A juíza Placidina Pires, da Vara dos Feitos Relativos a Organizações Criminosas e Lavagem de Capitais de Goiás, vem sofrendo ataques nas redes sociais desde a última terça (5) por ter concedido liberdade provisória a uma advogada vegana que apresentou complicações de saúde pela alimentação inadequada no sistema penitenciário. Apesar de a decisão ser de dezembro, as críticas se disseminaram depois de publicações recentes dos deputados Eduardo Bolsonaro e Carla Zambelli, ambos do PSL.
Em seu perfil, o filho do presidente escreveu que "não à toa temos toda essa criminalidade" ao compartilhar uma matéria sobre o caso. Já Zambelli classificou a decisão como "piada" em post no Facebook. As ofensivas ressoaram em grupos bolsonaristas.
"Não considero uma acusação de crime violento, de uma pessoa perigosa, que apresenta risco para a sociedade, ainda mais diante do estado de saúde dela, que foi o que motivou a decisão. Ela estava em um quadro grave, internada. Fora isso, ela é ré primária, sem antecedentes e tem endereço certo. Achei que naquele momento deveria colocá-la em liberdade, monitorada por tornozeleira. Não soltei simplesmente porque ela é vegana", disse a juíza.
Na decisão, a magistrada argumentou que a defesa demonstrou que, por ser vegana, a ré necessitava de alimentação adequada não fornecida pela unidade prisional. Pires substituiu a prisão preventiva por medidas cautelares, entre elas o uso de tornozeleria eletrônica. A advogada também não poderá mudar de endereço nem se ausentar por mais de oito dias de sua residência sem aviso e autorização prévia.
Em seu Instagram, a juíza esclareceu o caso e afirmou que recebia as críticas com "humildade e serenidade". Segundo Pires, ela optou por não divulgar a decisão ao público para não expor a advogada. Em entrevista a ÉPOCA, disse que encara as discordâncias com "naturalidade" e está com a "consciência tranquila".
Após os ataques, entidades jurídicas e colegas de profissão manifestaram apoio à juíza. A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) disse, em nota, que "é preciso rechaçar ataques aos juízes motivados unicamente pelo teor das decisões tomadas no cumprimento do exercício da profissão" e que "eventuais divergências de entendimento ou descontentamentos com decisões judiciais devem ser apresentados na forma legal".
Já a Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego) ressaltou que "defenderá sempre o direito dos magistrados de decidir em conformidade com a lei, de forma comprometida com a verdade e com o Estado Democrático de Direito". O Fórum Nacional de Juízes Criminais chamou as ofensas de "infundadas" e classificou como "inadmissível" que o "hercúleo empenho profissional" fosse reduzido a "motivo de escárnio por alguns poucos por uma decisão de um processo que seus detratores sequer tiveram acesso".
O CASO
De acordo com o processo, a advogada é suspeita de integrar uma organização criminosa especializada na exploração de jogos de azar e a consequente lavagem do dinheiro obtido com as práticas ilícitas. O grupo atuaria dividido em três núcleos, com a ré desempenhando a função de subgerente, supostamente responsável por uma das casas de jogo controladas.
Ela teve a prisão preventiva decretada em 19 de novembro sob justificativa de que os investigados poderiam continuar obtendo vantagem econômica com a exploração dos jogos de azar. Segundo os autos, o inquérito policial apontou que a advogada e outros membros do grupo já teriam sido autuados pela prática.
No pedido de liberdade, a defesa negou que sua cliente tenha envolvimento nas ações narradas pelos investigadores e sustentou que ela "possui predicados pessoais favoráveis". Entre eles, cita o fato de ser ré primária, possuir residência fixa e trabalhar como advogada. Os defensores ressaltam ainda que "sua liberdade não representa risco para o convívio social".
Segundo o advogado Roberto Luiz da Cruz, a ré já teve alta do hospital e está em casa sob monitoramento eletrônico. Após ser detida, ela foi levada para a Casa de Prisão Provisória, em Aparecida de Goiânia.
Se ela tiver condições de retornar, caso tenha voltado a praticar o jogo do bicho, se houver motivo superveniente, eu posso revogar a liberdade. Ela é provisória, então se aguarda o julgamento. Estou com a consciência muito tranquila, não vou me deixar abalar por isso", concluiu a juíza.
Nossas notícias em primeira mão para você! Link do grupo MIDIA HOJE: WHATSAPP