Léguas e léguas separam uma relação digital da beleza de uma relação real, olho no olho.
Sentimentos, emoções, percepções e pequenas delicadezas que só a proximidade física pode transmitir, mostram como é falso esse mundo virtual a que hoje nos entregamos com tanta superficialidade.
Nas minhas andanças recentes pelo Rio de Janeiro, cidade onde passei doze anos importantes de minha vida, pude reencontrar amigos queridos que povoaram os meus dias e me ajudaram a vencer essa fase tão difícil da juventude.
Após um vestibular traumático, em que muitos, assim como eu, eram interioranos, não havia opção para o fracasso.
Todos sairiam médicos e retornaríamos às nossas cidades de origem com um único propósito: o de nos tornarmos úteis e mais indulgentes com os nossos semelhantes.
Claro que nesse processo de grande solidão, e jogado abruptamente num abismo cultural - jovem com hábitos simples que se depara com uma belíssima, mas amedrontadora cidade - a presença de amigos especiais foi decisiva, e logo nos tornamos uma grande família. Alguns desses amigos acabaram se fixando no Rio e fazendo carreiras profissionais brilhantes.
Aprendemos a entender que as coisas que nos aconteceram daí em diante, praticamente as mesmas com todos, eram apenas frutos de uma cultura que valoriza mais o “ter” que o “ser”.
Aí estariam incluídos alguns desencontros familiares e profissionais, apenas em diferentes níveis.
Talvez, nós médicos, nessa lida diária com o outro nos seus melhores e piores momentos, nos tornamos impregnados dessa compreensão permanente e nos esquecemos de nós mesmos como seres humanos, tão frágeis quanto todos os outros.
Diante disso, somos alvos fáceis para as adversidades da vida.
Filosofamos juntos sobre todas essas coisas e, a cumplicidade que já existia, foi crescente.
O nosso reencontro foi muito mais do que idealizei.
A essa altura de minha vida pude ter a sensação de que os anos de ausência mútua só fizeram aumentar a confiabilidade e o respeito que sempre nos uniram.
Como se não bastasse, rever a magia do Rio de Janeiro que, apesar de violento, recebe de braços abertos, os que dele se aproximam. Nos sentimos, num instante, possuídos por uma aura de alegria e luminosidade, que dificilmente encontramos em outras cidades do mundo.
Depois de tantos anos, já colhendo os frutos de uma vida pessoal e profissional bem-sucedida, pudemos avaliar juntos o quanto toda essa bagagem afetiva foi importante em nossas vidas.
Dizem que “recordar é viver”, mas foi muito mais do que isso, foram dias inesquecíveis de completa paz e entrosamento.
A minha saudade e a minha gratidão a todos que me acolheram tão carinhosamente.
Esta carta-crônica foi escrita por um colega de turma do interior (ES), e lida na reunião do grupo de médicos, 53 anos após a nossa formatura (1960), e prefere se manter no anonimato.
Estou publicando-a após 9 anos, por achar este texto tão verdadeiro, que não poderia pertencer só a mim.
*Gabriel Novis Neves
https://bar-do-bugre.blogspot.com
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