Em meio a discussões sobre a incorporação de medicamentos à base de cannabis no SUS, a Sputnik Brasil ouviu especialistas sobre os benefícios e tabus do uso terapêutico dos derivados da maconha.
A regulamentação do uso medicinal de produtos à base de maconha no Brasil foi aprovada em pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em dezembro de 2019. Desde então, a comercialização destes produtos pode ser feita em farmácias somente com prescrição médica. Mas, apesar de significativos avanços do mercado da maconha medicinal, o assunto ainda é alvo de muita controvérsia.
O psiquiatra e diretor técnico da clínica canábica Gravital, Pietro Vanni, em entrevista à Sputnik Brasil, afirmou que são diversos os benefícios dos medicamentos à base de cannabis, mas a falta de reconhecimento do potencial terapêutico tem sido o principal entrave para o tratamento com canabidiol.
"É uma medicação que trabalha no sistema de homeostase do corpo. Regula a intensidade dos impulsos. Isso se dá na regulação da dor, da fome, bem-estar", disse o especialista.
"Acho que se não discutir o potencial terapêutico, não há quebra de preconceito. Não há grandes desafios, o processo é simples e bem conduzido. O único entrave é a falta de reconhecimento do potencial terapêutico", acrescentou Pietro Vanni.
Em reunião que aconteceu na semana passada, os membros da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) decidiram aprovar uma recomendação para uma consulta pública para saber a opinião da população sobre a integração destes medicamentos ao Sistema Único de Saúde (SUS). No entanto, até o fechamento desta reportagem, a consulta ainda não foi disponibilizada no site do órgão.
A Sputnik Brasil também foi às ruas do Rio de Janeiro para saber o que as pessoas pensam da incorporação deste tipo de medicamento no SUS. Confira no vídeo:
Enquanto se perpetua o tabu em uma parcela da sociedade de associar os medicamentos à base de cannabis com os riscos causados pelas drogas, estudos científicos apontam que o canabidiol pode ser usado justamente como tratamento de certas dependências químicas. De acordo com pesquisas citadas pela clínica Gravital, o canabidiol tem efeito terapêutico na adicção por cocaína, ópio e tabaco.
Em entrevista à Sputnik Brasil, a médica de família e comunidade da cidade de Valença (RJ), Sabrina Ribeiro Tibau, observou que a cannabis medicinal tem um potencial terapêutico para muitas doenças que são de muito difícil contenção, representando uma importante promessa para graves comorbidades.
"A gente tem resposta muito boa para pacientes com epilepsias, demências, câncer, dor crônica, autismo, e muitas outras enfermidades. Todas essas doenças são documentadas com o uso da substância há muitos anos, mas atualmente a ciência consegue comprovar nos estudos mais recentes os benefícios terapêuticos em ação, consegue explicar melhor qual é a ação da cannabis medicinal", disse.
Segundo a especialista, a maconha medicinal é uma promessa muito importante para a epilepsia refratária, por exemplo, que é uma doença de pouco controle com medicações convencionais.
"É uma promessa para demências como Alzheimer e Parkinson, que não têm resposta adequada para os fármacos alopáticos que a gente tem atualmente no mercado; é uma grande promessa para o câncer, pois os estudos mais recentes mostram que ela é uma substância que pode agir diretamente no câncer com a ação antiangiogênica. Isso quer dizer que ela impede que o câncer continue crescendo", acrescentou.
Atualmente, mais de 7 mil pessoas têm a permissão da Anvisa para a compra de medicamentos à base de cannabis. Isto foi significativamente facilitado por uma decisão adotada em 2019 pela agência reguladora para simplificar a importação do produto.
Antes disso, a autorização poderia demorar até 90 dias. Sem a necessidade de uma série de protocolos de consentimento e relatórios de medicamentos tomados pelos pacientes, a autorização para a compra do canabidiol, após a nova resolução da Anvisa, pode sair em até 10 dias. Essa autorização é válida por dois anos.
Incorporação ao SUS
O acesso à medicação, entretanto, continua sendo um desafio enfrentado pelos pacientes que conseguem a prescrição por conta do alto custo da importação do produto. A incorporação dos medicamentos à base de cannabis ao SUS, apesar de ainda não ser uma realidade, seria uma forma de mudar esse quadro.
A médica Sabrina Ribeiro Tibau destacou que o projeto de lei que está transitando no Congresso Nacional (PL 399/2015), estruturado pelo deputado Paulo Teixeira (PT-SP), prevê a permissão do plantio da cannabis medicinal para o uso de medicamentos por empresas brasileiras, para fins de pesquisas científicas pelas universidades, para associações de pacientes para que eles possam plantar e para as farmácias do SUS.
"A incorporação do canabidiol no SUS vai ser uma ótima porta de entrada para a gente conversar melhor sobre o assunto, para a gente falar mais, fazer mais palestras educativas e vencer esse preconceito com educação e evidência científica. Mas, principalmente, vai trazer o acesso a essas pessoas que não podem comprar a medicação nas formas atuais que existem hoje pelo alto custo", declarou.
Para a especialista, a educação sobre as potencialidades terapêuticas e o uso de evidências científicas para dar à sociedade respostas que não existiam antigamente são as formas mais importantes de vencer o tabu em relação à cannabis medicinal.
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