Uma das preciosidades para o macro e microssistema de Justiça é o testemunho. Mas, tem o testemunho importância epistemológica? As conclusões formuladas a partir de testemunhos têm valor na teoria do conhecimento?
Um dos mais importantes pensadores da ciência moderna, David Hume enfrentou essa questão, a qual passou a largo de muitos outros.
No seu ensaio sobre os milagres, na seção X da sua obra “Investigações Sobre o Entendimento Humano", Hume mostra que a crença nos milagres não é fundamentada, vez que se baseia no testemunho e, a partir deste, aceita uma ruptura no funcionamento das leis naturais.
Essa posição vem sendo considerada como um reducionismo epistemológico, visto concluir que para se saber algo com fundamento é preciso que o próprio sujeito conhecedor tenha acesso direto à ocorrência empírica àqual esse conhecimento se refere ou, ainda, consiga desenvolver por si o raciocínio que levou à conclusão defendida.
Prossegue Hume, afirmando que, nas questões de fato, a experiência é o único guia, e assim mesmo falível. Trabalha-se com a questão de confiabilidade e de probabilidade, apesar de frisar a importância do testemunho, considerando-o necessário à vida humana.
Estas eleições demonstraram que a versão, por vezes, pode pegar os fatos desavisados. As Fake News enganaram a muitos, especialmente os distraídos.
Vencer a mentira será tarefa de quem busca, endogenamente, a verdade, a essência de todas as coisas.
A Justiça Eleitoral teve muito trabalho, é verdade, mas no conjunto da obra está de parabéns pelo trabalho desempenhado no cumprimento do dever de fiscalizar, inclusive de ofício, sem provocação, pois é o único ramo do Judiciário que tem o poder de polícia, significando afirmar que não precisa ser provocada para agir.
Portanto, a confiança no testemunho não decorre de um raciocínio automático e “a priori” com a realidade, mas na probabilidade considerando a realidade. Isso é de suma importância para se defender das Fakes News.
Frise-se que a partir do séc. XX, filósofos têm se debruçado sobre o valor epistemológico do testemunho (Coady, por exemplo). Não precisa ir muito longe, bastando lembrar que a reflexão científica parte muitas vezes do testemunho de outros cientistas.
Assim, que diferença há entre as afirmações “eu vi” e “me contaram” (mundo fake)?
No processo judicial haverá importância quanto às inferências resultantes a partir da indução e dedução de tudo o que se encontra na quadra da demanda, em especial se as afirmações respondem ou não à mesma pergunta. Se satisfatoriamente responderem, não haverá diferença substancial entre elas.
Indiscutível é a existência de um “gênio benigno” (parafraseando o “gênio maligno” de Descartes) incomodando os leitores, que passam a ser testemunhas de tudo quanto lê e observa, no sentido de induzir dúvidas e criar ilusões, além de sensível reflexão contra tudo aquilo que se lhe apresenta aos olhos.
Vencer a mentira será tarefa de quem busca, endogenamente, a verdade, a essência de todas as coisas.
No espectro das delações premiadas, as coisas tendem a complicar ainda mais em razão dos interesses políticos maiores e subjacentes aos processos, que nunca são de partes bem definidas, mas a definir.
O testemunho (do leitor responsável e crítico) produz conhecimento, afasta a mentira e é importante para a epistemologia, disso parece não haver mais dúvida na melhor filosofia e, especialmente, na política. No Direito, em que é a figura mais emblemática, seu grande valor é indiscutível, mesmo considerando o alto grau de subjetividade.
A diferença estará na capacidade dos agentes que o operam no descortinar das situações apresentadas.
A essência das pessoas fará toda a diferença e será dela a cereja do bolo, ainda que haja tentativa de envenená-la com acidez “verborrágica” dos que trilham o despreparo intelectual e humano.
É por aí...
*GONÇALO ANTUNES DE BARROS NETO tem formação em Filosofia e Direito e escreve aos domingos em A Gazeta (email: [email protected]).
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