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Quinta-feira, 05 de Junho de 2025, 06h:00 - A | A

CENSURA NA REDE?

Como STF pode regular plataformas digitais após ameaças do governo Trump

Redação

  

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O Supremo Tribunal Federal (STF) voltou a analisar na quarta-feira (4/6) duas ações que podem endurecer a regulamentação das plataformas digitais no país. A Corte vai decidir se as empresas passarão a ser obrigadas a deletar conteúdos considerados criminosos, sem necessidade de uma decisão judicial prévia como ocorre hoje.

 

O julgamento, porém, foi suspenso novamente e será retomado nesta quinta-feira (5/6).

 

Em dezembro, três ministros votaram para aumentar as obrigações das plataformas, sendo que os ministros Dias Toffoli e Luiz Fux foram mais duros que Luís Roberto Barroso, atual presidente da Corte.

 

O julgamento foi retomado com o voto do ministro André Mendonça, que havia pedido vista (mais tempo para analisar o caso). 

 

Ele citou juristas estrangeiros e brasileiros para enfatizar a importância da liberdade de expressão. Ao comentar sobre a circulação de informações falsas, o ministro afirmou que há manifestações que ocorrem em um contexto de insatisfação com as instituições, "inclusive por meio da defesa de outros regimes de governo", e que essa insatisfação não seria solucionada impedindo as pessoas de se manifestar.

 

 

"Isso não significa, por óbvio, que todo e qualquer tipo de discurso mentiroso deva ser tolerado ou mesmo considerado isento de responsabilidade posterior. O que se pretende afirmar é que não é pelo simples fato de se ser mentiroso que o discurso deve ser automaticamente censurado", afirmou.

 

A volta do tema na Corte ocorre em um momento de tensão entre o STF, empresas do setor e o governo dos Estados Unidos. Nas últimas semanas, a gestão Trump intensificou as ameaças de retaliação a autoridades estrangeiras que têm atuado para regular plataformas digitais ou tomado decisões contra usuários que estariam cometendo crimes em redes sociais — ações que a Casa Branca considera censura.

 

O ministro do STF Alexandre de Moraes foi citado nominalmente como um dos potenciais alvos de sanções pelo secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio.

 

Defensores do endurecimento da regulação das plataformas consideram que é preciso adotar regras mais rígidas sobre esse setor para evitar a circulação de conteúdo criminoso nas redes, como mensagens que incentivem assassinatos em escolas ou ataques contra o sistema democrático.

 

Já os críticos consideram que as empresas vão acabar deletando conteúdos legítimos com medo de punições, afetando a liberdade de expressão.

 

Grandes plataformas como Google (dona do YouTube), Meta (dona de Facebook, Instagram e WhatsApp) e X (antigo Twitter) usam esse argumento para se opor a mudanças, que podem aumentar seus custos operacionais e o risco de punições, como multas elevadas caso não cumpram regras novas.

 

"As plataformas vão ter que preventivamente remover qualquer conteúdo que seja potencialmente questionável para evitar uma responsabilização ou um passivo financeiro", disse o presidente do Google no Brasil, Fábio Coelho, em entrevista recente ao portal UOL.

 

Antes do início do voto de Mendonça, Barroso fez uma fala inicial, rebatendo críticas de que o STF estaria "legislando", ou seja, assumindo indevidamente o papel do Congresso Nacional na regulação das plataformas.

 

O presidente da Corte argumentou que é papel do Judiciário decidir quando questões litigiosas são levadas a sua avaliação. Ele lembrou que o Supremo está julgando dois casos concretos, de pessoas que processaram plataformas por não deletar conteúdos falsos ou ofensivos sobre elas, e que a decisão do STF vai criar parâmetros para futuros julgamentos semelhantes.

 

"Os critérios adotados pelo tribunal para decidir os casos trazidos perante ele só prevalecerão até que o Congresso Nacional legisle, se e quando entender que deve legislar a respeito. E quando o Congresso legislar a respeito, é a vontade do Congresso que vai ser aplicada pelo Supremo Tribunal Federal, desde que, evidentemente, compatível com a Constituição", disse Barroso.

 

"Estabelecer os critérios que vão reger os casos que chegarem ao Judiciário é nosso dever e nada tem de invasão à competência dos outros Poderes e muito menos tem a ver com censura", continuou.

 

Entenda melhor a seguir o contexto de ameaças ao STF, o que a Corte está julgando e o que pode ser decidido.

