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opinião Segunda-feira, 25 de Novembro de 2019, 13:14 - A | A

Segunda-feira, 25 de Novembro de 2019, 13h:14 - A | A

ARTIGO

Esse guri tá pestiado, leva pra benzer!

*SUELME FERNANDES

 

Fiquei sabendo que no dia 30 deste mês haverá o I Encontro de Benzedeiras da Baixada Cuiabana, organizado por uma entidade chamada Obras Sociais Meimei na capital. Daí me senti estimulado a publicar um texto para refletir sobre essa antiga prática arraigada na nossa cultura local e nacional- a benzeção.

Num levantamento preliminar que fiz há algum tempo com alguns pesquisadores de Cuiabá, identifiquei umas 46 benzedoras em Cuiabá sem muito esforço, esparramados em vários bairros da cidade em plena atividade (entre os mais leves e os mais graduados é claro) e incluindo parteiras antigas.

Pelo sim ou pelo não, gostem ou não, tem muita gente que recorre a estes menestréis do povo nas curas espirituais, adivinhações, benzeções e proteções.

A prática das benzeções existe desde a fundação do Brasil, motivadas pela quase inexistência de agentes de curas (médicos) obrigando o povo a procurar outras formas de curas, misturando sabedorias transculturalizadas, mescla de culturas e plantas africanas, conhecimentos indígenas associadas a um catolicismo rudimentar português.

Segundo a historiadora Laura Melo e Souza no livro Inferno Atlântico “no dia-a-dia estas benzeções sempre foram mais eficientes do que qualquer sistema de saúde pública ao longo da história do Brasil”.

Cresci vendo minha mãe benzendo contra quebranto e arca caída, e sentia vergonha disso na escola quando criança. Demorei um tempo pra saber o quanto fui ignorante e desinformado, pois aquelas práticas tinham raízes profundas ligadas a minha existência, era por ali que me autoreconhecia, que estabelecia minha identidade, minha ligação com o sagrado e meu modo de ser brasileiro.

Este costume de minha mãe foi aos poucos deixado de lado, hoje ela apenas benze contra quebrante de crianças. È uma tradição antiga que vinha dos tempos de antanho, repassadas pela minha bisavó como missão de vida mas minha irmã não quis dar continuidade.

Precisamos sistematicamente divulgar estas práticas de benzeções e curas e até tombar como patrimônio imaterial para que nossas crianças não repitam como eu o preconceito que vivi.

Este é um desafio das escolas das universidades e instituições culturais de ultrapassar nossos pré-conceitos e dogmas religiosos.

Muito me interessa os saberes do povo mais simples, principalmente sobre as coisas não ditas e silenciadas. Nas manifestações aparentemente mais simples é que se escondem as mais complexas, nos ensina a Antropologia.

Seja com tição de fogo, folha de pimenteira ou de arruda, azeite quente, garrafadas, pano de prato, assopros, sucções ou flexões nos braços para curar os males e as dores da alma, estas práticas continuam e continuarão compor os cenários mágicos religiosos ou culturais, sob o véu das madrugadas desafiando as farmacopéias ocidentais, as razões escolásticas médicas e as intolerâncias religiosas.

Tem raizada, garrafada e benzeção pra tudo quanto mal ou feitiço, seja do corpo ou da alma: espinhela (campainha) caída, ventre virado, inveja, olho gordo, quebrante, cobreiro brabo, erisipela, encosto, brotoeja, ofensa de cobra e cachorro, machucaduras (carne quebrada), peito arrotado, soluço, engasgo (com espinha de peixe ou não) mau jeito e por aí afora vai. Separei só algumas, mas esta lista e os rituais são infinitos.

Tem também as rezas e orações para os santos que curam por intercessão divina, ou promessas, variação das benzeções: Santa Iria (contra as forças do mal), Santa Luzia (para os olhos), São Sebastião (para os enfermos), São Lázaro (para as feridas), Santo Antônio (casamenteiro), Santa Bárbara ou Clara (contra raios e tempestade), São Brás (infecções nas gargantas), Santos Reis, São Raimundo Nonato, São Jorge (contra os inimigos e invejosos), São Bento (picaduras de cobra), São Lourenço (contra queimaduras), São Benedito (para fartura).

Estudos de doutorado em medicina da Universidade de São Paulo (USP) com benzedores de alguns municípios do interior da Bahia têm comprovado a eficiência destas práticas mágicas e crendices populares na vida das pessoas, fisiológico e emocionalmente.

Seja pelo efeito psicológico e terapêutico que elas possuem ou por causas orgânicas. Creio em tudo que minha benzedeira recomendar, por tradição, juízo e inteligência.

Dedico este artigo singelamente as inúmeras pessoas que atuam como agentes de cura no ontem e no hoje, como forma de dirimi-los de todos os preconceitos que por ventura tenham passado em suas vidas e pela dedicação aos males e sofrimentos de nós humanos no desejo que um dia possamos publicar seus nomes sem medo de serem discriminados!

Afinal quem nunca não, como dizem hoje!

*Suelme Fernandes - é Analista Poítico, Mestre em História

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