Ricardo Guilherme Dicke brilha na literatura brasileira com o fulgor de um farol, iluminando os cenários do pantanal e da vida rural de Mato Grosso. O cotidiano campesino é a matéria-prima de seu texto, a dureza da terra, a dureza da vida, convertendo-se em poesia e prosa. É um poeta das contradições, descreve o belo e o brutal da vida humana em sua mais pura percepção.
Sua obra foi apreciada e elogiada por famosos cineastas e escritores consagrados, como Glauber Rocha e Hilda Hilst, que disseram que Dicke era um “gigante” da literatura brasileira.
É um autor que traduz o sertanejo em narrativa densa e repleta de significados. Dicke não apenas descreve o pantaneiro, o sertanista; ele o vivencia em cada palavra, levando o leitor a sentir a poeira sufocante e a luta constante pela sobrevivência.
Sua escrita é um mergulho profundo nas emoções e nas realidades daqueles que habitam as margens da sociedade, apresentando um espectro rural que é ao mesmo tempo físico e metafórico.
Num mundo cheio de injustiça e diferenças, a voz de Dicke está viva, e é um vento de oportunidade e um desafio a todos.
No romance "Cerimônias do Sertão", Frutuoso Celidônio é um professor de Filosofia demitido da universidade, "dando um tempo" na casa de parentes na Guia, perto de Cuiabá, e lá fica aprisionado pela cheia que derrubou todas as pontes de acesso ao distrito. Ele ingere medicamentos controlados para um problema mental, provavelmente esquizofrenia, fato que possibilita a exploração de conflitos paralelos, onde mundos imaginários povoados de figuras míticas se misturam ao contexto deste personagem (sinopse, editora Carlini e Caniato).
Influenciado por autores como João Guimarães Rosa, Dicke desenvolveu uma voz única que ressoa com a força das tradições literárias brasileiras enquanto traça seu próprio caminho. Sua obra está impregnada dos pensamentos profundos sobre a condição do ser humano, em que cada personagem é uma abertura para o mundo interior do autor. Cada paisagem que ele descreve é o reflexo da alma que a habita, com a relação recíproca entre o ambiente e a psique humana.
Dicke era um pensador engajado. Muitos de seus romances tinham um subtexto político. O melhor exemplo a ser citado é o romance “Caieira”. Em seus ensaios e artigos, Dicke se preocupava com a injustiça social, a marginalização e a demanda de
atitude decente. Para Dicke, a literatura era um grito, razão suficiente.
Mato Grosso, com sua vastidão e diversidade cultural, foi uma fonte inesgotável de inspiração para Dicke. Ele capturou as transformações da região, as tensões entre progresso e tradição, e a complexa interação entre o rural e o urbano. Em suas
narrativas, o sertão é mais do que um cenário; é um personagem vivo que influencia e é influenciado pelos seres humanos que nele habitam.
Seu estilo literário é caracterizado por um lirismo que contrasta com a crueza das realidades que descreve. Ele transforma a violência e a dor em beleza, criando uma prosa que é, ao mesmo tempo, devastadora e redentora. Através de suas descrições vívidas e sua atenção aos detalhes, Dicke convida a ver o mundo com novos olhos, a encontrar a poesia no cotidiano e a reconhecer a dignidade inerente em cada ser humano.
Em 2008, Ricardo Guilherme Dicke faleceu, mas seu legado vive e continua a inspirar e desafiar leitores e escritores. A literatura de Dicke é uma prova da capacidade desta arte de ajudar a esclarecer as verdades sobre a experiência humana e de fomentar a empatia e a compreensão.
Num mundo cheio de injustiça e diferenças, a voz de Dicke está viva, e é um vento de oportunidade e um desafio a todos.
É por aí...
*GONÇALO ANTUNES DE BARROS NETO tem formação em Filosofia, Sociologia e Direito.
*Os artigos são de responsabilidade seus autores e não representam a opinião do Mídia Hoje.
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