 

O contexto de ameaças de Trump ao Supremo

 

O julgamento ocorre em um momento em que toda a Corte parece estar na mira do governo Trump, mas o foco claro está em Moraes.

 

Nos últimos anos, o ministro suspendeu contas em plataformas ou determinou a prisão de pessoas que teriam proferido discursos antidemocráticos e ameaçado autoridades brasileiras no ambiente virtual, atingindo grandes empresas sediadas nos EUA. Ele chegou a suspender a atuação do X no país, quando a empresa americana se recusou a cumprir suas decisões.

 

Atualmente, o ministro é relator de um processo criminal sobre uma suposta tentativa de golpe de Estado liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) está nos EUA articulando para que a Casa Branca retalie Moraes, por exemplo com a proibição de sua entrada no país ou a aplicação Lei Global Magnitsky, que impede qualquer pessoa ou empresa nos EUA de realizar transações econômicas com o alvo das sanções.

 

Em resposta, o ministro atendeu ao pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) e abriu um inquérito para investigar o filho do ex-presidente por tentativa de obstrução de Justiça.

 

Para Pablo Ortellado, professor de gestão de políticas públicas na USP, a retomada do julgamento neste momento pode ser entendida como uma resposta institucional do STF às ameaças do governo Trump.

 

"Tem um jogo de pressão mútua. Ficou claro nas manifestações do Departamento de Estado [sobre potenciais sanções contra autoridades estrangeiras] que aquilo era sobre o Brasil, sobretudo. E, secundariamente, por extensão, Europa. Não sei se foi só isso, mas com certeza isso faz parte do contexto da retomada do julgamento", ressalta.

 

Para a especialista em governança e regulação digital Bruna Santos, as ameaças do governo Trump mostram que a Casa Branca identificou que é do STF que pode sair uma regulação das plataformas, já que o tema está travado no Congresso brasileiro.

 

"A retomada do julgamento, acima de tudo, é mais uma das demonstrações de força do Judiciário brasileiro com relação ao tema de regulação de plataformas. Mostra que o Judiciário tem esse interesse em oferecer respostas que o Congresso não ofereceu", disse Santos, que atua na Witness, organização baseada nos EUA que promove o uso da tecnologia para defesa dos direitos humanos.

 

A análise do tema no STF começou em dezembro, mas foi interrompida por pedido de vista (mais tempo para analisar o caso) do ministro André Mendonça. Com o fim do prazo para vista, Mendonça liberou as ações para julgamento na semana passada e o presidente do STF pautou o julgamento rapidamente.

 

A regulamentação das plataformas é defendida pelo governo Lula e repudiada pelo campo bolsonarista.

 

Na sexta-feira (30/5), Jair Bolsonaro exaltou a participação de Google e Meta no 2º Seminário Nacional de Comunicação do Partido Liberal (PL), em Fortaleza. As duas empresas apresentaram como funcionam alguns de seus produtos, como ferramentas de Inteligência Artificial.

 

Procuradas pela BBC News Brasil, Google e Meta negaram qualquer alinhamento com campos políticos e informaram que o mesmo tipo de apresentação já foi oferecido para outras instituições e partidos.

 

"Passou aqui o representante da Google e da Meta. Estão do lado certo, juntamente com as diretrizes da Primeira Emenda [da Constituição] dos Estados Unidos. A liberdade de expressão é a nossa alma, é o nosso oxigênio", afirmou Bolsonaro, no evento.

 

Em seu discurso, o ex-presidente também disse contar com a ajuda do governo Trump, após citar a atuação do seu filho nos EUA.

 

"Não é fácil, mas nós venceremos. Com a ajuda de Deus e também com a ajuda de outro país lá do norte. Enganam-se aqueles que acham que só nós temos condições de reverter esse sistema. Não temos. Precisamos de ajuda de terceiros", disse.

 

Lula, por sua vez, atacou a atuação de Eduardo Bolsonaro nos EUA e disse que, se algo concreto acontecer, "o Brasil vai defender, não só o seu ministro, mas defender a Suprema Corte".

 

"O que é lamentável é que um deputado brasileiro, filho do ex-presidente, está lá a convocar os Estados Unidos para se meter na política interna do Brasil. É uma prática terrorista, um prática antipatriótica", disse, em entrevista a jornalistas na terça-feira (3/6) no Palácio do Planalto.

 

 

Entenda melhor o que será julgado

 

As duas ações questionam a constitucionalidade de trechos do Marco Civil da Internet — ou seja, se trechos dessa lei estariam em desacordo com princípios da Constituição e, por isso, devem ter sua aplicação alterada pelo STF.

