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opinião Segunda-feira, 21 de Outubro de 2024, 08:45 - A | A

Segunda-feira, 21 de Outubro de 2024, 08h:45 - A | A

OPINIÃO

TRIBUTAR DIVIDENDOS É PRECISO, VIVER NÃO É PRECISO

*VIVALDO LOPES

 

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É bastante provável que, caso o maior poeta de língua portuguesa, Fernando Pessoa, ainda estivesse vivo e fosse convidado a fazer uma de suas deliciosas crônicas sobre distribuição de dividendos pelas empresas brasileiras, o título do texto seria o que inventei acima. O Brasil precisa, urgentemente, voltar a tributar a distribuição de dividendos aos acionistas das empresas nacionais e multinacionais que operam no país. Como era antes de 1996, quando a legislação tributária que rege o pagamento de lucros e dividendos a pessoas físicas e jurídicas foi alterada, isentando-os totalmente do pagamento do imposto de renda.

 

Segundo estudo feito pelo economista Sérgio Gobetti, pesquisador do IPEA, baseado em dados da Receita Federal, em 2022, as empresas brasileiras distribuíram a seus acionistas, pessoas e empresas, mais de R$ 1 trilhão, livres do pagamento de imposto de renda. Desse montante, R$ 830 bilhões foram pagos a pessoas que anotaram em suas declarações anuais do IRPF e R$ 205 bilhões foram pagos a pessoas e empresas estrangeiras, também sem nenhuma incidência de imposto de renda.

 

Boa parte das análises da renda de lucros e dividendos olham apenas os valores declarados pelas pessoas físicas à Receita Federal. Entretanto, boa parte de lucros e dividendos são de uma empresa para outras empresas dos seus acionistas.

 

Em 2017 o pagamento de lucros e dividendos eram da ordem de R$ 400 bilhões. Portanto, em cinco anos, lucros e dividendos cresceram 150% nominalmente e 90% acima da inflação. Dos R$ 830 bilhões pagos a brasileiros, 74% foram para o 1% mais ricos da sociedade.

 

Chama a tenção o fato que a parte paga aos residentes no exterior saem do Brasil totalmente isentos de imposto de renda. Dos dividendos pagos pela estatal Petrobras, por exemplo, 47% são enviados a pessoas e empresas residentes no exterior.

 

No entanto, nos países onde residem, pagam imposto de renda ao internalizarem seus ganhos. Isto é, empresas brasileiras e estrangeiras estão gerando lucros e dividendos aqui, não pagam nada sobre essa renda e aumentam as receitas tributárias dos países para onde os lucros são remetidos.

 

Será necessária, antes, criar condições e musculatura políticas para enfrentar poderosos grupos de interesses que sempre impediram o avanço da modernização da tributação da renda no Brasil.

 

Não vejo nenhuma argumentação razoável para o Brasil continuar sendo um dos raríssimos países onde lucros e dividendos distribuídos aos acionistas são isentos de imposto de renda. A não ser alguns argumentos pífios daqueles que não querem pagar imposto sobre a renda.

 

Dos países que compõem a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), apenas Letônia e Estônia não cobram imposto sobre lucros e dividendos pagos aos acionistas. Em todos os demais é cobrado, com alíquota média de 23,6%.

 

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que vai apresentar proposta de reforma ampla da tributação da renda em 2025. A renda originada do recebimento de lucros e dividendos é parte fundamental do esforço nacional para reduzir a desigualdade existente no Brasil na forma de tributar a renda do trabalho e dos lucros.

 

Certamente não é uma empreitada das mais fáceis.

 

Será necessária, antes, criar condições e musculatura políticas para enfrentar poderosos grupos de interesses que sempre impediram o avanço da modernização da tributação da renda no Brasil.

 

Será preciso fazer concessões, como  reduzir o imposto de renda das empresas antes da distribuição de lucros e dividendos.  Ao mesmo tempo, cortar exceções e privilégios que perduram na legislação atual e beneficiam apenas as classes de alta e altíssima renda.

 

O estratosférico crescimento da renda de lucros, muito superior à renda do trabalho, explica o extraordinário aumento recente da concentração de renda no Brasil, elevando ainda mais o abismo social.

 

Creio que Fernando Pessoa diria “... reformar é preciso, viver não é preciso”.

 

*VIVALDO LOPES é economista. 

 

 

 *Os artigos são de responsabilidade seus autores e não representam a opinião do Mídia Hoje.

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