

 

"O que mais me impressiona é chegar nas áreas de campo e ver o estrago que os javalis estão causando. Parece que passou um trator e que alguém vai plantar alguma coisa", comenta Michele de Sá Dechoum, coordenadora do Laboratório de Ecologia de Invasões Biológicas , Manejo e Conservação (Leimac) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

 

Michele orienta pesquisas sobre o animal, que está destruindo áreas dos campos de altitude, um ecossistema rico em biodiversidade e importante culturalmente.

 

"Quando os javalis vão fuçando e revirando o solo, algumas espécies vão sumindo. E esses campos têm espécies ameaçadas, espécies endêmicas. Para a biodiversidade é super importante ter uma estrutura bem mantida. Porque se há um efeito nas plantas, que são a base da cadeia alimentar, certamente vai chegar ao topo em algum momento", explica.

 

Os acadêmicos da UFPR defendem que o controle seja sistemático — e não atrelando a ideia a um lazer armamentista. “A caça é perigosa, isto já demonstramos”, ressalta Biondo. Além de não controlar a população do suíno, os caçadores muitas vezes alvejam animais como veados, capivaras, antas, entre outros.

 

Biondo defende que esse controle seja feito por empresas especializadas, com o uso de armadilhas. “O javali precisa ser retirado de nossa fauna, porque não há nada que concorra com ele”, alerta. “Mas não é a caça de final de semana que vai resolver”.

 

*Via DW

 

 

 

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