 

O foco principal é a validade do artigo 19, que estabelece que as plataformas digitais não podem ser responsabilizadas por conteúdos compartilhados pelos usuários, com exceção dos casos de "pornografia de vingança" (divulgação de imagens de nudez sem autorização da pessoa fotografada/filmada).

 

Ou seja, o artigo 19 significa que as empresas, na maioria dos casos, só são obrigadas a apagar postagens após ordem judicial.

 

As duas ações em julgamento tratam de casos concretos, mas a decisão terá repercussão geral, ou seja, fixará parâmetros gerais para o funcionamento das plataformas.

 

Num dos casos julgados, uma professora processou o Google porque a empresa se recusou a apagar uma comunidade contra ela criada por alunos no Orkut, rede social que já não existe mais. A professora chegou a notificar extrajudicialmente a plataforma solicitando a exclusão da página antes de ingressar na Justiça, mas não foi atendida.

 

No outro caso em análise, uma mulher processou o Facebook (rede social do grupo Meta) por se recusar a apagar um perfil falso criado com seu nome para divulgar conteúdo ofensivo.

 

As duas empresas argumentaram que não poderiam apagar conteúdos sem decisão judicial, sob risco de ferir a liberdade de expressão.

 

"Ser obrigação dos provedores de aplicações na internet as tarefas de analisar e excluir conteúdo gerado por terceiros, sem prévia análise pela autoridade judiciária competente, acaba por impor que empresas privadas — como o Facebook Brasil e tantas outras — passem a controlar, censurar e restringir a comunicação de milhares de pessoas, em flagrante contrariedade àquilo estabelecido pela Constituição Federal e pelo Marco Civil da Internet", argumentou o Facebook na ação.

 

Em argumentação semelhante, a Google sustenta que não tem obrigação de indenizar a professora por não ter removido a comunidade no Orkut antes de uma determinação judicial:

 

"Não sendo a Google possuidora do poder jurisdicional do Estado e não havendo qualquer conteúdo manifestamente ilícito no perfil objeto da lide, não se poderia esperar outra atitude sua do que aguardar o posicionamento do Poder Judiciário", disse a empresa.

 

A professora que processou a rede social, por sua vez, argumentou ao STF que "admitir as razões da Recorrente (Google) seria correr o risco de se fazer da internet uma terra sem lei, onde anonimamente, invocando a liberdade de expressão e o direito de comunicação, praticar-se-á todo tipo de ato e crime sem vigilância, consequência ou punição alguma".

 

 

O que pode ser decidido pelo STF?

 

A expectativa é que o STF deve endurecer a regulação das plataformas. Além dos três que já votaram assim, outros já defenderam isso publicamente, como Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Flávio Dino.

 

Juristas especialistas em direito digital ouvidos pela reportagem acreditam que o STF vai ampliar a possibilidade de responsabilização das empresas em caso de conteúdos criminosos compartilhados em suas plataformas.

 

Os primeiros votos indicam que isso pode incluir conteúdos como pornografia infantil e crimes graves contra crianças e adolescentes; instigação a suicídio ou a automutilação; tráfico de pessoas; atos de terrorismo; abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.

 

A ideia é que empresas poderiam ser punidas caso não apaguem essas informações após serem notificadas por usuários.

 

Se a maioria do STF de fato for por esse caminho, a expectativa é que a Corte estabeleça uma nova interpretação do artigo 19 do Marco Civil da Internet "conforme a Constituição" — ou seja, uma nova aplicação da lei que estaria mais adequada à conciliação de preceitos constitucionais como a inviolabilidade da honra e da imagem dos indivíduos e os direitos à liberdade de expressão e de livre comunicação.

 

A saída divide juristas. Para alguns, o tema deveria ser decidido no Congresso Nacional, com amplo debate e participação da sociedade. Propostas de novas leis sobre o tema, porém, têm ficado travadas devido à grande divisão dos parlamentares.

 

Para Pablo Ortellado, a pressão do governo Trump não deve evitar que os ministros do STF decidam por uma regulamentação mais dura. Defensor de que essa mudança deveria partir do Congresso, ele diz temer que o STF "pese a mão".

 

"É meio esperado que vai ser considerado inconstitucional o artigo 19, mas o que que vai ser colocado no lugar? Não conseguiria nem chutar aqui porque os ministros [que já votaram] falaram coisas muito desencontradas", disse.

 

"É muito importante que a gente tenha uma regulação equilibrada. Uma resposta boa do ponto de vista técnico seria a gente ter alguma coisa como o 'dever de cuidado' europeu, mas não sei o que vai vir", defendeu.

 

O "dever de cuidado" adotado pela União Europeia é a obrigação das plataformas de atuar sistematicamente para evitar a circulação de conteúdos criminosos. As empresas devem produzir relatórios frequentes sobre suas ações e podem ser punidas se ficar comprovada uma falha sistemática em coibir esses conteúdos.

 

Isso exigiria uma instância para fazer essa fiscalização. O ministro Toffoli chegou a propor em seu voto a criação de um departamento no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para acompanhar a aplicação da decisão do STF no julgamento em curso.

 

 

O que dizem as plataformas?

 

Procuradas pela BBC News Brasil, empresas do setor manifestam preocupação com o julgamento o STF.

 

A Câmara Brasileira da Economia Digital (camara-e.net) — que representa empresas de serviços digitais e comércio eletrônico, incluindo Google, Meta e TikTok — diz que "a responsabilização objetiva imposta sem critérios claros representa um retrocesso para o ambiente digital brasileiro, prejudicando a inovação, o empreendedorismo e o acesso a serviços essenciais".

 

"A entidade destaca que mudanças nesse artigo [do Marco Civil da Internet] podem abrir precedentes perigosos para a censura privada, com remoção preventiva de conteúdos legítimos — inclusive diante de denúncias infundadas — prejudicando educadores, criadores de conteúdo, jornalistas, pequenos negócios e milhões de usuários".

 

"A camara-e.net defende que qualquer alteração tão impactante deve ser discutida amplamente no Congresso Nacional, com ampla participação técnica, social e do setor produtivo, para garantir segurança jurídica, proteção de direitos fundamentais e o equilíbrio necessário para o desenvolvimento sustentável da economia".

 

Em nota enviada à reportagem, o Google disse que já remove "centenas de milhões de conteúdos" que violam suas regras e defendeu o atual modelo, em que a Justiça é quem determina a retirada de outros conteúdos.

 

"Boas práticas de moderação de conteúdo por empresas privadas são incapazes de lidar com todos os conteúdos controversos, na variedade e profundidade com que eles se apresentam na internet, refletindo a complexidade da própria sociedade."

 

"A atuação judicial nesses casos é um dos pontos mais importantes do Marco Civil da Internet, que reconhece a atribuição do Poder Judiciário para atuar nessas situações e traçar a fronteira entre discursos ilícitos e críticas legítimas".

 

Questionada sobre atuação do Google em um seminário de comunicação do PL, a empresa diz que oferece treinamento para diferentes partidos.

 

"O Google participa de inúmeros eventos oferecendo treinamentos, com foco em ferramentas como Gemini e Google Trends. Esse tipo de iniciativa contribui com o entendimento de profissionais em diversas áreas sobre novas tecnologias, incluindo a inteligência artificial".

 

"Ao longo dos últimos anos, o Google ministrou treinamentos para organizações pelo país, incluindo partidos políticos de todos os campos, órgãos públicos, empresas e empreendedores."

 

Procurada, a Meta enviou à reportagem manifestação da empresa de dezembro, quando o STF iniciou o julgamento.

 

"Temos uma longa história de diálogo e colaboração com as autoridades no Brasil, incluindo o Judiciário. Mas nenhuma grande democracia no mundo jamais tentou implementar um regime de responsabilidade para plataformas digitais semelhante ao que foi sugerido até aqui no julgamento no STF".

 

"Não é o caso do regime previsto na Lei dos Serviços Digitais (DSA, na sigla em inglês) na União Europeia, nem no NetzDG na Alemanha ou na Seção 230 do Communications Decency Act (CDA) nos Estados Unidos".

 

A empresa disse esperar "que seja alcançada uma solução balanceada sobre o regime de responsabilidade das plataformas digitais no Brasil à medida que o julgamento sobre a constitucionalidade do Artigo 19 do Marco Civil da Internet avança".

 

Questionada sobre atuação da Meta no seminário de comunicação do PL, a empresa respondeu: "Treinamentos com partidos políticos com presença no Congresso Nacional são parte recorrente do nosso trabalho há muitos anos. Oferecemos esses encontros para capacitar suas equipes sobre boas práticas em nossas plataformas."

 

A reportagem tentou contato com o X, por meio do escritório da advogada Rachel Vila Nova Conceição, representante legal da empresa no Brasil, mas não obteve retorno.

 

*Via BBC News Brasil

 

 

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